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REPARAÇÃO HISTÓRICA
Portaria do Iphan que regulamenta o tombamento de quilombos completa dois anos
Comunidade Quilombola Tia Eva, em Campo Grande (MS). Foto: Iphan/MS
Preservar a memória, os documentos e os sítios das comunidades quilombolas a partir do autorreconhecimento. Esse é o objetivo da Portaria Iphan n°135/2023, que regulamenta a declaração do tombamento de quilombos. A norma, que completou dois anos neste 20 de novembro - Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra -, trouxe avanços significativos no caminho da reparação deste patrimônio, como a visitação de mais de trinta territórios negros pelo Brasil e a consolidação de parcerias com entes federais, estaduais e municipais.
Ao longo desses vinte e quatro meses, o Instituto teve como foco a realização de treinamentos e capacitações com servidores e comunidades quilombolas sobre a Portaria. As reuniões debateram a aplicação da norma, estratégias de identificação de referências culturais e ações para resguardar o patrimônio material e imaterial da população, conforme o Artigo 216 da Constituição Federal.
De acordo com a coordenadora-geral de Identificação e Reconhecimento do Departamento de Patrimônio Material (Depam), Vanessa Pereira, a Portaria é um avanço para o acautelamento de territórios no Brasil que jamais poderão ser esquecidos ou abandonados. “A Portaria de tombamento dos quilombos, pelo Iphan, é muito importante para que as comunidades tenham acesso ao direito de preservar suas memórias, sua história, e sua cultura de uma forma geral. É, também, um passo importante para que o povo brasileiro tome conhecimento das muitas histórias do nosso país”, ressaltou Vanessa.
A partir da sensibilização das comunidades e do princípio da autoidentificação e do autorreconhecimento, o Iphan conseguiu acautelar, até o momento, vinte quilombos nos estados de Minas Gerais (5), Paraná (5), Maranhão (2), Bahia (2), Mato Grosso do Sul (1), Rio de Janeiro (1), Piauí (1), Ceará (1), Goiás (1) e Sergipe (1). Este tombamento é considerado distinto do instrumento de tombamento administrativo criado pelo Decreto-Lei nº 25 de 1937, pois a Portaria cria um Livro Tombo específico para os quilombos e detalha uma série de princípios, como a autodeterminação e a consulta prévia, livre e informado das comunidades quilombolas, garantindo seu protagonismo no processo de preservação.
Na cidade de Campo Grande (MS), a comunidade Quilombola Eva Maria de Jesus "Tia Eva", foi a primeira a ser reconhecida por meio da Portaria n°135/2023. Para isso, a Superintendência do Iphan no Mato Grosso do Sul apresentou, em maio de 2024, o instrumento de preservação do patrimônio cultural quilombola no Brasil e o tombamento de documentos e sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos à comunidade. Além disso, a autarquia realizou oficinas de capacitação voltadas para os inventários participativos, mapas afetivos e o direito à consulta e consentimento livre, prévio e informado.
Para o superintendente do Iphan no MS, João Henrique dos Santos, o Instituto será reconhecido como precursor em políticas públicas no reconhecimento de quilombos enquanto patrimônio cultural. “A gente teve a oportunidade de dialogar com a comunidade Tia Eva, esse quilombo urbano que foi engolido pela cidade, com características peculiares de uma ocupação urbana e que enfrenta também os problemas diários de uma comunidade urbana. Daqui 30 anos, os historiadores vão estudar a política de reconhecimento dos quilombos enquanto patrimônio cultural, o tombamento de quilombos via Portaria 135, e lá vai estar configurando o processo Q 01 da comunidade Eva Maria Jesus, Tia Eva", disse o superintendente.
Vânia Lúcia Duarte, líder do quilombo Tia Eva, encontrou em Campo Grande e no quilombo um lugar que tem o tripé terra, trabalho e família. Além disso, ela conseguiu auxiliar na construção da identidade do povo preto e quilombola da capital sul-mato-grossense. Para Vânia, a Portaria n°135/2023 reafirma a existência e o pertencimento da sua população. “É algo importantíssimo para nós, quilombolas, é algo que contribui para reafirmar nossa existência. Nós sempre precisamos que outros ajudem nessa reafirmação que somos quilombolas, onde quer que estejamos, nessa luta que é uma luta ancestral “, falou a líder.
Portaria n°135/2023: protagonismo e proteção do patrimônio
A Portaria Iphan nº 135, de 20 de novembro de 2023, regulamenta o procedimento para a declaração do tombamento de documentos e sítios que contenham memórias históricas dos antigos quilombos. A norma destaca o protagonismo da população afro-brasileira na luta pela liberdade (por meio dos fenômenos do quilombismo e aquilombamento), pautando-se por princípios antirracistas nas ações patrimoniais e buscando reconhecer a resistência quilombola ao processo de escravização e à discriminação histórica.
Os bens passíveis de declaração de tombamento são classificados em três categorias específicas. A Categoria I abrange os sítios ocupados por remanescentes de quilombos, detentores de referências culturais materiais ou imateriais. A Categoria II inclui os sítios não ocupados que preservam vestígios materiais referentes à memória dessas comunidades. Por fim, a Categoria III refere-se a documentos (registros em diversos suportes, como textuais, cartográficos ou audiovisuais) detentores de referências à memória quilombola.
O critério fundamental para a aplicação da Portaria é o princípio da autoidentificação, da autodeterminação e do autorreconhecimento dos grupos, sendo exigida, para os sítios ocupados, a Certidão de Autodefinição como Remanescentes dos Quilombos emitida pela Fundação Cultural Palmares (FCP). O processo também é norteado por dezessete princípios, entre os quais se destacam o Princípio da Humanização, que considera a contribuição desses bens para a cidadania e a dignidade humana, e o Princípio do Direito à Verdade, à Memória, à Justiça e à Reparação, que reconhece a importância dos atores sociais.
A solicitação de tombamento pode ser iniciada por qualquer pessoa física ou jurídica. Após a análise da documentação e a condução da consulta prévia junto à comunidade, a Superintendência do Iphan do estado onde se localiza o quilombo elabora uma Nota Técnica que consolida as demandas em diretrizes de preservação e salvaguarda. Concluída a instrução técnica, o ato de Declaração de Tombamento é publicado no Diário Oficial da União. O resultado do processo é a inscrição do bem no Livro Tombo de Documentos e Sítios Detentores de Reminiscências Históricas de Antigos Quilombos.
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