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MATRIZ AFRICANA
Iphan atua em favor da preservação de vestígios de antigo quilombo Saracura, em São Paulo (SP)
Um passo importante na preservação de estruturas arqueológicas históricas e milhares de objetos relacionados ao antigo Quilombo Saracura, em São Paulo (SP), foi dado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) nesta sexta-feira (28/02). No âmbito do processo de anuência ao licenciamento ambiental para a construção de uma estação de metrô no bairro do Bixiga, o Iphan aprovou a continuidade das escavações da área 4 do sítio arqueológico identificado no local em 2022. Nessa área, indícios apontam para a existência da estrutura de um possível terreiro e de outros objetos ligados à religiosidade afro-brasileira. Ao emitir seu parecer de aprovação, o Instituto propôs contrapartidas à concessionária responsável pela obra, com o objetivo de proteção do patrimônio cultural nacional.
Entre as contrapartidas, está a elaboração de um projeto de salvamento e musealização dos achados arqueológicos, em parceria com as comunidades interessadas, seguindo o princípio da participação social. A autorização para continuidade das escavações da área 4 se soma às autorizações já concedidas pelo Iphan para as demais áreas. Em todas elas, o empreendedor teve de apresentar propostas prévias de salvamento, conforme determina a legislação.
Ao longo de todo o processo de monitoramento e escavação do sítio, já foram realizadas mais de 15 reuniões com movimentos da sociedade civil. A mais recente aconteceu na última terça-feira (25/02), em Brasília, com presença de membros da Diretoria Colegiada e do presidente do Iphan, Leandro Grass, do deputado federal Guilherme Boulos e da deputada federal Erika Hilton, do defensor público federal Eduardo Nunes de Queiroz, de representantes do Movimento Estação Saracura/Vai-Vai e da Ialorixá Solange Machado d’Oyá.
Assim, junto à análise técnica da proposta de metologia de retirada dos bens arqueológicos identificados na referida área 4, a autarquia buscou incluir a perspectiva da comunidade no embasamento de sua decisão, o que contribuiu para o estabelecimento das contrapartidas propostas ao empreendedor, para assegurar a proteção adequada à memória afro-diaspórica no Brasil.
“Graças à atuação do Iphan, garantimos a descoberta, pesquisa e reconhecimento do Sítio Arqueológico Saracura, um marco na memória da população negra, e a preservação dos bens arqueológicos ligados à religiosidade afro-brasileira encontrados no local”, afirma Grass.
O SÍTIO SARACURA VAI-VAI
Os estudos no sítio arqueológico Saracura Vai-Vai estão sendo feitas pela empresa de arqueologia contratada pela concessionária que constrói a estação de metrô, conforme determina a Lei 3.924/1961 (ver mais abaixo atuação do Iphan no licenciamento ambiental). Desde janeiro de 2022, têm sido resgatados diversos itens que colocam em evidência a história da ocupação da região pela população negra, como a estrutura do possível terreiro e objetos diversos que indicam a existência do antigo Quilombo Saracura.
Foram descobertas ainda estruturas de drenagem do córrego Saracura Grande, provavelmente relacionadas à política de saneamento na cidade de São Paulo entre as décadas de 1950 e 1970. Para este achado, o empreendedor apresentou proposta de musealização, que prevê sua desmontagem e remontagem na própria estação de metrô. No momento, o Iphan aguarda complementação da metodologia de trabalho.
Um dos principais objetivos do Instituto é que as estruturas e os bens móveis arqueológicos estejam acessíveis à comunidade dentro da estação e disponíveis para pesquisa em instituições de guarda, com todo o custo bancado pela concessionária que tirará proveito econômico do empreendimento.
SALVAMENTO E PRESERVAÇÃO
Como em qualquer processo de licenciamento ambiental de que participe, o Iphan busca compatibilizar a preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro e o direito à memória com o desenvolvimento socioeconômico das cidades. O mesmo princípio vem sendo seguido com relação ao sítio arqueológico Saracura Vai-Vai, que foi dividido, na pesquisa arqueológica, em seis áreas.
Para cada uma dessas áreas, haverá um tipo de gestão dos bens arqueológicos. A proposta de salvamento e musealização já apresentada pelo empreendedor para a estrutura do córrego Saracura Grande, por exemplo, prevê: registro, desmontagem, remoção, armazenamento, remontagem e exposição dos achados arqueológicos. Para tanto, o empreendedor deverá realizar mapeamento do subsolo, escaneamento das estruturas, catalogação, coleta de amostras, definição de procedimentos de remoção, transporte e restauração dos elementos arqueológicos.
"A preservação tornará o Sítio Arqueológico Saracura o primeiro do país a ser musealizado com remontagem em uma estação de metrô, tornando parte das descobertas acessível a milhares de pessoas que circularão no futuro terminal de metrô", destaca Daniel Sombra, diretor do Departamento de Ações Estratégicas e Intersetoriais (DAEI) do Iphan.
Em respeito aos caracteres cultural e religioso afro-diaspóricos de alguns dos achados, a equipe de arqueologia contratada pelo empreendedor deverá ter acompanhamento de autoridade religiosa, indicada pelo Movimento Saracura/Vai-Vai, na realização de sua retirada. Além disso, a concessionária deverá ainda apontar como estes achados serão integrados ao projeto de musealização do sítio.
Já os bens arqueológicos móveis, como fios de conta, serão coletados, higienizados e registrados detalhadamente. Até o momento, já são dezenas de milhares de itens recuperados, a serem enviados a Instituições de Guarda e Pesquisa de Bens Arqueológicos. Após a finalização dessa curadoria em laboratório, será possível interpretar esses achados para um levantamento histórico e científico mais completo e rigoroso por parte de pesquisadores.
IPHAN NO LICENCIAMENTO AMBIENTAL
Embora não seja órgão ambiental, a atuação do Iphan nos processos de licenciamento é legitimada tanto pela Constituição Federal de 1988 quanto por uma série de normas, como a Lei nº 9.605/1998 (de Crimes Ambientais), o Decreto nº 25/1937, que tratam respectivamente da proteção aos bens arqueológicos e ao patrimônio histórico e artístico nacional, no qual se enquadram os sítios, e a Lei 3.924/1961, que trata da proteção do patrimônio arqueológico. A Resolução CONAMA 01/1986, a Lei nº 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, e a Portaria Interministerial 60 também reconhecem a importância da participação do Instituto nesse processo.
No entanto, o Iphan não é o órgão licenciador, mas tão somente interveniente, isto é, participa para dar ou não sua anuência ao licenciamento nos casos em que os empreendimentos a serem instalados têm potencial de afetar áreas de interesse histórico, cultural e arqueológico. Nessas situações, são necessárias análises de impacto ao patrimônio cultural e a concessão de autorizações específicas da autarquia, como ocorre na realização de pesquisas arqueológicas no sítio Saracura Vai-Vai. É, portanto, uma atuação protetiva.
Importante destacar que o empreendedor da obra ou da atividade deve arcar com os custos de pesquisas, estudos e intervenções para assegurar a proteção e a preservação dos bens culturais dentro de sua área de influência direta (AID), especialmente os bens arqueológicos. Somente diante dessas garantias é possível a exploração econômica da área sob monitoramento pelo empreendedor, que será seu beneficiário. É o princípio do "poluidor-pagador", consagrado no direito ambiental, que também prevê que o empreendedor que causar impactos ao meio ambiente ou ao patrimônio cultural deve pagar para reparar ou mitigar os danos causados.
A realização de intervenções sem permissão prévia do órgão pode gerar responsabilização objetiva, independente de culpa, ao empreendedor nas esferas civil, penal e administrativa, conforme Lei nº 3.924/1961.
É esse conjunto de normas e princípios que fundamenta as contrapartidas aguardadas pelo Iphan após a liberação da continuidade das escavações no sítio arqueológico Saracura Vai-Vai.
Mais informações sobre o papel do Iphan no processo de licenciamento ambiental estão disponíveis aqui.
Mais informações
Assessoria de Comunicação Iphan - comunicacao@iphan.gov.br
