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CNS reafirma compromisso histórico na defesa dos participantes de pesquisa e alerta para retrocessos no novo decreto
Mesa principal com todas as participantes sentadas olhando para o plenário
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) reafirmou o seu compromisso histórico com a defesa dos participantes de pesquisa e o fortalecimento do controle social na ética em pesquisa com seres humanos, após a publicação do Decreto nº 12.651, de 7 de outubro de 2025, que regulamenta a Lei nº 14.874/2024. O novo decreto regulamenta a criação do Sistema Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos e estabelece a Instância Nacional de Ética em Pesquisa (Inaep), substituindo a estrutura antes coordenada pelo CNS por meio da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep). O debate foi ponto de pauta da 371ª Reunião Ordinária do CNS: do marco histórico à nova regulação, o papel da Conep e o Controle Social.
Questões sobre a inconstitucionalidade da Lei nº 14.874/2024 foram destaque no plenário, com amplo consenso de que a norma representa um retrocesso e ameaça ao sistema nacional de ética em pesquisa. As intervenções destacaram a necessidade de aprofundar a análise jurídica e política em diálogo com o Ministério da Saúde, a fim de compreender os efeitos do decreto e avaliar o alcance das normas infralegais diante do novo cenário. Ficou definido um novo debate com a presença do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, antes da deliberação sobre a atuação do Conselho Nacional de Saúde como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 7875, ajuizada pela Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a constitucionalidade da lei.
A presidenta da SBB, Marisa Palácios, reforçou-se o incentivo para que cada entidade e representação, conforme decisão de suas respectivas diretorias, possa manifestar-se autonomamente nesse processo, em respeito à pluralidade e ao caráter democrático das posições expressas.
A conselheira Francisca Valda destacou o papel do Sistema CEP/Conep e suas contribuições históricas. Com mais de 30 anos de atuação contínua, o CNS destaca que o Sistema CEP/Conep é uma referência internacional na proteção de voluntários e no equilíbrio entre o avanço científico e o respeito aos direitos humanos, sendo reconhecido como referência para muitos países. Desde 1996, a Conep, vinculada ao Conselho, tem sido responsável por coordenar e supervisionar a ética em todas as pesquisas clínicas realizadas no país, com forte participação social e pluralidade de representação, além de atuar no credenciamento e descredenciamento de CEPs de todo o Brasil, a formação de seus membros e a análise de denúncias.
A presidenta do CNS, Fernanda Magano, destacou que apesar dos esforços e da ampla mobilização social durante o processo legislativo, o Conselho reconhece que a lei, aprovada em 2024 e agora regulamentada, reflete uma atitude conservadora do Congresso Nacional, pouco alinhada com os princípios da defesa das políticas públicas e da proteção social. “Seguiremos fazendo o que sempre fizemos: defender vidas, proteger os participantes e fortalecer o controle social como instrumento essencial da democracia e da saúde pública”.
Ao longo das últimas décadas, o sistema Cep/Conep foi alvo de inúmeros ataques, exatamente por colocar a defesa da vida e da dignidade humana acima dos lucros. Sempre houve uma forte atuação do Conselho Nacional de Saúde contra as matérias legislativas elaboradas com foco no enfraquecimento do sistema e sem o devido respeito ético aos participantes de pesquisa, como o Projeto de Lei nº 6007, (antigo PL nº 7082 e PL nº 200) que tramitou em caráter de urgência e resultou na Lei nº 14.874/2024.
Durante a 371ª RO, a secretária de Ciência, Tecnologia e Inovação e do Complexo Econômico-Industrial da Saúde, Fernanda de Negri, destacou que a lei, aprovada pelo Congresso Nacional em abril de 2024 e sancionada pelo Presidente da República em maio do mesmo ano,com alguns vetos e estabelecia prazo de 90 dias para sua regulamentação, cabendo ao Ministério da Saúde definir os detalhes.
"O decreto não pode legislar, então temos limitações. Ele não pode ser contrário ao que está previsto na lei, no máximo, pode detalhar algumas disposições previstas. O que precisamos fazer é detalhar e, eventualmente, aprofundar certas questões já previstas na lei."
Ela reforçou ainda que o decreto não esgota o processo de transição, sendo apenas o primeiro passo, e que muitos detalhes ainda precisam ser regulamentados, tarefa que será conduzida por um grupo de transição coordenado pelo CNS e pela SECTICS.
Ponto críticos ao decreto
Acesso a medicamentos
O Conselho aponta a limitação do acesso pós-estudo a apenas cinco anos, medida considerada um retrocesso em relação às normas anteriores, que asseguravam o fornecimento contínuo do medicamento experimental enquanto houvesse benefício clínico comprovado e ausência de alternativas terapêuticas seguras. O prazo de cinco anos pode deixar pacientes desassistidos, além disso pode significar uma oneração do Sistema Único de Saúde ao repassar o que era de responsabilidade do setor privado à saúde pública. Outra preocupação é em relação ao pós-tratamento nas pesquisas atuais, já que ainda não há uma regra de transição e tampouco definição sobre qual regra seguir.
Riscos para a autonomia do controle social
O Conselho alerta ainda para o fato da nova instância passar a ser subordinada à SECTICS, do Ministério de Saúde, fragilizando a participação social, a autonomia ética e o caráter plural que sempre orientaram o sistema brasileiro.
A nova instância (Inaep) prevê a participação do CNS com seis representantes, número considerado insuficiente em comparação aos demais representantes. Perde-se também a coordenação dos processos de análises éticas que passa a ser coordenada diretamente pelo Poder Executivo.
Mesmo com as mudanças, o CNS afirma que seguirá firme dentro da nova estrutura, atuando com responsabilidade e compromisso público para impedir retrocessos e garantir que os participantes de pesquisa continuem protegidos. O Conselho pretende utilizar esse espaço na Inaep para defender a transparência, a ética e os direitos fundamentais das pessoas envolvidas em pesquisas científicas.
Segundo a análise das coordenadoras atuais da Conep, conselheiras nacionais de saúde Ana Lúcia Paduello e Marcia Bandini, os possíveis efeitos da mudança em curso incluem:
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Menor aderência ao “princípio da precaução” em pesquisas com alto risco ou envolvendo populações vulnerabilizadas, se houver priorização de análise ética técnica-administrativa, sem representação social qualificada.
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Padronização em busca de celeridade de tempos de análise ética que empobreçam a densidade das avaliações.
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Risco de uma instância nacional menos plural e popular, ao exigir experiência de, no mínimo, dez anos de experiência em CEPs e/ou título de doutorado e sem garantir que Representantes de Participantes de Pesquisas (RPPs) possam compor com critérios específicos esse colegiado.
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Sem locus de controle social, pode haver tensionamento na relação com o CNS, entidades representantes de participantes de pesquisa e de direitos humanos, trazendo maior insegurança para pesquisadores e risco de judicialização.
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Processo de análise ética que irá na contramão das melhores práticas internacionais que tem valorizado e expandido a participação social, ao contrário do que se propõe no Brasil, representando um retrocesso.
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Fragilização da independência nas análises dos projetos, aumentando o risco de conflitos de interesses junto ao Poder Executivo.
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Ônus para o Sistema Único de Saúde (SUS) ao limitar o acesso a tratamento pós-ensaios clínicos.
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Fragilização na apuração de denúncias de violação de direitos pelos participantes de pesquisas.
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A grave violação do direito humano é a de incluir pacientes em pesquisa em caso de emergência, sem o consentimento dele.
Para Marcia Bandini, não se trata de ajustes menores no decreto que resolveriam o problema na raiz: "Vamos seguir atuantes e vigilantes para preservar as garantias éticas e o papel autônomo do controle social." Ana Lúcia Paduello destacou que os participantes de pesquisa não devem ser utilizados para justificar o aumento do acesso a medicamentos inovadores, já que o controle social das patologias evidencia que apenas uma pequena parcela dos participantes efetivamente acessa os produtos pesquisados.
"Não se trata de oposição ao avanço científico, mas sim da defesa intransigente da ética, garantindo que somente com a participação expressiva do controle social esse espaço seja protegido", afirmou ao destacar que a atuação da Conep durante a pandemia de Covid-19 exemplificou esse papel essencial, ao impedir pesquisas antiéticas ou potencialmente perigosas. “Apesar do esvaziamento de algumas de suas atribuições, o controle social permanece fundamental, e nós não abriremos mão desse papel, pois nossas vidas não têm preço, têm valor.”
Elisângela Cordeiro
Conselho Nacional de Saúde


