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Artigo: O regresso de Jango
Por Diego García Sayán
Ocorreu há duas semanas em Brasília. Com todas as honras militares e em cerimônia presidida pela própria Dilma Rousseff, “Jango”, apelido dado a João Goulart, regressou. Tudo aconteceu na Base Aérea de Brasília. No mesmo hangar no qual Goulart foi deportado em março de 1964. Aterrissou ao meio-dia em um avião tipo Hércules da Força Aérea Brasileira, parecido com aquele no qual foi deportado quando aconteceu o golpe militar, que iniciou os 19 anos de ditadura militar no Brasil.
Foi um acontecimento cheio de simbolismo e muito emocionante para todos aqueles que tivemos o privilégio de ser convidados para essa cerimônia – na qual participaram membros do governo brasileiro em sua maioria, altos chefes militares, todos os ex-presidentes brasileiros civis vivos (salvo Fernando Henrique Cardoso, ausente por motivos de saúde), a família de “Jango” e alguns poucos convidados da Presidente Dilma. Logo após a rendição de honras, a bandeira que cobria o caixão foi entregue, cuidadosamente dobrada, a Dilma. Ela a entregou à viúva de “Jango”.
Sem discursos nem ordens militares. Nada disso era necessário. Apenas aplausos; e lágrimas de muitos. Os gestos diziam tudo. Toda a cerimônia, com o hino nacional, os 21 tiros de canhão, a presença solene de representantes de todos os destacamentos militares, fazia respirar “normalização democrática”.
Falecido na Argentina em 1976, oficialmente por um ataque cardíaco, as notícias do funeral de João Goulart foram censuradas no Brasil pela ditadura. Especula-se, desde então, que poderia ter sido envenenado por agentes da Operação Condor. Em 2006, o ex-agente de inteligência uruguaio Mario Neira, detido por tráfico de armas, disse que Goulart morreu envenenado pela adulteração de seus medicamentos por agentes uruguaios a serviço da ditadura brasileira.
Agora que seus restos mortais estão em Brasília, eles serão matéria de exames forenses para confirmar ou descartar essa hipótese. Maria do Rosário, Ministra de Direitos Humanos, disse há alguns dias que “é um dever do Estado Brasileiro esclarecer as circunstâncias da morte do presidente João Goulart”.
É possível que hoje, para alguns, o nome de João Goulart diga pouco ou nada. Algo parcialmente explicado já que sua derrubada ocorreu há quase 50 anos e seu nome praticamente não tem aparecido nas notícias ou nas colunas dos meios de comunicação nos últimos tempos.
Por que é importante recordar-se de “Jango” agora ?
Por duas razões.
Primeiro porque iniciou-se, nesses anos, não apenas a ditadura militar brasileira como também uma etapa histórica nebulosa na qual se globalizou o terror de Estado em quase toda a América Latina. A visão de que a “ordem” e o desenvolvimento seriam impostos desde os quarteis e que a democracia era um estorvo parecia ter chegado para ficar. O “Plano Condor” e outras criaturas sinistras do totalitarismo regional tiveram, na ditadura militar brasileira, um ponto fundamental de sustentação e de partida – em particular as ditaduras de Pinochet no Chile e de Videla na Argentina. Regressar a páginas como essas é um exercício histórico de “cura” e de futuro.
Segundo, porque atos como a cerimônia na qual “Jango” foi recebido com honras militares dão um sinal bastante eloquente de que as coisas estão mudando, decididamente. No Brasil e no resto da América Latina - onde o poder militar insere-se dentro do poder Estatal e não acima dele. A democracia eleitoral é a regra e não a exceção. As ânsias da sociedade em participar e em opinar demonstram uma demanda democrática e uma percepção de direitos que se estendem vigorosamente. E é na temática da democracia que a América Latina logrou, nos últimos dez anos, crescimento em 80% e redução da pobreza em 30%.
Por tudo isso é que me pareceu pertinente comentar esse ato que, por ser histórico, não é notícia da primeira capa. Minutos depois da cerimônia, a Presidenta Dilma escreveu em sua conta de Twitter “Hoje é um dia de encontro do Brasil com sua história (...) esta cerimônia é uma afirmação da nossa democracia”. E em toda a América Latina.
Públicado originalmente em: La República.pe, em 28 de novembro de 2013.
Fonte: http://www.larepublica.pe/columnistas/atando-cabos/el-regreso-de-jango-28-11-2013
Tradução: Maria Helena de Aguiar Notari / Assessoria Internacional SDH/PR