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Assentado da reforma agrária no Piauí lança livro sobre Educação do Campo
Beneficiário do assentamento 17 de Abril, na zona rural de Teresina, capital piauiense, Adilson de Apiaim lança o livro “O desafio da política pública de educação do campo nas escolas de assentamento da reforma agrária”. A edição é resultado da dissertação de Mestrado Interdisciplinar em Sociedade e Cultura, pela Universidade Estadual do Piauí (Uespi), concluída pelo autor no final de 2024.
A obra, publicada pela editora paulista Dialética, está inscrita na disputa pelo Prêmio Jabuti Acadêmico de 2025, um dos mais prestigiados da literatura brasileira.
O livro dialoga, diretamente, com a história de vida do assentado: ele concilia o trabalho na roça, a atividade de coordenador de escola no assentamento e a produção acadêmica, além de escrita poética. O objetivo é analisar o desenvolvimento da educação do campo em áreas da reforma agrária no Piauí, focando ainda o papel do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do qual é militante, na luta pela implementação dessa política pública.
A pesquisa de mestrado de Adilson observou as bases teóricas e normativas da educação do campo no Piauí e no Brasil, examinando a relação entre teoria e prática na construção da política educacional piauiense. Como conclusão, o autor considera que, apesar de avanços normativos como as diretrizes nacionais lançadas a partir de 2002, a política pública ainda não se efetiva plenamente nas escolas. Em geral, segundo ele, a prática educacional revela desconexão entre os princípios da educação do campo consolidados em âmbito acadêmico, e que foram construídos em diálogo com os movimentos sociais ao longo das últimas décadas.
“Notamos, com preocupação, que o marco da gestão escolar no campo implementado pelo poder público segue um modelo plataformizado e padronizado de educação, que foi contratado junto a institutos privados. Para surpresa das pessoas que falam da questão sem a conhecer, Paulo Freire não aparece nesta prática educacional”, revelou o pesquisador.
Adilson criticou a falta de diálogo dos agentes políticos com quem atua no Piauí. “O processo que resultou na Lei Estadual nº 6.651/2015, que regulamentou a educação do campo na rede educacional do estado, não contou com a participação dos movimentos sociais e diversos pesquisadores especialistas piauienses na temática”, concluiu.
Luta e poesia
O escritor foi alfabetizado “debaixo da lona preta”, aos nove anos de idade, em condições precárias, em um acampamento do MST no Rio Grande do Sul, em 1989. A trajetória educacional do assentado, que desde 2004 vive no Piauí, foi quase toda alcançada por meio do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) do Incra.
No currículo constam o curso técnico Normal de Nível Médio, pelo Instituto de Educação Josué de Castro, no Rio Grande do Sul, em 2003; a licenciatura em Letras/ Português, pela Universidade Federal do Pará (Ufpa), em 2010; e a especialização em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais, pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2013.
O primeiro livro publicado pelo assentado foi “Educação do campo pela democratização da terra e das letras”, em 2011. Em 2015, em parceria com Elemar Luciano Pereira Bilha, lançou “Armas, flores e amores: a luta que se faz poesia e a poesia que se faz luta”. O poema “A escola de meus sonhos”, de autoria de Adilson, é um dos maiores destaques desta publicação, que tem sido bastante utilizada em dinâmicas de cursos de educação do campo em todo o Brasil.
De lá para cá, além de ser autor de vários artigos e organizador de livros voltados para a temática da educação, o escritor lançou obras de poesia, sendo “Baiar – poemas e canções para amar” a mais recente, em 2025. Em um dos poemas do livro, Adilson denuncia a política de fechamento de escolas no campo: “A cada escola fechada/ um decreto de sonhos mutilados...”.
Enquanto escrevia a dissertação de mestrado, o pesquisador manteve a rotina de cuidar da plantação de milho, feijão, macaxeira e árvores frutíferas no assentamento – trabalho que realiza das 5h às 7h e das 17h às 19h, nos dias de funcionamento da escola Lucas Meireles Alves, em que atua como coordenador. “Sempre estou com um caderninho na mão, para anotar versos que surgem durante os trabalhos que desenvolvo, seja observando aspectos da natureza, seja para tratar de problemas sociais que afetam a humanidade”, contou.
Uma trajetória acadêmica construída por meio do Pronera
“Para quem nem sonhava em ingressar em uma universidade, e hoje conclui uma pós-graduação em nível de Mestrado com um livro escrito sobre a política de educação do campo, sendo divulgado para mais de 40 plataformas, parece um sonho. A ficha ainda não caiu.
Às vezes parece que a gente não consegue ver e entender a dimensão e a importância que o Pronera faz na vida das pessoas. Minha vida toda foi de muita dificuldade tanto de existência como para frequentar a escola, mas o programa abriu muitas portas.
A cada grau que me qualificava, desde o magistério em 2001, as responsabilidades aumentavam de tamanho. Depois de concluir o magistério no Rio Grande do Sul, no Iterra, me desloquei para o Piauí para coordenar um curso Normal de Nível Médio em Magistério, pelo Pronera, e elaborar a política de educação das escolas itinerantes no estado, a qual foi aprovada em 2008 pelo Conselho Estadual de Educação como política pública.
Enquanto estudava Licenciatura em Letras/Português na Universidade Federal do Pará (Ufpa), fui convidado para coordenar o curso de graduação em Artes na Universidade Federal do Piauí (Ufpi), pelo mesmo programa, em parceria com o Incra e o MST/PI. Veja só, o grau de formação aumentava como também aumentava o grau de responsabilidade e o comprometimento político com a causa da educação do campo na formação de novos educadores e educadoras.
Cursei a pós-graduação em Trabalho, Educação e Movimentos Sociais, pela Fiocruz no Rio de Janeiro, também pelo Pronera e, em seguida, ajudei a coordenar uma pós-graduação em educação do campo pela Universidade Estadual do Piauí (Uespi), além de ajudar a construir e coordenar o curso de Geografia, da parceria entre Incra, MST/PI e Uespi. Hoje, olho e penso o que seria da minha vida se não houvesse duas coisas que foram basilares em tudo o que sou: o MST e o Pronera.
Sem dúvida, posso dizer com orgulho que fui forjado na luta pela terra e reforma agrária, mas o Pronera me fez um escritor que pensa e sistematiza a história de vida em movimento com o Movimento, fazendo da luta e da história um processo de sistematização, apontando novas possibilidades e oportunidades de semear horizontes para a juventude sem-terra.
Costumo dizer que, através da luta e do programa, os sonhos se tornaram realidade pois, além de me graduar, me tornei mestre, escritor e, acima de tudo, continuo assentado, um agricultor que está firme na terra construindo novos sonhos para/com a juventude sem-terra. Hoje, graças ao Pronera, que me possibilitou toda a formação que vivenciei, sou coordenador de uma escola do campo há mais de 15 anos, sendo que essa escola – chamada Centro Estadual de Tempo Integral (Ceti) Lucas Meireles, no assentamento 17 de Abril, onde resido –, colocou mais de 70 alunos na graduação e formou mais de 400 alunos em nível médio.
Veja que o sonho se tornou realidade graças ao Pronera. Se não fosse o programa de educação na reforma agrária, talvez jamais chegaria a uma graduação, imagine ser escritor e conhecido em todos os cantos da luta pela terra e na militância do MST, espaço em que seus poemas são declamados, musicados nas aberturas das assembleias e encontros de educadores das escolas do campo.
O Pronera frutifica, assim como a agricultura camponesa provê o alimento à população.
Gratidão.”
(Depoimento de Adilson Apiaim)
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Assessoria de Comunicação Social do Incra no Piauí
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