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NOTA OFICIAL
Nota do Iphan sobre a Lei nº 15.190/2025 (Lei Geral do Licenciamento Ambiental)
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura e responsável pela proteção do patrimônio cultural brasileiro desde 1937, manifesta profunda preocupação com os efeitos da Lei nº 15.190/2025, que institui a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental. O texto aprovado pelo Congresso Nacional havia sido parcialmente vetado pelo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, com o objetivo de reforçar a segurança jurídica, garantir salvaguardas socioambientais e assegurar a necessária proteção do patrimônio cultural brasileiro. Entretanto, em 27 de novembro de 2025, Câmara dos Deputados e Senado Federal derrubaram 52 desses vetos, restabelecendo dispositivos que ampliam as hipóteses de dispensa de licenciamento, flexibilizam instrumentos de controle e reduzem a participação de órgãos técnicos especializados — entre eles o Iphan — nas análises de impacto.
Desde sua criação, o Iphan exerce competência constitucional prevista no artigo 216 da Carta Magna, atuando na proteção de bens culturais materiais e imateriais, como sítios arqueológicos, bens tombados, bens registrados, bens valorados e demais referências culturais essenciais à formação da sociedade brasileira. A participação do Instituto nos processos de licenciamento ambiental tem sido decisiva para identificar e evitar danos a esses bens, possibilitando descobertas e salvaguardas de enorme relevância nacional e internacional. O caso do Cais do Valongo, no Rio de Janeiro — Patrimônio Mundial reconhecido pela Unesco e revelado graças a estudos exigidos no âmbito de um licenciamento — é um exemplo emblemático de como a avaliação técnica especializada pode impedir que memórias fundamentais sejam apagadas.
Com a derrubada dos vetos presidenciais, passaram a vigorar dispositivos que ampliam de forma inédita as atividades dispensadas de licenciamento ambiental, incluindo empreendimentos com potencial efetivo de impacto sobre áreas sensíveis. A lei permite que obras e serviços sejam autorizados sem estudos preventivos e sem manifestações prévias dos órgãos ambientais, o que, por consequência, impede ou reduz substancialmente a consulta aos órgãos de proteção do patrimônio cultural. Isso gera risco direto à integridade de manifestações imateriais, bens tombados, sítios arqueológicos e demais referências culturais, favorecendo o apagamento de memórias coletivas e a destruição de bens que compõem a identidade nacional. A ampliação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), baseada na autodeclaração do empreendedor, acentua esse problema ao limitar a capacidade do Estado de verificar informações essenciais, inviabilizar vistorias e dificultar a adoção de medidas de proteção, mitigação ou compensação — permitindo que bens culturais sejam impactados antes mesmo que sua existência seja conhecida.
Outro ponto crítico da nova lei é a ausência de diretrizes nacionais mínimas sobre porte e tipologia de empreendimentos sujeitos ao licenciamento. Essa lacuna normativa abre espaço para uma “guerra fiscal e regulatória” entre Estados, que poderão flexibilizar exigências de forma desigual na tentativa de atrair investimentos, independentemente dos riscos socioambientais e culturais envolvidos. A falta de uniformidade afeta a segurança jurídica, prejudica a previsibilidade dos processos, fragiliza a atuação coordenada entre os entes federados e amplia desigualdades já existentes, especialmente para povos indígenas, comunidades tradicionais, grupos racializados e populações historicamente vulnerabilizadas.
Sem a participação garantida do Iphan nas etapas sensíveis do licenciamento ambiental, decisões complexas poderão ser tomadas exclusivamente pelos órgãos ambientais ou pelos próprios empreendedores, mesmo quando envolvem territórios, práticas culturais e referências identitárias que demandam conhecimento técnico altamente especializado. O resultado poderá ser a perda irreversível de bens arqueológicos, bens tombados, bens registrados, bens valorados e espaços sagrados, além da supressão de narrativas fundamentais para a memória coletiva do País. A retirada de mecanismos de controle tende, ainda, a aprofundar desigualdades estruturais e fragilizar políticas públicas voltadas à proteção de comunidades tradicionais e grupos vulneráveis.
Diante desse cenário, o Iphan reitera sua grave preocupação com os impactos da Lei nº 15.190/2025 e reafirma que a proteção do patrimônio cultural é pilar da democracia, condição da justiça social e expressão do direito à memória assegurado pela Constituição Federal. O Instituto defende que o desenvolvimento econômico somente se sustenta de forma legítima quando apoiado em segurança jurídica, avaliação técnica qualificada e respeito às diversidades culturais que estruturam o País. O Iphan permanece à disposição para colaborar com o Congresso Nacional, órgãos ambientais e gestores de todas as esferas na construção de diretrizes complementares que reduzam riscos, harmonizem procedimentos e garantam a preservação responsável do patrimônio cultural brasileiro.
Ao mesmo tempo, o Instituto destaca que não se furtará de seu papel constitucional de proteção ao patrimônio cultural brasileiro. Nesse sentido, intensificará o diálogo institucional com órgãos ambientais e com empreendedores para demonstrar — mesmo nas situações em que a nova lei não preveja consulta obrigatória — a imprescindibilidade da manifestação técnica do órgão, a fim de evitar danos aos bens acautelados, prevenir conflitos, reduzir insegurança jurídica e impedir embargos e prejuízos irreversíveis. O Iphan também reforçará suas ações de fiscalização em empreendimentos que deixarem de consultar o órgão quando houver risco ao patrimônio cultural, e adotará todas as alternativas legais e institucionais cabíveis para assegurar que a memória, a história e a diversidade cultural do Brasil permaneçam protegidas para as presentes e futuras gerações.