
- Foto: Fabrício Faria / ASCOM – CNV (2014))
A Comissão Nacional da Verdade entregou seu Relatório Final em 10 de dezembro de 2014. O relatório conta com três volumes entre os quais constam, no Volume I, quatro conclusões centrais derivadas dos trabalhos de investigação:
I. Comprovação das graves violações de direitos humanos;
II. Comprovação do caráter generalizado e sistemático das graves violações de direitos humanos;
III. Caracterização da ocorrência de crimes contra a humanidade;
IV. Persistência do quadro de graves violações de direitos humanos.
No intuito de prevenir violações de direitos humanos, assegurar a não repetição e fortalecer o Estado democrático de direito, a CNV recomenda a adoção de um conjunto de medidas institucionais, constitucionais e legais e medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV, totalizando 29 recomendações.
Medidas institucionais
- Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985)
- Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei no 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais
- Proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e judiciais de regresso contra agentes públicos autores de atos que geraram a condenação do Estado em decorrência da prática de graves violações de direitos humanos
- Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964
- Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos
- Modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para promoção da democracia e dos direitos humanos
- Retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos
- Retificação de informações na Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) e, de forma geral, nos registros públicos
- Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura
- Desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis
- Fortalecimento das Defensorias Públicas
- Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso
- Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e nos órgãos a ele relacionados
- Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais
- Garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas de graves violações de direitos humanos
- Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação
- Apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos
Reformas constitucionais e legais
- Revogação da Lei de Segurança Nacional
- Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado
- Desmilitarização das polícias militares estaduais
- Extinção da Justiça Militar estadual
- Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal
- Supressão, na legislação, de referências discriminatórias das homossexualidades
- Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão
- Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal
Medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV
- Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV
- Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos
- Preservação da memória das graves violações de direitos humanos
- Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar
Além disso, o Relatório Final também apresentou em seu Volume II, textos temáticos, nos quais alguns constam recomendações específicas. É o caso dos capítulos Ditadura e Homossexualidades e Violações de Direitos Humanos contra dos Indígenas.
O capítulo Ditadura e Homossexualidades listou sete recomendações:
Reformas constitucionais e legais
- Criminalização da homolesbotransfobia
- Aprovação de lei garantindo a livre identidade de gênero
Medidas institucionais
- Construção de lugares de memória dos segmentos LGBT ligados à repressão e à resistência durante a ditadura (ex. Delegacia Seccional do Centro na rua Aurora, Departamento Jurídico XI de Agosto, Teatro Ruth Escobar, Presídio do Hipódromo; Ferro`s Bar; escadaria do Teatro, Municipal etc.)
- Pedidos de desculpas oficiais do Estado pelas violências, cassações e expurgos cometidos contra homossexuais em ato público construído junto ao movimento LGBT
- Reparação às pessoas LGBT perseguidas e prejudicadas pelas violências do Estado
- Convocação dos agentes públicos mencionados para prestarem esclarecimentos sobre os fatos narrados no presente relatório
- Revogação da denominação de “Dr. José Wilson Richetti” dada à Delegacia Seccional de Polícia Centro, do departamento das Delegacias Regionais de Polícia da Grande São Paulo pela Lei 7.076 de 30 de abril de 1991
Em relação ao capítulo Violações de Direitos Humanos dos Povos Indígenas, a CNV elencou 13 recomendações:
Reformas constitucionais e legais
- Inclusão da temática das "graves violações de direitos humanos ocorridas contra os povos indígenas entre 1946-1988" no currículo oficial da rede de ensino, conforme o que determina a Lei nº 11.645/2008
- Proposição de medidas legislativas para alteração da Lei nº 10.559/2002, de modo a contemplar formas de anistia e reparação coletiva aos povos indígenas
Medidas institucionais
- Pedido público de desculpas do Estado brasileiro aos povos indígenas pelo esbulho das terras indígenas e pelas demais graves violações de direitos humanos ocorridas sob sua responsabilidade direto ou indireta no período investigado, visando a instauração de um marco inicial de um processo reparatório amplo e de caráter coletivo a esses povos
- Reconhecimento, pelos demais mecanismos e instâncias de justiça transicional do Estado Brasileiro, de que a perseguição aos indígenas visando a colonização de suas terras durante o período investigado constituiu-se como crime de motivação política, por incidir sobre o próprio modo de ser indígena
- Promoção de campanhas nacionais de informação à população sobre a importância do respeito aos direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição e sobre as graves violações de direitos ocorridas no período de investigação da CNV, considerando que a desinformação da população brasileira facilita a perpetuação das violações descritas no presente relatório
- Criação de fundos específicos de fomento à pesquisa e difusão amplas das graves violações de direitos humanos cometidas contra povos indígenas, por órgãos públicos e privados de apoio à pesquisa ou difusão cultural e educativa, incluindo-se investigações acadêmicas e obras de caráter cultural, como documentários, livros e etc
- Reunião e sistematização, no Arquivo nacional, de toda a documentação pertinente à apuração das graves violações de direitos humanos cometidas contra os povos indígenas no período investigado pela CNV, visando ampla divulgação ao público
- Reconhecimento pela Comissão de Anistia, enquanto "atos de exceção" e/ou enquanto "punição por meio de transferência de localidade", motivados por fins exclusivamente políticos, nos termos do artigo 2º, itens 1 e 2, da Lei nº 10.559/2002, da perseguição a grupos indígenas para colonização de seus territórios durante o período de abrangência da referida lei, visando abrir espaço para a apuração detalhada de cada m dos casos no âmbito da Comissão, a exemplo do julgamento que anistiou 14 Aikewara-Suruí
- Criação de grupo de trabalho no âmbito do Ministério da Justiça para organizar a instrução de processos de anistia e reparação aos indígenas atingidos por atos de exceção, com especial atenção para os casos do Reformatório Krenak e da Guarda Rural Indígenas, bem como aos demais casos citados neste relatório
- Fortalecimento das políticas públicas de atenção à saúde dos povos indígenas, no âmbito do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (Sasi-SUS), enquanto um mecanismo de reparação coletiva
- Regularização e desintrusão das terras indígenas como a mais fundamental forma de reparação coletiva pelas graves violações sofridas pelos povos indígenas no período investigado pela CNV, sobretudo considerando-se os casos de esbulho e subtração territorial aqui relatados, assim como o determinado na Constituição de 1988
- Regularização e desintrusão das terras indígenas como a mais fundamental forma de reparação coletiva pelas graves violações sofridas pelos povos indígenas no período investigado pela CNV, sobretudo considerando-se os casos de esbulho e subtração territorial aqui relatados, assim como o determinado na Constituição de 1988
Medidas de seguimento das ações e recomendações da CNV
- Instalação de Comissão Nacional Indígena da Verdade, exclusiva para o estudo das graves violações de direitos humanos contra os povos indígenas, visando aprofundar os casos não detalhados no presente estudo