Impacto familiar e Funções da família e do Estado
Funções da família e o papel subsidiário do Estado
Embora a família cumpra diversas funções na formação, cuidado e proteção de seus membros, as quais se refletem em benefícios para a sociedade como um todo, o sentido a instituição familiar em si não se resume a performar determinados papéis sociais. Na formulação de Donati (2008:55), a família não existe para satisfazer uma ou algumas funções sociais, mas constitui um leque potencialmente indefinido, visto ser uma relação social plena, ou seja, é um “fenômeno social total” que – direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente – implica todas as dimensões da existência humana, desde as biológicas às psicológicas, econômicas, sociais, jurídicas, políticas e religiosas.
Isto posto, é mister reconhecer que as funções desempenhadas pelas famílias, quando estas as desempenham adequadamente, apresentam grande interesse público, o que justifica o apoio das políticas públicas estatais diante de potenciais deficiências das famílias no desempenho desses papeis. Dentre tais funções das famílias, listamos algumas das mais importantes e o modo como o Estado pode apoiá-las de forma subsidiária:
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Formação familiar: as famílias trazem novas pessoas ao mundo e lhes proporcionam sua identidade pessoal básica, ajudando a definir quem são e de onde vêm, e assegurando a continuidade através das gerações. O governo regulamenta esta função através de políticas que afetam o parto, o casamento, o divórcio, a adoção, o acolhimento, a herança etc. Como exemplo de legislação aplicável a este contexto, podem-se citar várias provisões do Código Civil.
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Relacionamento entre parceiros: as famílias exercem uma influência fundamental na capacidade das pessoas de formar e manter relações de parceria estáveis e comprometidas. As famílias podem servir para fortalecer e nutrir em seus membros uma comunicação saudável, cooperação, intimidade e habilidades de gerenciamento de conflitos. O governo pode apoiar estes esforços através de políticas relativas ao casamento, programas voltados ao fortalecimento de vínculos familiares, elegibilidade de benefícios, incentivos fiscais etc.
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Apoio econômico: as famílias fornecem apoio econômico para satisfazer as necessidades básicas de abrigo, alimentação, vestuário etc. de seus dependentes. O governo complementa esta função familiar, quando necessário, através de distribuição de renda, de alimentação, de facilidades para moradia e suplementos relacionados; treinamento profissional; e vários subsídios previstos no código tributário.
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Cuidado com as crianças: as famílias criam a próxima geração para serem membros produtivos da sociedade. As famílias são responsáveis por garantir a saúde, segurança, educação e bem-estar geral das crianças e por ensinar-lhes valores e comportamentos sociais apropriados. O governo colabora com estas responsabilidades das famílias, estabelecendo padrões básicos de direitos e deveres e intervindo quando estes padrões não são cumpridos.
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Cuidado com os dependentes: as famílias oferecem cuidados familiares de proteção durante todo o ciclo de vida. As famílias ainda fornecem a maioria dos cuidados e preocupações com os idosos, vulneráveis, doentes e portadores de deficiência. O governo pode apoiar esse papel familiar por meio do oferecimento de serviços complementares, como centros-dia para o cuidado e a socialização de pessoas idosas durante o dia de trabalho, ou programas de saúde que acompanham os necessitados de cuidados médicos no seio do seu lar, inclusive instruindo os familiares para que tenham mais recursos para cuidar de seus dependentes. Outro exemplo são os programas de educação inclusiva, ou a prestação de serviços educacionais especializados (AEE) para portadores de necessidades especiais.
Resultado das políticas públicas familiares: o impacto familiar
Entre os principais instrumentos para auxiliar a elaboração, execução e avaliação das políticas públicas familiares está a medição do “impacto familiar”. Medir o impacto familiar significa avaliar se, e em que medida, as famílias adquirem ou perdem recursos, competências e autonomia em razão de uma política ou ação, com efeitos sobre as relações familiares e o capital social familiar.
A análise do impacto familiar não se restringe somente às políticas propriamente familiares: toda e qualquer política pública pode ser analisada quanto a seu impacto sobre as famílias. A razão é que políticas sem ligação aparente com a esfera familiar, como aquelas voltadas à saúde, à habitação ou mesmo alterações tributárias, podem ter efeitos consideráveis sobre a maneira como se organizam e se relacionam os membros de uma família. Consequentemente, a preocupação com o impacto familiar ultrapassa a preocupação com a formulação, implementação e avaliação de políticas familiares no sentido estrito.
É importante esclarecer que, ao tratar da avaliação de impacto familiar, o bem-estar das famílias não é sinônimo do bem-estar individual de seus membros; isto é, o impacto familiar de uma política não equivale à soma do impacto sobre cada uma das pessoas que constituem a família. O impacto familiar é, em vez disso, o efeito de uma política para as relações familiares e para o papel de cada pessoa dentro da família. Uma política que favorece um indivíduo em determinado aspecto pode produzir ao mesmo tempo resultados piores para a família como um todo e para os relacionamentos familiares no seu interior.
A fim de avaliar o impacto familiar de uma determinada política, é preciso considerar alguns critérios básicos que possam ser avaliados e, eventualmente, consolidados em indicadores. Nesse sentido, têm sido desenvolvidas diversas metodologias para mensurar esse impacto, envolvendo critérios como: autonomia familiar, estabilidade familiar, vínculos familiares e engajamento familiar. Nesse caso, a forma como determinadas políticas públicas aumentam ou diminuem a prevalência dessas características da vida familiar indicará um impacto positivo ou negativo, que pode ser medido em sua intensidade relativa.
Outra forma de avaliar o impacto familiar pode se basear na análise de determinados atributos das políticas públicas, como os instrumentos ou recursos mobilizados (tanto externos quanto internos à família), os seus objetivos em termos do foco nas relações familiares, as normas que regem a sua aplicação e, finalmente, os valores que inspiram a política e que esta pretende ampliar.
Para medir o impacto familiar, é preciso encontrar maneiras de mensurar cada um dos critérios escolhidos, por meio de perguntas, observações e reflexões que podem ser resumidas em categorias qualitativas ou escalas de intensidade. Dessa forma, políticas educacionais podem ser avaliadas com base no quanto favorecem o envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos, enquanto políticas de transferência de renda poderão ser avaliadas quanto ao critério de recebimento dos repasses financeiros ou às condicionalidades impostas às famílias participantes.
O resultado da medição do impacto familiar pode ser um indicador numérico, composto por subindicadores temáticos, que pode criar um ranking de políticas promotoras dos vínculos familiares, ou uma matriz de indicadores que permita a avaliação e o redesenho de políticas específicas.
Referências
Donati, P. Família no Século XXI. Abordagem Relacional. São Paulo: Paulinas, 2008.