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Ser Gestor SUS
A integração entre gestão e controle social do SUS no XXXVIII Congresso do Conasems
Foto: Ascom CNS
A construção de um Sistema Único de Saúde (SUS) democrático e eficiente passa, necessariamente, pelo diálogo construtivo entre a gestão pública e o controle social. Essa foi a principal mensagem defendida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) durante o XXXVIII Congresso do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), realizado em Belo Horizonte, de 16 a 18 de junho.
Com o tema “Início de Gestão”, o congresso reuniu gestores municipais, trabalhadores, usuários e lideranças da saúde para discutir o SUS, com destaque para o fortalecimento da participação social e o enfrentamento dos desafios históricos do sistema, como o subfinanciamento, a sobrecarga dos serviços e a necessidade de integração entre os diversos níveis de atenção.
Neste sentido, conselheiras e conselheiros nacionais de saúde integraram a participação do Congresso por meio dos debates promovidos pelo curso “Ser Gestor SUS”. A proposta foi integrar a experiência de secretários municipais, controle social e pesquisadores para debater planejamento, redes e modelos de gestão e de atenção à saúde, neste caso, evidenciando a perspectiva e importância do envolvimento de pessoas usuárias e trabalhadoras do SUS.

Cuidado que começa no território
A presidenta do CNS, Fernanda Magano (que representa a Federação Nacional dos Psicólogos - Fenapsi no conselho) chamou atenção para a necessidade de integração entre os diferentes níveis de atenção e serviços de saúde durante sua participação no “Seminário Modelos de Atenção à Saúde no SUS Municipal: Integração de Serviços, Redes e Estratégias no Território”. Na ocasião, a presidenta defendeu que o cuidado só se concretiza quando há articulação entre Atenção Básica, média e alta complexidade, e quando o usuário é, de fato, ouvido.
“Há uma diferença enorme entre o usuário organizado pelo controle social e aquele que não participa. Precisamos ampliar a comunicação, promover espaços de escuta e fortalecer os Conselhos Municipais e Locais de Saúde, em especial nas Unidades de Saúde”, pontuou Magano.
Outro ponto destacado foi a urgência de redimensionar a força de trabalho do SUS, enfrentando a alta rotatividade de profissionais e os efeitos da terceirização excessiva. “A precarização do trabalho e a falta de diálogo entre gestão, trabalhadores e usuários ampliam os conflitos no cotidiano dos serviços”, explicou.
O planejamento de saúde com participação de trabalhadores também foi outro importante ponto de reflexão, apontado pelo conselheiro nacional de saúde Anselmo Duarte (Federação Interestadual dos Odontologistas), durante sua participação na mesa "A Perspectiva dos Trabalhadores no Planejamento de Saúde", com ênfase na urgência de romper a dicotomia entre quem planeja e quem executa o SUS.
“O planejamento só é transformador quando o trabalhador compreende que o seu cotidiano alimenta os dados e indicadores que estruturam as políticas de saúde”, afirmou. Segundo Duarte, é fundamental institucionalizar o planejamento em todos os níveis de atenção e envolver ativamente os trabalhadores e a população. “O SUS é um modelo de Estado, um direito social previsto na Constituição. Mas fazer democracia dá trabalho. E é com o envolvimento de todos que esse direito se concretiza”, completou.

Regionalização e redes de saúde
A regionalização como um dos princípios doutrinários do SUS foi também abordada pelo curso “Ser Gestor SUS”, a partir da estruturante que organiza a descentralização das ações e serviços de saúde no país e se materializa por meio da organização das Redes de Atenção à Saúde (RAS).
A conselheira nacional de saúde e integrante da Mesa Diretora do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Francisca Valda (Associação Brasileira de Enfermagem - ABEN), reforçou que as RAS promovem a equidade, a integralidade na atenção à saúde, a racionalização e otimização dos recursos.
“A criação de mecanismos de governança e a atuação do Estado, orientadas pela lógica dos interesses coletivos e do SUS no espaço regional devem ser preservadas. A maior parte dos municípios brasileiros são pequenos e não têm condições de oferecer todos os serviços necessários a um atendimento resolutivo e integral à saúde da população”, declarou.
Para Vânia Leite, conselheira nacional de saúde que representa a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a regionalização deve respeitar as diferenças e as especificidades dos territórios. “A regionalização constitui uma estratégia para corrigir as desigualdades no acesso e possíveis fragmentações dos serviços de Saúde por meio da organização funcional do SUS”, finalizou.

Gestão e controle social: aliados, não rivais
O representante da Confederação Nacional das Associações de Moradores (Conam) e integrante da Mesa Diretora do CNS, Getúlio Vargas, reforçou a importância de fortalecer a aliança entre controle social e gestão municipal. “O usuário e o trabalhador, sozinhos, não conseguem implementar as políticas sem o apoio dos gestores. Precisamos construir juntos um SUS que saia do papel e chegue à realidade das pessoas”, defendeu.
Getúlio alertou para os desafios estruturais do sistema, como o subfinanciamento crônico e o agravamento dessa situação após 2016, com cortes federais significativos. Segundo dados apresentados durante o congresso, o orçamento da saúde em 2024 foi impactado por R$ 24,8 bilhões em emendas parlamentares, que muitas vezes desestruturam o planejamento técnico das secretarias municipais.
“Não se trata apenas de gestão, mas de garantir recursos adequados. A judicialização e o uso político do orçamento acabam atropelando o planejamento e prejudicando o atendimento à população”, disse o conselheiro, destacando ainda o papel fundamental das Conferências Municipais de Saúde e da 18ª Conferência Nacional de Saúde como espaços estratégicos para discutir o financiamento e o fortalecimento do SUS.
Nesta mesma perspectiva de aliança entre gestão e controle social, a conselheira nacional Priscila Torres, representante da Biored Brasil no CNS, reforçou que o fortalecimento do SUS passa, obrigatoriamente, pela efetividade dos Conselhos Municipais e Locais de Saúde, com representação paritária e respeito à voz dos usuários. “Ainda enfrentamos interferências políticas que comprometem a autonomia dos conselhos. Precisamos resgatar o protagonismo da população na definição das políticas de saúde”, afirmou.
Ela destacou ainda que o modelo de atenção à saúde deve priorizar o cuidado no território, com foco na Atenção Básica e na promoção da saúde. “Fortalecer a base significa prevenir doenças, reduzir os custos com atendimentos de maior complexidade e garantir acesso qualificado a toda população”, completou.
Com dados da Pesquisa Nacional de Saúde (IBGE, 2023) indicando que cerca de 80% da população brasileira depende exclusivamente do SUS, o debate sobre o fortalecimento da gestão e do controle social ganha ainda mais relevância.
A partir dos debates promovidos entre gestão e controle social durante o XXXVIII Congresso Conasems, fica evidente que a sustentabilidade do SUS depende da superação de desafios históricos como o subfinanciamento, a judicialização excessiva e a precarização do trabalho. Para isso, é imprescindível consolidar a aliança entre gestores, trabalhadores e usuários, transformando os espaços de participação social em instâncias efetivas de decisão e fiscalização.
“Não há SUS fortes sem democracia. E não há democracia plena sem um SUS público, universal e de qualidade. Essa é a luta de todos nós”, finalizou a presidenta Fernanda Magano, em referência ao compromisso do CNS com a defesa da saúde como direito e como pilar da democracia brasileira.
O XXXVIII Congresso do Conasems bateu o recorde de inscritos na história dos congressos da instituição, com um total de 14.197 inscritos, dentre eles, 2.461 secretários de saúde municipais. Os números consagram o evento como o maior congresso da saúde pública do mundo.
Natália Ribeiro da Silva e Cris Cirino
Conselho Nacional de Saúde
