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ENTREVISTA
Programa Conviver alia conhecimento das universidades com saberes tradicionais
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) tem um programa voltado para as pessoas que convivem diariamente com o patrimônio cultural nas cidades históricas do nosso País. É o Programa Conviver, que envolve comunidades de baixa renda na gestão colaborativa de bens culturais protegidos pelo Estado. Partindo da própria história e dos conhecimentos dessas comunidades, o Iphan os capacita para a conservação de suas casas, seus espaços públicos, suas práticas e saberes, por meio de assistência técnica gratuita, em parceria com universidades e institutos federais.
A estratégia do Programa Conviver se baseia nos Canteiros-Modelo de Conservação: núcleos de ensino e aprendizado onde professores e estudantes de Arquitetura, Engenharia, História, Antropologia, Conversação e Restauro e tantos outros cursos relacionados ao patrimônio trocam conhecimentos com a população para garantir a conservação preventiva de imóveis, priorizando técnicas construtivas tradicionais, bem como a transmissão e continuidade de saberes e práticas ligados à cultura local.
A Cidade de Goiás (GO), reconhecida pela Unesco como Patrimônio Mundial desde 2001, será a sede do Congresso Conviver 2025, sobre habitações populares e patrimônio cultural, na primeira semana de novembro. O evento será promovido pelo Iphan e representa um marco para o programa.
O presidente do Instituto, Leandro Grass, explica como são as ações e fala sobre os vários aspectos que o programa engloba. Ele ressalta a importância de uma política pública voltada para moradores de centros históricos e chama o programa de “Minha casa Minha Vida” do Patrimônio.
Como o Programa Conviver se insere na filosofia e na linha de atuação do Governo Federal?
O nosso governo está do lado da maioria da população. E quando se olha para os centros históricos, para as áreas tombadas, quem é a maioria da população que está ali? Na maior parte são pessoas vulneráveis que vivem em imóveis que precisam ser conservados mas, por vezes, não há recursos, elas não têm capacidade financeira de contratar um engenheiro, arquiteto para fazer o tratamento adequado dos seus bens.
Então a ideia do programa Conviver é nos aproximar destas pessoas numa ação não só educativa mas também técnica e concreta de recuperação dessas casas. Uma parceria com as universidades – estudantes e professores – que elaboram junto conosco os projetos, que capacitam mão de obra dentro das comunidades e geram sustentabilidade. A gente costuma dizer que o Conviver é uma espécie de “Minha casa Minha Vida” do Patrimônio porque atende um público vulnerável, dá uma resposta à preservação do patrimônio e ao mesmo tempo garante a habitação, a permanência dessas pessoas nas áreas tombadas.
Por que o Programa Conviver representa uma mudança na forma como o Iphan se relaciona com moradores de centros históricos?
Ao longo de seus 88 anos de existência do Iphan teve e tem uma atuação muito importante para a preservação do patrimônio histórico. Principalmente nas edificações e monumentos dos centros históricos. Mas esta dimensão que é a dimensão do morador, do cidadão que está ali no dia a dia do centro histórico e muitas vezes não tem capacidade financeira de construir, recuperar, reformar a sua casa, é para eles que estamos trabalhando agora. Então é uma virada de chave também na história do Iphan, que se volta agora à realidade concreta dessas populações vulneráveis do patrimônio cultural brasileiro porque elas também são parte deste patrimônio.
Do ponto de vista do patrimônio imaterial, qual a importância do Conviver? Como o programa se alinha com o Patrimônio Imaterial?
Embora a gente separe o patrimônio material do imaterial como categorias, enquanto ideias de como se trabalhar o patrimônio - veja, o patrimônio material estamos falando de bens edificados, do físico, do concreto; e o patrimônio imaterial estamos falando de saberes, tradições, formas de expressão. Mas, apesar desta divisão técnica, na prática estamos falando da mesma coisa. Quando pensamos no Boi ou no Tambor de Crioula do Maranhão, ou na Renda Irlandesa lá de Sergipe, onde estão estas pessoas? Estão nos centros históricos. Ou seja, não tem como pensarmos na preservação dos centros históricos sem pensar na preservação destes saberes que são parte integrante destes territórios. E quando vamos para a recuperação destes imóveis, para a capacitação destas pessoas, a gente respeita e contempla também a necessidade da salvaguarda destes bens culturais imateriais que estão ali.
O que moradores de centros históricos aprendem com Universidades e Institutos Federais e o que as novas gerações de profissionais que vão lidar com o patrimônio urbano (arquitetos, engenheiros, restauradores, etc.) aprendem com os moradores?
Muitas vezes esses moradores já desenvolveram, ao logo da história de suas comunidades, técnicas e soluções fáceis e práticas que podem ser multiplicadas. E assim temos trabalhado. Importante ressaltar que a relação das universidades com os moradores não é uma relação vertical. Não são eles que vão dizer aos moradores o que fazer com os imóveis de uma maneira impositiva. É uma construção colaborativa: a comunidade aprende com a universidade, que aprende com a comunidade. Até por isso trata-se de um projeto de extensão universitária e não apenas de técnica e pesquisa aplicada.
Por que essas habitações populares nas cidades históricas brasileiras devem ser consideradas parte do patrimônio brasileiro?
O centro vivo, a área tombada, dinâmica, depende fundamentalmente da habitação. Nenhum centro histórico no Brasil vai ser preservado sem que a gente pense a habitação no centro. A habitação é a condição básica para a existência da vida ali. Pessoas morando no centro terão melhor capacidade de empreender, usufruir e ativar este território. Então não tem como pensarmos no centro apenas pela via do turismo ou pela via do empreendedorismo comercial ou de serviços. A habitação é um elemento fundamental que dá vida ao território. Quando se vai para o outro lado cria-se um processo de gentrificação, ou seja, é um centro artificial que não tem a cara e a representatividade da história e da memória verdadeira das pessoas que também o construíram.