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RECONHECIMENTO
Mais quatro bens recebem o título de Patrimônio Cultural Brasileiro na 111ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural
Foto: Mariana Alves/Iphan
“Ocupar a memória para não esquecer a nossa história”. Seguindo o lema de que é necessário rememorar fatos traumáticos para não repetir os equívocos do passado, o Edifício da antiga Repartição Central de Polícia, Rua da Relação, n° 40 (antigo DOPS), na cidade do Rio de Janeiro (RJ), um dos maiores símbolos da repressão política no estado brasileiro durante a ditadura militar, recebeu nesta quinta-feira (26), o título de Patrimônio Cultural Brasileiro. A decisão ocorreu no segundo dia da 111ª Reunião do Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, promovida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
O tombamento do prédio foi efetuado no mesmo ano em que se assinala os 40 anos do fim do regime Civil Militar no Brasil (1964-1985) e os 80 anos do término da Ditatura do Estado Novo (1937-1945). “O imóvel está diretamente relacionado a esses dois períodos de exceção da nossa história republicana. É chegado o momento de termos finalmente o reconhecimento de um lugar de memória traumática integrante do Patrimônio Cultural brasileiro”, observou o relator do parecer, conselheiro José Ricardo Oriá.
A reunião do Conselho contou com a participação do deputado Henrique Vieira (PSOL/RJ) que destacou a importância do tombamento para manter viva a memória do período em questão. “O apagamento e o esquecimento contribuem para a atualização de mecanismos autoritários. Então lembrar é também uma forma de amadurecer a democracia. Trata-se de uma memória sensível”, disse. O presidente do Iphan, Leandro Grass, por sua vez, ressaltou a importância das ações do Instituto para a preservação de memórias como esta: “E assim fazemos e continuaremos a fazer em relação a memória dos escravizados, em relação à memória dos indígenas mortos e dizimados e em relação à memória dos torturados, perseguidos e desaparecidos durante o período da ditadura militar. Esse é um compromisso que essa instituição tem”, afirmou.
Estava presente também na reunião a atriz e atual presidente da Funarte, Maria Fernandes Marighella. Maria é neta do guerrilheiro Carlos Marighella, um dos maiores representantes da luta contra a ditadura no Brasil. Emocionada, ela elogiou o parecer do processo de tombamento e afirmou: “o fato de estarmos diante de uma dívida impagável não nos tira o direito de cobrá-la. O Estado brasileiro tem uma dívida impagável com aqueles e aquelas que foram vítimas de violação de direitos humanos (...) A política de invisibilidade, esquecimento e apagamento é uma prática institucional de manutenção do poder. Quando uma instituição como o Iphan toma uma posição contrária a uma prática institucional ‘marcada’ da nossa história, nós estamos refazendo esse tempo”, concluiu.
Um dos primeiros estabelecimentos industriais surgidos em São Paulo na segunda metade do século X19, a Fábrica de Tecidos São Luis, localizada no município de Itu (SP), também teve o tombamento aprovado durante a reunião do Conselho. Fundada em 1869, foi a primeira fábrica têxtil a funcionar com maquinismo movido a vapor e prenunciou o surgimento de outras fábricas têxteis. Trata-se de uma das únicas fábricas do período imperial ainda existentes em São Paulo e documenta os primórdios da industrialização brasileira. “Passados 40 anos da solicitação de tombamento federal, foi possível observar que o bem possui reconhecida relevância histórica no Estado de São Paulo, e que apresenta os requisitos necessários para reconhecimento nacional” observou a conselheira relatora Damiane Silva.
Mais um bem material relacionado à memória sensível (aquela que se refere, entre outros temas, a lugares, eventos ou narrativas históricas que evocam experiências traumáticas) foi objeto de tombamento na 111ª Reunião do Conselho Consultivo. Localizado em Serra, no Espírito Santo, o Sítio Histórico e Arqueológico de São José de Queimado abriga as ruínas da igreja que foi palco, em 1849, de uma rebelião de cerca de 300 pessoas escravizadas. A revolta teria sido motivada pela promessa não cumprida feita pelo pároco Gregório José Maria de Bene, que garantiria liberdade àqueles que ajudassem na construção do templo dedicado a São José. A repressão foi violenta, seus principais líderes foram condenados à morte, enquanto outros fugiram e formaram quilombos em diversas áreas.
Em seu parecer técnico, a relatora do processo, conselheira Alessandra Ribeiro, destacou que o reconhecimento nacional “permitirá ampliar a visibilidade dessa memória pública e da revolta. Assim, tende a promover um exercício de reparação simbólica no sentido de reconhecer e valorizar a trajetória da cultura negra na atuação da história brasileira”, disse
O Conselho Consultivo aprovou também o tombamento do Terreiro Palácio de Ogum e Caboclo Sete-Serra, em Lençóis (BA), considerado o templo de Jarê mais antigo ainda em funcionamento no Brasil. A justificativa para o tombamento se baseou na relevância cultural e histórica do terreiro enquanto expressão viva da diversidade religiosa afro-brasileira, representando um testemunho da resistência e da criatividade das populações negras na consolidação de seus territórios simbólicos e espirituais.
“Trata-se de um bem cultural de excepcional valor histórico, simbólico e espiritual, cuja materialidade e ambiência expressam a permanência e a vitalidade de uma tradição afrobrasileira singular” argumentou a conselheira relatora do parecer, Desiree Ramos Tozi. A prática do Jarê teve seu início nas cidades de Andaraí e Lençóis (ambas na Chapada Diamantina), por meio de mulheres nagôs (africanas escravizadas vindas da Costa da Mina, onde hoje é Gana, Togo, Benim e Nigéria).
Ao final da reunião do Conselho foi feito um agradecimento e uma homenagem de despedida aos 16 conselheiros cujos mandatos não podem mais ser renovados.
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