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14ºAbrascão
Quem consegue envelhecer (com saúde) no Brasil?
Foto: Ascom CNS
O envelhecimento populacional é uma realidade estatística no Brasil, mas o direito de envelhecer com dignidade ainda é um privilégio restrito. Durante o 14º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva (Abrascão) e a convite da Fiocruz Brasília, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) participou da mesa “Como se envelhece no Brasil: enfrentamento às iniquidades sociais e territoriais”, onde foi colocada a urgente discussão sobre como a intersecção entre raça, gênero, classe e território define quem vive e quem morre antes de chegar à terceira idade.
O debate ocorre em um momento de transição demográfica acelerada no país. Segundo dados do Censo 2022 do IBGE, a população com 60 anos ou mais no Brasil saltou de 11,3% em 2010 para 15,8% em 2022, totalizando 32,1 milhões de pessoas. No entanto, a mesa destacou que esses números gerais escondem desigualdades históricas. O alerta que a discussão trouxe é enfatico ao evidenciar que, enquanto a indústria vende "antienvelhecimento", homens negros e moradores de periferias ainda lutam pela sobrevivência.

Durante a atividade, foram apresentados dados que desconstroem a ideia de um envelhecimento uniforme e revelam um fosso de até 20 anos na expectativa de vida dependendo do CEP e da cor da pele. Assim, a "geografia da vida e da morte" fica evidente na comparação entre bairros de São Paulo: enquanto um morador do bairro de Alto de Pinheiros, área nobre, tem uma expectativa de vida média de 82 anos, um morador da Cidade Tiradentes, na periferia, vive em média 62 anos. São duas décadas de vida roubadas pela falta de acesso à cidade, saneamento e saúde.
O recorte racial aprofunda ainda mais o abismo. Na cidade do Rio de Janeiro, a diferença na expectativa de vida entre uma mulher branca e um homem negro chega a 18 anos. "Homens negros, no Brasil, muitas vezes não chegam nem à média dos 60 anos", pontuou Alexandre da Silva, secretário nacional dos Direitos da Pessoa Idosa do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), destacando que a iniquidade racial é um fator determinante de mortalidade precoce. “Parte do envelhecimento pode ser explicado pela taxa de fecundidade, mas falando pela perspectiva racial, é preciso encarar o lado negativo da ancestralidade: o que mata é a pobreza, a insegurança, a fome e o racismo”, declarou.
Durante sua fala, a presidenta do CNS, Fernanda Magano, reforçou que a defesa do envelhecimento digno passa, obrigatoriamente, pelo fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) e pelo combate à lógica de mercado. Ela destacou a "falácia dos planos de saúde privados", que exploram financeiramente a terceira idade com mensalidades abusivas e, no momento de maior fragilidade, negam a cobertura necessária. "A centralidade do SUS é o ponto chave. Precisamos combater esses mecanismos e garantir o cuidado integral, especialmente na saúde mental, onde a pauta das demências ainda é permeada de preconceitos", afirmou.

A presidenta destacou também a atuação da Comissão Intersetorial de Atenção à Saúde nos Ciclos de Vida (CIAVSC) do CNS, que tem trabalhado em três eixos basilares voltados à população 60+, como a garantia de acesso a tratamentos que assegurem qualidade de vida sem efeitos colaterais graves de medicações; a criação de mecanismos que garantam bem-estar físico e recomposição da saúde, além da medicalização; e a articulação com a Assistência Social para melhorar as condições das Instituições de Longa Permanência (ILPIs), o lares coletivos para pessoas dessa população.
Outro ponto crucial levantado foi a justiça climática. Fernanda Magano lembrou que os eventos extremos afetam desproporcionalmente os idosos. "Há um caminho sendo construído entre CNS e a Vigilância em Saúde (CIVS) para pensar o clima com o AdaptaSUS. Os efeitos do clima sobre as pessoas idosas precisam avançar no debate político", defendeu.
Para enfrentar o "idadismo" (preconceito contra a idade) estrutural, o CNS defende uma maior participação de pessoas idosas nos espaços de poder. "Na própria formação do controle social, ainda vemos uma série de preconceitos e falta de espaços de inserção. Precisamos garantir que pessoas de todas as faixas etárias estejam nos conselhos locais e municipais", concluiu Magano.
As pessoas envelhecem de maneiras muito diferentes, e as questões de raça, gênero, classe, afeta demais e faz toda a diferença nesse processo. Em consenso, a mesa concluiu que o Brasil não pode focar em políticas públicas focadas apenas na doença e é preciso garantir o "Direito à Cidade" e à sobrevivência plena, combatendo a exclusão digital e o analfabetismo que isolam o idoso, para que a longevidade seja uma conquista de todos, e não apenas de uma elite branca e localizada.
Natália Ribeiro
Conselho Nacional de Saúde