Bonecas que contam histórias Saberes das mulheres do Quilombo São José da Serra
Mais antigo do Estado do Rio de Janeiro, o Quilombo São José da Serra está localizado no Distrito de Santa Isabel no município de Valença/RJ, sul do estado do Rio de Janeiro, na Região do Vale do Café e ficou assim conhecido, porque a partir do século XIX, a região (que inclui cidades como Vassouras, Valença e Paty do Alferes) tornou-se o maior polo produtor de café do Brasil, transformando a área em um eixo de riqueza e poder econômico. Grandes fazendas cafeeiras dominavam a paisagem, sustentadas pela mão de obra escravizada. As 38 famílias que habitam o quilombo transmitem saberes e tradições, como será possível apreciar na exposição na Bonecas que contam histórias: saberes das mulheres do Quilombo São José da Serra, formada por obras de artesanato realizadas em palha de milho e bucha, marcante realização das mulheres do Quilombo São José, que fica até este domingo, 29 de junho, em cartaz.
A exposição é parte do Programa Sala do Artista Popular (SAP), do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP/Iphan), no Catete, e realizada em parceria com a Associação de Amigos do Museu de Folclore Edison Carneiro (Acamufec). A abertura aconteceu no dia 22 de maio com apresentação do jongo do quilombo. O Quilombo São José da Serra é um patrimônio com mais de 150 anos de História; lá vivem, atualmente, 200 moradores. Um dos eixos é a Tenda Espírita São Jorge Guerreiro e Caboclo Rompe Mato, que mantém vivos os ritos da Umbanda praticados ao longo dos tempos, ampliando o arco de saberes que perpetua a matriz do quilombo. Para a artesã Luciene Valença, ao longo do tempo, as bonecas de palha de milho e bucha dão continuidade ao fazer ancestral. “Minha mãe e minha tia, há muitos anos, aprenderam com uma visitante da Tenda uma forma de transformar a bucha e a palha de milho em bonecas. De alguma forma, nosso artesanato incorporou essa prática junto às práticas ancestrais que realizamos”, analisa.
No catálogo que acompanha a exposição, produzido pelo CNFCP e oferecido gratuitamente ao público na SAP, o visitante amplia a perspectiva do tema. “Nas mãos das mulheres do quilombo São José da Serra surgem bonecas de memória e tradição, de buchas e palhas de milho, que fazem a vida se alargar, porque falam de afeto, contam histórias de um passado ainda presente: cada traço um segredo, cada curva uma pessoa; guardam nos fios da palha e da bucha a alma de seu território, marcado pela luta e resistência de seus antepassados, que nele criaram raízes e identidade, fortalecidas pelo repasse de seus saberes e fazeres entre risos e cantorias nas Rodas de Jongo, cujos pontos narram suas histórias e atabaques firmam a presença de seus ancestrais”, aborda o texto.
Para Luciene Valença o trabalho das artesãs é repleto de significados e importância, sobretudo para os laços entre as gerações. “Assim também como o nosso terreiro de Umbanda, que graças a Deus, reúne várias gerações e cuida do nosso Jongo, mantemos o ensino do nosso artesanato, dentre outros trabalhos criativos que realizamos no Quilombo. As mulheres do Quilombo fazem coisas incríveis. E realmente isso ajuda muito a gente, não só financeiramente, mas também é muito bom estar desenvolvendo uma atividade em grupo, trocando ideias, opinando em formas de aplicar técnicas à palha e à bucha. É muito bom pra gente”, conta. “No Quilombo, a renda da mulher é que faz diferença na vida da família”, frisa Luciene.
Contexto histórico
Os escravizados eram a base produtiva das fazendas: realizavam desde o plantio até a secagem dos grãos, tarefas essenciais para a lucratividade do café. Desse modo, em 1838, ocorreu em Paty do Alferes a maior rebelião contra a escravidão da região, envolvendo mais de 300 pessoas. A rebelião foi liderada por Manoel Congo (ferreiro escravizado) e Mariana Crioula, figuras que simbolizaram a luta por liberdade, ainda, hoje, embora não tenham logrado êxito para o seu objetivo principal. Muitos dos rebeldes fugiram para as serras da região, iniciando assim o processo de aquilombamento de suas regiões.
Em 30 de abril de 2025 completou uma década de titulação pelo instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) aos Quilombolas.
Breve histórico da SAP
Rafael Barros Gomes, diretor do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), ressalta que o Programa Sala do Artista Popular é uma política cultural de relevo. São mais de 40 anos, contínuos, promovendo a vinda de artistas e suas obras para exposições no Museu de Folclore Edison Carneiro, onde há o Espaço de Comercialização que vende esses trabalhos. Mais: dando visibilidade ao artesanato tradicional de Norte a Sul do país. “Sobretudo, é um programa pioneiro na perspectiva de políticas voltadas para o campo do artesanato de tradição cultural, compreendendo o fazer artesanal das diferentes comunidades do Brasil”, explica.
O Programa Sala do Artista Popular (SAP), do CNFCP/Iphan, que desde 1983 fomenta a venda dos trabalhos feitos nos mais distantes rincões do país, já contou com participação superior a 4.000 artesãos.
Serviço: exposição Bonecas que contam histórias: saberes das mulheres do Quilombo São José da Serra
Sala do Artista Popular do CNFCP/Iphan – Rua do Catete, 179. Catete – RJ.
Tel. 21 3032.6052
Período: 22 de maio a 29 de junho
Dias e horários de visitação:
Terça-feira a sexta-feira, das 10h às 18h
Sábados, domingos e feriados, das 11 às 17h
Realização:
Associação Cultural de Amigos do Museu do Folclore Edison Carneiro (Acamufec)
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular do Instituto de Patrimônio e Histórico e Artístico Nacional (CNFCP/Iphan)
