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CULTURA E ENVELHECIMENTO
Conceição Evaristo propõe reflexão sobre o tempo, a longevidade e a dignidade das pessoas idosas na 6ª CONADIPI
(Foto: Daniela Pinheiro/MDHC)
A escritora Conceição Evaristo conduziu, nesta quarta-feira (17), a Palestra Magna da 6ª Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa (6ª CONADIPI), realizada em Brasília (DF). Em uma fala marcada por poesia, referências às culturas africanas e críticas às desigualdades sociais, a autora convidou o público a repensar o envelhecimento não como sinônimo de declínio, mas como um processo atravessado por memória, resistência e direitos.
Logo na abertura, Conceição Evaristo destacou que a forma como a sociedade mede o tempo — pautada pelo relógio, pela produtividade e pela lógica capitalista — não é capaz de traduzir a profundidade da experiência humana. “O tempo é mais profundo do que essa medição que conhecemos”, afirmou, ao questionar se os dias envelhecem junto com as pessoas e se o acúmulo de anos é suficiente para explicar alegrias, dores e trajetórias de vida.A escritora apresentou a noção de “tempo espiralar”, desenvolvida pela intelectual Leda Martins, em contraposição à ideia de tempo linear. Segundo essa concepção, passado, presente e futuro coexistem em movimento contínuo, e a morte não representa um fim, mas uma transformação vital que mantém a presença dos ancestrais entre os vivos. Para Conceição, essa visão dialoga com os saberes de matrizes africanas, nas quais o corpo, a arte, a dança e a oralidade preservam e atualizam memórias coletivas.
Ao longo da palestra, Conceição Evaristo também evocou os ensinamentos do pensador quilombola Antônio Bispo, que distingue o “tempo da natureza e da vida” do tempo cronometrado, herança de uma lógica colonial. “O tempo não é algo que se perde ou se ganha, mas algo que se ajuda”, ressaltou, defendendo uma compreensão do envelhecer como continuidade, renovação e transmissão de saberes entre gerações.
Velhice, desigualdade e políticas públicas
Ao tratar da longevidade no Brasil, a escritora problematizou a ideia de que envelhecer seja, para todos, uma conquista. Para grande parte da população, especialmente das classes populares, a velhice ainda é atravessada pela precariedade, pela falta de acesso a direitos básicos e pela violência. Conceição chamou atenção para o aumento da população idosa em situação de rua, para o trabalho exaustivo de mulheres idosas em ocupações precarizadas e para a fragilidade das políticas públicas destinadas a garantir qualidade de vida na velhice.“A expectativa de vida aumentou, mas isso não significa, necessariamente, envelhecimento com dignidade”, afirmou, ao destacar que moradia segura, alimentação adequada, assistência à saúde, aposentadoria digna, lazer e cuidados em saúde mental ainda não são realidade para muitos brasileiros e brasileiras.
A escritora também denunciou as múltiplas formas de violência contra pessoas idosas, muitas vezes praticadas no ambiente familiar ou em instituições que deveriam garantir proteção. Para ela, o abandono e a negligência revelam a urgência de políticas públicas efetivas e de uma mudança cultural que reconheça o valor social das pessoas mais velhas.
Em sua fala, Conceição Evaristo ainda destacou o papel social das pessoas idosas como guardiãs da memória coletiva e como vozes capazes de expressar aquilo que, muitas vezes, os mais jovens não conseguem dizer. Citando autoras e intelectuais como Ecléa Bosi, Milton Santos e Abdias do Nascimento, ela ressaltou que a longevidade, quando conquistada, pode se transformar em instrumento de resistência e de produção de sentidos para toda a sociedade.
A escritora lembrou exemplos de artistas e lideranças negras que tiveram reconhecimento mais tarde na vida, como Clementina de Jesus, Nelson Sargento e Dona Ivone Lara, para reforçar que a velhice pode ser também um tempo de criação, imaginação e protagonismo. “Quem deixa de imaginar, quem deixa de sonhar, morre em vida”, afirmou.
Ao final, Conceição Evaristo defendeu o fortalecimento do diálogo intergeracional como eixo fundamental das políticas públicas. Para ela, a velhice não pode ser vivida de forma solitária, assim como a infância e a juventude também necessitam de vínculos comunitários. “A velhice como conquista precisa ser compartilhada, em espaços de troca, cuidado e reconhecimento”, concluiu.
Envelhecer como direito humano
Ao abrir a Palestra Magna, o secretário nacional dos Direitos da Pessoa Idosa e presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Alexandre da Silva, afirmou que o encontro deve servir não apenas para aprofundar diagnósticos, mas para construir caminhos concretos para soluções. "Envelhecer é um processo natural da vida. Desde o nascimento, todos nós estamos envelhecendo, e a velhice precisa ser reconhecida como uma fase legítima, e não como doença ou peso social”, afirmou o secretário.“Precisamos ressignificar os termos ‘velho’ e ‘velha’ e enfrentar o idadismo, que ainda carrega estigmas e discriminações profundas na sociedade”, ressaltou.
Alexandre da Silva também destacou que o Brasil já é um país com mais de 30 milhões de pessoas idosas e que esse cenário exige respostas estruturantes do Estado. "O desafio agora é assegurar que esse envelhecimento aconteça com dignidade, cuidado e participação social”, completou.
Diversidade territorial
A Palestra Magna também repercutiu entre delegadas e delegados de diferentes regiões do país, que destacaram a importância de a conferência considerar as desigualdades territoriais e as múltiplas realidades do envelhecimento no Brasil.
Para o delegado pelo estado do Pará, Eduardo Brandão, que vive no arquipélago do Marajó, a conferência é um espaço fundamental para dar visibilidade a pessoas idosas historicamente invisibilizadas. “Vir de uma região como o Marajó traz uma responsabilidade muito grande, que é dar voz às pessoas idosas que não conseguem ser ouvidas. Estamos falando de mulheres idosas quilombolas que vivem à beira dos rios e que já sentem diretamente os impactos das mudanças climáticas, com prejuízos à segurança alimentar, ao acesso à saúde e à própria dignidade”, afirmou.Segundo ele, a reflexão proposta por Conceição Evaristo dialoga diretamente com essa realidade. “A palestra magna lembrou que envelhecer é um privilégio, mas que nem todas as pessoas que chegam à velhice conseguem usufruir desse privilégio. Falta assistência e falta um olhar mais efetivo das políticas públicas, especialmente para quem vive nos confins do Brasil”, destacou.
A delegada pelo estado de São Paulo, Valquíria Souza, também ressaltou a importância do processo conferencial e da estrutura oferecida para garantir a participação social. “Participei das etapas municipal e estadual da conferência, e é muito significativo ver esse processo culminar aqui, com uma organização acessível, recursos técnicos e um cuidado evidente com quem está participando”, avaliou.
Segundo ela, os debates acumulados nas etapas anteriores fortalecem os encaminhamentos desta fase nacional. “As discussões foram amadurecidas desde o município e o estado, e aqui ganham ainda mais profundidade com os painéis temáticos e os grupos de trabalho”, afirmou.
Programação
A programação dessa quarta-feira da 6ª CONADIPI segue com painéis temáticos distribuídos em dois blocos. No primeiro, serão debatidos os Eixos que tratam do fortalecimento das políticas de proteção à vida, à saúde e ao cuidado integral da pessoa idosa; do enfrentamento a todas as formas de violência e abandono; e da participação social, do protagonismo e da vida comunitária nas múltiplas velhices.
Logo após, os debates se concentram nos Eixos voltados ao financiamento das políticas públicas para garantia dos direitos sociais e à consolidação da atuação dos Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa como política de Estado.
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Texto: E.G.
Edição: F.T.
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