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367ª RO
Migração e saúde pública: por uma política nacional com foco em equidade e acolhimento
Foto: Agência Brasil
A inclusão efetiva de migrantes nas políticas públicas de saúde passa por medidas concretas, como o uso de dados qualificados, a oferta de atenção integral e o respeito à diversidade. Entre as necessidades apontadas para garantir o pleno acesso de migrantes, refugiados e apátridas ao direito à saúde no Brasil, destacam-se o fim das barreiras de documentação, a presença de intérpretes e a formação de profissionais preparados para lidar com as especificidades dessa população.
Esse foi o debate realizado nesta quarta (11/06), durante a 367ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), com o objetivo de chamar a atenção para as demandas cada vez mais urgentes de uma população em crescimento, reflexo do deslocamento forçado motivado em grande parte pelas mudanças climáticas, guerras e conflitos e crises econômicas.
“Não estamos falando de um evento isolado, mas de uma realidade intrínseca à vida e à dignidade humanas”, afirmou Alex Gomes Motta, coordenador da Comissão Intersetorial de Vigilância em Saúde (Civs). Ao destacar a magnitude do tema, ele apresentou dados sobre os fluxos migratórios globais e internos, lembrando que o Brasil abriga mais de 1,6 milhão de migrantes internacionais e registra mais de seis milhões de deslocamentos internos causados por desastres naturais. Motta reforçou que o fenômeno migratório vai muito além das fronteiras físicas, revelando profundas implicações sociais e sanitárias.
Ele ressaltou ainda ser imprescindível que o CNS avance nessa agenda, e sugeriu a criação de um grupo de trabalho específico que aprofunde as discussões e proponha ações concretas. “O que emergiu de forma contundente dessas discussões é que a migração não é apenas uma questão de deslocamento geográfico, mas um processo profundamente interligado à saúde, especialmente à saúde mental”, ressaltou
Fluxos migratórios e impacto na saúde pública
A migração global é impulsionada por diversos fatores, como o envelhecimento populacional em países do norte, a escassez de mão de obra, o aumento das desigualdades e os desastres naturais. Atualmente, mais de 280 milhões de pessoas migraram internacionalmente, incluindo trabalhadores, mulheres, crianças e estudantes. Internamente, mais de 75 milhões foram deslocadas por conflitos e catástrofes, e no Brasil, 4,9 milhões de brasileiros vivem no exterior, enquanto mais de 65 milhões residem fora de seu município de nascimento.
A coordenadora de Saúde Nacional da Organização Internacional para as Migrações (OIM Brasil), Thaís Senra, destacou a importância da atuação conjunta entre Estado, sociedade civil, comunidade acadêmica e setor privado para garantir o direito à saúde da população migrante e refugiada. “A sociedade civil é quem muitas vezes garante os cuidados mais básicos e impulsiona políticas públicas”, afirmou. Ela também ressaltou a necessidade de fortalecer a produção de dados em parceria com universidades, e apontou a relevância da integração socioeconômica quanto na proteção da saúde de trabalhadores migrantes em áreas como frigoríficos e indústrias têxteis.
O Brasil abriga cerca de 2 milhões de migrantes internacionais, incluindo mais de 65 mil refugiados reconhecidos, com destaque para venezuelanos, portugueses, haitianos, bolivianos e argentinos. A composição desses fluxos varia conforme a região: em Roraima, por exemplo, a presença venezuelana é mais expressiva do que a média nacional, enquanto no Rio Grande do Sul há maior concentração de argentinos. Esses movimentos impactam diretamente o sistema de saúde e exigem políticas públicas específicas para garantir acesso e equidade.
Embora o Brasil tenha um sistema de saúde reconhecido internacionalmente, é fundamental incluir essa população nos planos de saúde e ações intersetoriais, com fluxos claros, protocolos adaptados, materiais em diferentes idiomas e presença de mediadores culturais. Grupos específicos, como indígenas migrantes, cujas línguas originais não incluem o português, e brasileiros repatriados ou retornados forçados enfrentam dificuldades ainda maiores, como interrupção de tratamentos e falta de vacinação, exigindo respostas humanizadas e articuladas com políticas públicas.
A representante destacou que, apesar de avanços legais, ainda existem barreiras significativas para o acesso de migrantes e refugiados ao SUS, especialmente ligadas à língua, à documentação e à falta de apropriação da legislação pelos municípios. Também ressaltou a ausência de formação adequada dos profissionais de saúde, o desconhecimento sobre o funcionamento do SUS por parte da população migrante e a persistência de práticas discriminatórias, como racismo e xenofobia no atendimento.
Ela defendeu a importância da formação em saúde intercultural e da presença de agentes interculturais no SUS para garantir um acolhimento digno e efetivo. Segundo a representante, a interculturalidade é essencial para compreender e respeitar as diferenças culturais no cuidado, como ocorre, por exemplo, com populações muçulmanas. Essa perspectiva deve se estender também à educação, uma vez que crianças migrantes muitas vezes são matriculadas, mas não plenamente integradas ao ambiente escolar — realidade que se repete no sistema de saúde.
Interculturalidade no SUS: desafios e urgência na atenção à população migrante
Gilvanda Soares Torres, integrante da Diretoria Nacional do Serviço Pastoral dos Migrantes (SPM), defendeu a inclusão da população migrante nas diretrizes nacionais de saúde. Entre as propostas, destacou a importância da produção de dados por nacionalidade e situação migratória, a criação de protocolos de acolhimento válidos em todo o território nacional e a formação de profissionais sensíveis à diversidade cultural. Também ressaltou a necessidade de tradutores e recursos linguísticos no SUS para garantir um atendimento acessível e humanizado.
“Migrar é um direito, assim como permanecer no território de origem, o que depende da existência de políticas públicas eficazes. A inclusão dos migrantes fortalece o SUS e projeta o Brasil como referência mundial em acolhimento humanizado, reforçando que a migração é um fenômeno antigo, ligado ao direito de sonhar e buscar uma vida melhor, sem que isso implique em violações de direitos.”
Ministério da Saúde discute política de saúde para migrantes
João Roberto Cavalcante, assessor para Assuntos de Migração na Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde (SVSA/MS), parabenizou a iniciativa do CNS em promover o debate e destacou a construção da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Populações Migrantes, Refugiadas e Apátridas.
“A política vem sendo elaborada com a participação ativa do CNS, de organizações da sociedade civil, movimentos sociais e especialistas. O Grupo de Trabalho sobre Migrações (GT Migrações), instituído em 2023, iniciou suas reuniões após a publicação da minuta em junho daquele ano, adotando metodologias baseadas em experiências anteriores, como a Conferência Nacional de Saúde da População Migrante, organizada pela Frente Nacional de Saúde das Populações Migrantes (Fenamp)”, explicou.
O Ministério ressaltou que, embora o Brasil abrigue cerca de 2 milhões de migrantes internacionais — menos de 1% da população —, essas pessoas enfrentam discursos xenofóbicos e barreiras estruturais no acesso à saúde. A pasta destacou a importância de garantir um atendimento humanizado e intercultural, reforçando que migrantes não devem ser associados a riscos epidemiológicos, prática que pode gerar estigmas e ataques. Entre os principais agravos monitorados nessa população estão doenças infecciosas como tuberculose e HIV, além de condições crônicas e transtornos mentais ligados a traumas vividos durante a migração. A política em construção busca enfrentar esses desafios com foco na equidade, formação dos profissionais, e reconhecimento dos direitos dessa população pelo SUS.
Elisângela Cordeiro
Conselho Nacional de Saúde