Envelhecimento, Trabalho e Idadismo: por onde anda a saúde das trabalhadoras e dos trabalhadores idosos?

Envelhecer é um desafio em qualquer parte do mundo, mas, em um país desigual como o Brasil, tudo se torna ainda mais complexo devido às diferenças econômica, social e territorial, envolvendo também uma perspectiva de gênero, diversidade ética e racial. Esses fatores, junto das relações de trabalho, são determinantes para a condição de saúde da população idosa. Considerada uma conquista social, o envelhecimento traz, em sua contradição, o conflito entre o capital e o trabalho, que define o modo de como se vive e como se envelhece. Desta maneira, este ensaio objetiva refletir sobre o envelhecimento no cenário atual do mundo do trabalho, bem como evocar o papel do campo da saúde do trabalhador diante da necessidade do despertar sobre as situações de vulnerabilidade de velhas e velhos trabalhadores.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1, evidenciam que uma parte da população brasileira está se tornando cada vez mais idosa. Hoje esse grupo populacional representa 15% dentro da população total. Em termos de mercado de trabalho, esses sujeitos estão cada vez mais ativos, tendo em vista a necessidade de complementação da aposentadoria e da renda familiar. É esperado que para os próximos anos a população idosa trabalhadora no Brasil cresça, já que, com as mudanças previdenciárias, elevando a idade mínima para aposentadoria, inevitavelmente trabalhadores idosos terão que trabalhar por mais tempo.

Dentro desse cenário, o que devemos considerar sobre o envelhecimento no trabalho? Primeiramente, precisamos entender que esse processo extrapola

a condição de ciclo biológico ou um conjunto de dados demográficos simplesmente. É algo que requer um entendimento mais humano e social. Pensando assim, ao olharmos para o mundo do trabalho, vemos uma população idosa trabalhadora que enfrenta obstáculos provenientes do processo produtivo capitalista, o que inclui a informalidade, novas exigências advindas das formas de trabalho e que estão em constante mudança, novos perfis de trabalho, economia de plataformização, desregulamentação dos direitos trabalhistas e a precarização dos ambientes de trabalho. Os problemas não cessam por aí, ainda temos os conflitos intergeracionais, desvalorização da experiência e o preconceito com pessoas idosas2,3. Em meio a essas e tantas outras contradições, surgem indagações de como devemos pensar no envelhecimento ativo e saudável num mundo do trabalho tão complexo e de como a garantir o direito à participação e à inclusão desse trabalhador, considerando os aspectos da saúde do trabalhador.

Outro ponto importante a destacar é a discriminação do idoso no mercado de trabalho. Aqui evidenciamos o idadismo, por se apresentar como um preconceito invisibilizado pela sociedade e que coloca os sujeitos mais velhos em posição de inferioridade e que causa a exclusão dos trabalhadores. O idadismo ocorre principalmente quando a pessoa idosa tem a sua capacidade laboral associada à imagem física degradante, a uma menor produtividade, ou até mesmo pelo fato de o sujeito apresentar alguma dificuldade com o uso de novas tecnologias. Essa situação reforça a estigmatização, o adoecimento físico e mental dos velhos trabalhadores, o que agride os princípios da solidariedade social e a dignidade da pessoa humana5.

Com a finalidade de abarcar a realidade desses idosos nos espaços de trabalho e de envolver os aspectos promotores de saúde, o campo da saúde do trabalhador anseia por largas discussões que envolvam o trabalhador mais velho. Sendo algumas destas: Qual a relação do trabalhador mais velho com o trabalho? Em que contexto se dá a atividade de trabalho? Quais são os desafios para a manutenção da saúde de trabalhadores com um longo histórico laboral? Quais são os tipos de acidentes de trabalho com os idosos? Como esse trabalhador é identificado pela atenção à saúde do trabalhador? Existe transversalidade entre as políticas de saúde da pessoa idosa e do trabalhador? No âmbito das políticas públicas, temos a Política Nacional da Pessoa Idosa6 e

o Estatuto da Pessoa Idosa7, que trazem diretrizes acerca da empregabilidade desses trabalhadores livres de discriminações, o que inclui também o direito e a oportunidade de capacitação e profissionalização, e mais atenção às condições de saúde. Ainda assim, há uma realidade distante entre as políticas públicas e a efetividade social visando a inserção da pessoa idosa no mercado de trabalho e saúde. No âmbito da saúde do trabalhador, destacamos também o papel fundamental da Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e suas ações no atendimento desses trabalhadores no SUS. No entanto, o que vemos nos dias de hoje é uma falta de consonância entre as áreas de saúde da pessoa idosa e saúde do trabalhador, no tocante ao reconhecimento e necessidades dos trabalhadores idosos. Precisamos estar atentos para atender esses trabalhadores com todas as suas nuances. Pensando na prática, será que estamos preparados, por exemplo, para identificar uma surdez ocupacional, uma catarata ocupacional ou uma dor lombar relacionada a atividade de trabalho do idoso ou jogaremos a culpa para a idade do trabalhador, como geralmente sido feito? Caso contrário, estaremos reproduzindo a ideia idadista inclusive nos atendimentos de saúde. Por fim, precisamos reforçar que a velhice do trabalhador não é só pessoal: é social, é política, é saúde e profundamente relacional. 

Autoria: Priscila de Freitas Bastos Pazos1, Aldo Pacheco Ferreira2

1Pós-doutoranda Júnior, Fiocruz.

2CLAVES/ENSP/Fiocruz.

Referências

1. População cresce, mas número de pessoas com menos de 30 anos cai 5,4% de 2012 a 2021 | - IBGE. https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/34438-populacao-cresce-mas-numero-de-pessoas-com-menos-de-30-anos-cai-5-4-de-2012-a-2021

2. Enciclopédia Jurídica da PUCSP. (2020). https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/341/edicao-1/a-organizacao-internacional-do-trabalho-%28oit%29:-protecao-e-uma-perspectiva-do-futuro-trabalhador-idoso

3. Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Discriminação por idade é um desafio global, afirma relatório da Organização das Nações Unidas. Maio 2025. Disponível em: https://www.paho.org/pt/noticias/18-3-2021-discriminacao-por-idade-e-umdesafio-global-afirma-relatorio-da-organizacao-das

4. Pazos P de FB, Ferreira AP. Pessoa idosa, mercado de trabalho, idadismo e a saúde do trabalhador: revisão de escopo. Rev bras geriatr gerontol [Internet]. 2024;27:e240004. Available from: https://doi.org/10.1590/1981-22562024027.240004.pt

5. Brasil. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto da Pessoa Idosa e dá outras providências. (Redação dada pela Lei nº 14.423, de 2022).

6. Brasil. Lei nº 8.842 de 1994. Dispõe sobre a Política Nacional da Pessoa Idosa. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8842.htm