Sobre o tempo do trabalhador: me devolve meu tempo ou me devolvo meu tempo

Me devolve meu tempo. 

Não assinei no contrato, nem confirmei sem contrato, que podias me roubar toda energia de mim. 

Preciso parar, já nem sei mais, pra onde estou correndo. 

Já não sei mais, aonde vou chegar. 

Olho para todos os lados e não existo mais em mim. 

Pago as contas, faço as contas, pego emprestado, faço prestações e sigo na ponta do lápis equilibrando a sobrevivência. 

Será que há vivência? 

Me espio de lado e o que vejo me angustia a alma. 

Existo pra cuidar, pra limpar, pra arrumar, pra produzir, pra acalentar, mas nem é pra mim. 

Talvez para o outro existir, mas o outro também não existe para si. 

Existimos para quem? 

No relógio, esse marcador do tempo do trabalho, o tempo está atravessado. 

O tempo no virtual, o trabalho é todo o tempo. 

Mas o que existe de mim antes e depois do trabalho? 

Já nem sei mais o que sou. 

Se luto pra sobreviver, me pergunto sobreviver pra quê? Pra quem? 

Penso no ônibus, no trem, na calçada, no engarrafamento. 

Nem sei se penso. 

Me aceleram pra eu não pensar, mas algo me escapa e sei que tem algo errado. 

Acho que penso ao sentir que não faz sentido desse jeito que está. 

Roubo o tempo que roubaram de mim e fico confusa. 

Não sei exatamente o que desejo, mas sinto que não é isso que impuseram a mim. 

Resisto. 

Às vezes resisto mesmo quando faço a mesma coisa, mas já sei que não deveria ser assim. 

Sem anunciarem tréguas possíveis nestes tempos. 

Não tenho outra escolha senão me insubordinar. 

Olho novamente para o lado e roubo do roubo um tempo pra mim. 

Me devolvo o meu tempo. 

Ele é meu. 

Ele não volta, ele não se repete. Ele é passagem. 

Ele é minha vida que escorre sem mim. 

Preciso da brecha, da fuga possível. 

Não vou conseguir sozinha. 

Mas já sei que tem outros iguais a mim.