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ANTIRRACISMO
Iphan lança campanha pela proteção do patrimônio contra discriminação
Campanha "O bem é você que faz"
“Proteja o patrimônio contra a discriminação. O bem é você que faz.” A partir de hoje, 17 de novembro, essas duas frases passam a circular pelo País na defesa de bens culturais que frequentemente são alvo de preconceito e intolerância religiosa – especialmente aqueles tombados ou registrados como patrimônio cultural de matrizes africana e indígena. É uma campanha de sensibilização criada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para valorizar pessoas e bens legados pela população negra e quilombola e pelos povos originários à formação da cultura e identidade brasileiras.
O objetivo é amplificar para a sociedade o sentimento daqueles que vivem e mantêm vivas as expressões culturais negras e indígenas, apesar de violências que são frequentes no País, como depredações ou manifestações públicas de intolerância. Por essa razão, são justamente os detentores desses bens culturais que protagonizam a campanha, exaltando seus fundamentos étnicos e religiosos e entrelaçando suas vidas e seus valores a eles. É um convite direto à escuta e ao respeito que se reforça tendo como ponto de partida o Mês da Consciência Negra.
Neste início, as produções contam com representantes de seis bens reconhecidos como patrimônio em nível federal e protegidos pelo Iphan: Maracatu Nação, Marabaixo, Roda de Capoeira e Ofício dos mestres de Capoeira, Jongo do Sudeste e o Sítio do Pai Adão, terreiro localizado em Recife (PE). O primeiro vídeo da campanha está disponível mais abaixo na matéria.
Essa iniciativa se soma a outras políticas institucionais que o Iphan tem adotado, nos últimos anos, na proteção do patrimônio negro e indígena no Brasil, contribuindo para a memória nacional e principalmente para a garantia de direitos, como a Portaria 135 (Tombamento de Quilombos) e o Grupo de Trabalho sobre o Patrimônio Cultural Indígena.
“Queremos promover uma política cultural antirracista e ser também uma instituição antirracista. Desejamos promover o patrimônio africano e indígena, nossas matrizes culturais afro-brasileiras, os representantes de expressões, modos de fazer e saberes que representam nossa ancestralidade”, afirmou o presidente do Iphan, Leandro Grass.
ASSISTA O PRIMEIRO VÍDEO DA CAMPANHA AQUI
Educação e respeito para enfrentar a discriminação
A partir das peças produzidas para a campanha, o público poderá conhecer ou relembrar a relação fundamental dos diversos bens culturais retratados com as crenças e a devoção dos povos negros e indígenas e como eles contribuem socialmente, politicamente, culturalmente para a formação da sociedade brasileira em termos de saberes, práticas, linguagens, artes, celebrações, valores, organização de comunidades, entre outros aspectos.
De perspectiva educativa, vídeos, cartazes e áudios trazem depoimentos dos detentores, convidados a falar sobre o que cada bem representa em sua vida e como se relaciona com suas crenças e religiosidade. Os entrevistados refletem também sobre como eles entendem que esse patrimônio faz parte da construção da história e da cultura do povo brasileiro, devendo, portanto, ser respeitado e protegido.
Por um lado, o mote “O bem é você que faz” evidencia que o patrimônio cultural existe e se perpetua por causa de pessoas, que o constroem e por ele são construídas. Por outro, indica que todo cidadão pode contribuir para a longevidade dessa herança, ainda que não compartilhe da mesma etnia, raça ou credo. Fazer o bem é não discriminar nem deixar que a discriminação aconteça.
"A campanha ajuda que a população conheça esse patrimônio e desmistifique alguns preconceitos que foram, ao longo do tempo, estabelecidos." Aretha Rodrigues, coordenadora do Copmaf
"A campanha ajuda que a população conheça esse patrimônio e desmistifique alguns preconceitos que foram, ao longo do tempo, estabelecidos. A gente espera que ela seja abraçada por todos e que seja compartilhada e propagada dentro e fora do Iphan", destacou Aretha Rodrigues, coordenadora do Comitê Permanente para a Preservação do Patrimônio de Matriz Africana (Copmaf).
Já Bruna Ferreira, analista do Iphan atualmente em exercício na Presidência da República, além de uma das idealizadoras e também coordenadora do Copmaf durante boa parte da produção da campanha, indica como é essencial entender as religiões de matriz africana e indígena, submetidas à violência colonial, como estratégias de resistência e culto à ancestralidade e como elemento essencial das mencionadas manifestações culturais.
“O que se realiza sob o segredo de culto é tão ou mais importante quanto a festa que vai para a rua. Esta compreensão é fundamental para que as pessoas que não compartilham das mesmas crenças possam reconhecer o valor civilizatório e a força vital desses saberes, tomando-os como parte constitutiva do patrimônio cultural brasileiro, que deve ser protegido por todas e todos, sem distinção”, diz Bruna.
Giorge Bessoni, coordenador geral de Educação, Formação e Participação Social do Iphan e atuante na concepção da campanha, enfatiza que a busca pela harmonia social e o respeito pela memória passam pelo reconhecimento e não pelo apagamento das raízes culturais do patrimônio.
“Reafirmar os fundamentos religiosos dos bens culturais de matrizes africana e indígena é reconhecer a diversidade religiosa do Brasil e valorizar as contribuições dos grupos formadores da sociedade brasileira para a identidade nacional e para a configuração de nosso rico patrimônio cultural, estimulando as relações democráticas e a cultura de paz entre comunidades e indivíduos”, pontua.
Protagonismo de servidores e colaboradores negros
Dos 18 colaboradores do Iphan envolvidos na campanha, entre servidores, colaboradores e estagiários, oito são pessoas que se reconhecem como negras. E em todas as fases, havia pessoas negras: concepção, pesquisa, produção de fotos, vídeos e arte, realização de entrevistas, roteirização, locução e edição dos materiais sonoros e audiovisuais.
Por estes colaboradores, estiveram representados o Comitê Permanente para a Preservação do Patrimônio de Matriz Africana (COPMAF), a Coordenação-Geral de Comunicação (CGCom), o Departamento de Articulação, Fomento e Educação (DAFE), o Departamento de Patrimônio Imaterial (DPI) e as Superintendência do Iphan na Bahia e em Pernambuco.
E foi exatamente a equipe técnica de Pernambuco a origem do projeto. No dia a dia de trabalho, as servidoras Lívia Moraes e Thamires Neves observaram a necessidade de uma ação que pudesse sensibilizar a todos para atuar contra práticas discriminatórias a bens culturais registrados ou tombados em nível federal.
“Em Pernambuco, trabalhamos com vários bens culturais de religiosidade de matriz africana, como o Terreiro de Pai Adão e o Maracatu Nação. E vínhamos recebendo relatos sobre ataques motivados por intolerância religiosa. Então, pensamos numa campanha educativa para mostrar a importância do assunto”, explica Lívia.
“Sabemos que esse é um problema que atinge vários bens, de várias naturezas, no Brasil todo. Esperamos que esse seja um ponto inicial para consolidar, dentro e fora do Iphan, a discussão sobre a necessidade de respeito à religiosidade desses bens culturais", acrescenta Thamires.


