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5ª CNSTT
Na Conferência de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora da região do Bico do Papagaio, direito à saúde é também direito à terra
Fotos: Lennon Pereira Bezerra / Natália Ribeiro - Ascom CNS
Desde a década de 1970, o Bico do Papagaio é palco de intensos conflitos agrários, envolvendo posseiros, grileiros e grandes latifundiários. A região está situada no extremo norte do estado do Tocantins e é considerada uma área de transição entre o Cerrado e a Amazônia. Mas a região é cenário também de muitas lutas e conquistas de direitos sociais. Segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a localidade abriga mais de 150 assentamentos, que juntos ocupam cerca de 1,5 milhão de hectares.
Essas áreas foram conquistadas após anos de mobilização, incluindo ocupações e enfrentamentos, muitos deles violentos. Banhada pelos Rios Tocantins e Araguaia possui também uma rica biodiversidade, com forte predominância da palmeira de babaçu. E foi a partir desse território que as diretrizes e propostas de saúde da 4ª Conferência Estadual de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do Tocantins foram construídas coletivamente.
O encontro foi o primeiro das cinco etapas macrorregionais da 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora previstas no estado do Tocantins, realizado no dia 2 de abril em Augustinópolis, um dos 24 municípios que integram a região do Bico. A 4ª Conferência Estadual de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do Tocantins será realizada nos dias 10 e 11 de junho, em Palmas, capital do estado.
Os impactos gerados à saúde humana, ao meio ambiente e aos modos de vida face ao uso indiscriminado de agrotóxico deram o norte para a condução da conferência, que reuniu 289 trabalhadoras e trabalhadoras, dentre eles informais, servidores públicos, estudantes, professores, profissionais de saúde e especialmente quebradeiras de coco, grupo que há anos maneja as palmeiras de babaçu e reivindica melhores condições de trabalho no campo.
Organizações e movimentos sociais que integram a Rede Bico Agroecológico, (que incluem as quebradeiras), participaram da conferência e entregaram às autoridades presentes uma carta denúncia, sinalizando como as quebradeiras de coco, e todos os trabalhadores rurais, são fortemente impactadas pela aplicação de venenos, como o Garlon 480 BR.
Maria Senhora Carvalho, uma das líderes das quebradeiras de coco no Tocantins, foi eleita delegada para a etapa estadual e reforçou o histórico de luta na região e a importância da 4ª Conferência Estadual de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora tocantinenses.
“Desde a época dos grandes conflitos aqui na região já fazíamos reuniões, muitas vezes escondidas, para discutir a saúde da mulher. Não é de graça que hoje, aqui no Bico do Papagaio, estamos atuando na luta de forma organizada, pois trabalhamos assim há décadas, para que finalmente chegássemos nas conferências para discutir a saúde do trabalhador, oferecendo as nossas propostas, do jeito que nós queremos”, destacou a quebradeira.
Os pontos reivindicados pelo grupo Agroecológico na carta-denúncia convergem com as propostas e diretrizes aprovadas pelas pessoas delegadas da conferência. A interrupção da pulverização das áreas de palmeira de babaçu por avião e drone, a inclusão da proibição de aplicação de veneno nas palmeiras vivas em pé, o aumento do percentual de taxação dos impostos para os agrotóxicos e a aprovação pelo Governo Federal do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) são alguns dos pontos destacados no documento.
Para Magna Dias Leite, do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest/TO) e uma das palestrantes da conferência, é através da vigilância popular nos territórios, com participação dos movimentos sociais, que o cenário pode ser modificado e as propostas levantadas pelos participantes da conferência, implementadas.
“Os movimentos sociais precisam ser a voz nos conselhos. Não fazemos nenhuma ação sem a participação social. E para fortalecer mais as ações, realizamos junto com o Ministério Público do Trabalho um projeto em educação popular de saúde do trabalhador para a Região do Bico do Papagaio. O movimento popular dentro de qualquer conselho tem poderes”, destacou.
Rafael Bastos, representante do Programa de Promoção da Saúde, Ambiente e Trabalho (PSAT) da Fiocruz Brasília, também participante da conferência como um dos palestrantes dos eixos temáticos, evidenciou como a desmobilização dos sindicatos desde a reforma trabalhista em 2016 descontinuou também o trabalho dos movimentos sociais, que precisam novamente ocupar os espaços de decisão.
“A participação social na saúde é o povo no poder. Precisamos também garantir o retorno da participação das pessoas nas conferências, dando devolutivas para os conselheiros e conselheiras sobre o que está sendo construído na saúde do povo. É um processo que não para”, destacou o técnico.
Propostas
Implantar o Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CIATOX) no estado do Tocantins, criar o Conselho Regional de Saúde do Trabalhador na Região do Bico do Papagaio e instituir a Política Estadual de Agroecologia com ênfase na proibição de pulverização de veneno via aérea foram algumas das 16 propostas e três diretrizes que o colegiado aprovou durante a Conferência.
Em boa parte, os temas estão voltados para a vigilância em saúde do trabalhador que dialoga verdadeiramente com as demandas do território. Neilton Araújo, conselheiro nacional de saúde que também participou como palestrante na conferência, reforça que a regulamentação do uso de agrotóxicos no país está ligada ao Congresso Nacional, que muitas vezes ignora dados científicos e pesquisas sobre o tema em prol do uso desenfreado de veneno. “Hoje já existem pesquisas suficientes para não aceitar mais desinformação sobre o tema e mesmo assim o Brasil é o país que mais come agrotóxico no mundo”, ponderou.
Para as conselheiras e conselheiros de saúde da Região do Bico do Papagaio, a saúde do trabalhador como direito humano deve transformar o trabalhador como sujeito de direitos.
Após onze anos desde a última conferência de saúde voltada para o tema, a população biquense se mostrou comprometida com a sua própria história ao enfatizar que não se faz saúde sem discutir território.
“Estamos encorajados pois ouvimos as pessoas para transformar as necessidades e as realidades com propostas que venham, de fato, ajudar trabalhadores e trabalhadoras em seus ambientes de trabalho”, finalizou o presidente do Conselho Estadual de Saúde do TO, Raimundo Moraes.
Confira a galeria de fotos da etapa macrorregional de Augustinópolis.
Natália Ribeiro
Conselho Nacional de Saúde





