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Acesso à saúde
Nova Política Nacional de Regulação do SUS deve focar na equidade e transparência
Foto: Ascom CNS
O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou a minuta da nova Política Nacional de Regulação do Sistema Único de Saúde (PNR-SUS). O documento foi apreciado por conselheiras e conselheiros nacionais de saúde durante a 373ª Reunião Ordinária do Conselho, realizada nesta quarta-feira (10/12).
A decisão marca um importante avanço na gestão da saúde pública brasileira. A regulação deixa de ser apenas uma "organizadora de filas", baseada em procedimentos clínicos e burocráticos, para se tornar uma ferramenta de gestão do cuidado centrada nas reais necessidades do usuário.
A revisão da PNR-SUS estabelece cinco principais objetivos: promover o acesso equânime e resolutivo, em tempo oportuno, às ações e serviços de saúde; organizar os fluxos assistenciais com base em linhas de cuidado; coibir a iniquidade de acesso entre pessoas e segmentos sociais, reduzindo as desigualdades regionais na atenção especializada; promover a eficiência no uso dos recursos do SUS; e promover a transparência no processo regulatório. Para apresentar o documento, o CNS convidou Débora Spalding, coordenadora-geral de Regulação Assistencial e Controle, e Juliana Francisco, diretora do Departamento de Regulação Assistencial e Controle do Ministério da Saúde.
Segundo dados apresentados pela pasta durante a mesa, ao integrar as bases da Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), foi possível visualizar um passivo de 42 milhões de solicitações de procedimentos pendentes (consultas e cirurgias), oriundas de 92 sistemas diferentes de regulação. O cenário revela que, além do desafio de superar essa fila de espera de solicitações, existem 5.224 municípios brasileiros que usam sistemas de regulação de vagas distintas, o que representa 93,7% de cobertura.
Interoperabilidade e Transparência
O Sistema Nacional de Regulação (SISREG) é o software fornecido pelo DATASUS para fins de regulação e é utilizado atualmente em cerca de 3.000 municípios brasileiros. Um dos maiores desafios apontados é que os sistemas estaduais, e até mesmo os municipais próprios, não "conversam" perfeitamente com o nacional, gerando "filas duplas" ou perda de informação, como apresentado por meio das bases do RNDS.
Para combater isso, a nova política, alinhada ao programa "Mais Acesso a Especialistas" (PMAE), estabelece diretrizes claras, como: a definição de prazos de atendimento de 30 ou 60 dias (a depender da gravidade e da etapa do cuidado); a organização dos fluxos para que o paciente não se perca entre encaminhamentos; e o desenvolvimento de estratégias de contato ativo (via app ou telefone) para reduzir o absenteísmo, que historicamente gira em torno de 30% nas grandes capitais.
Juliana Francisco ressaltou que a regulação é frequentemente vista como a "vilã" do sistema, mas que as filas, na verdade, refletem vazios assistenciais e a desorganização da rede. Para mitigar isso, a nova política reafirma a Atenção Primária à Saúde (APS) como a ordenadora do sistema. O objetivo é aumentar a resolutividade nos postos de saúde, muitas vezes com apoio de telessaúde e matriciamento, para que cheguem à fila da regulação apenas os casos que realmente necessitam de especialista.
"A regulação é vista como vilã, mas na verdade isso reflete um desafio. Ao olharmos para a atenção especializada, vemos vazios ou insuficiências assistenciais. Mesmo quando ainda há oferta adequada, há o desafio da organização desse cuidado em rede, que muitas vezes dificulta a atuação da regulação", declarou a diretora.
Outro ponto importante trazido pela minuta, e considerado como uma vitória para o controle social do SUS, é que a nova portaria será a primeira sobre o tema a incluir indicadores de saúde e determinantes sociais de saúde. Isso significa que o "algoritmo" da fila não será voltado apenas para a gravidade clínica, mas também para a equidade. "Falar de regulação é falar de pessoas, do direito que as pessoas têm à saúde. É falar de pessoas que vão ter suas vidas mexidas para realizar procedimentos", pontuou a conselheira nacional de saúde Elaine Pelaez, representante do Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), reforçando o caráter humanitário da nova medida.
Sob esse mesmo aspecto, a conselheira nacional de saúde Sarlene Moreira, indígena representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), destacou como povos indígenas também enfrentam problemas de acesso no processo de regulação e relatou que há casos de indígenas nas CASAI (Casa de Apoio à Saúde Indígena) que aguardam por um procedimento cirúrgico no SUS há mais de dez anos, tudo isso ainda somado ao preconceito que muitos enfrentam quando chegam finalmente ao serviço de saúde. “Deve-se levar em consideração o atendimento intercultural dentro da média e alta complexidade, porque a realidade ainda é de muita discriminação e preconceito, não só com a população indígena, mas com outras populações também”, relatou.
Encaminhamentos do CNS
Entre os trinta encaminhamentos aprovados pelo pleno do CNS, destaca-se a inclusão de mais critérios que avaliem as condições de vida e vulnerabilidade social para priorizar o acesso, garantindo que a regulação seja uma ferramenta de justiça social.
Essa perspectiva vai ao encontro de outro ponto crucial abordado pelos conselheiros: o absenteísmo. Segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o não comparecimento em consultas e exames especializados no SUS oscilou entre 20% e 30% nas grandes capitais na última década . Em consenso, os participantes alertaram que a responsabilização exclusiva do paciente que não consegue chegar à consulta agendada é uma prática que deve ser combatida.
Para Rodrigo Faleiros, representante do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), é preciso um sistema que dê transparência, que respeite as individualidades e especificidades de cada usuário. “Infelizmente, no SUS, o agendamento da consulta ou procedimento é realizado de acordo com a disponibilidade que existe nas Centrais de Regulação, e muitas vezes esse paciente não consegue, por exemplo, deixar os filhos com outra pessoa para então conseguir chegar à consulta. O pior é que nestes casos o paciente é considerado culpado por não ter conseguido chegar à consulta”, ponderou. Para o conselheiro, o objetivo comum é buscar a mesma estrutura e organização para que de fato o usuário seja central no processo.
O plenário do Conselho propôs ainda outros encaminhamentos, como:
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Implementar um modelo de cuidado centrado na pessoa, garantindo atendimento individualizado e respeito à diversidade social e familiar, por meio da educação permanente ;
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Fortalecer o SUS através da regulação estatal robusta, consolidando a APS como ordenadora do cuidado;
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Ampliar e qualificar o engajamento do controle social por meio do fortalecimento dos conselhos em todos os níveis, garantindo governança e fiscalização;
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Obrigatoriedade da inclusão de indicadores que avaliem os determinantes sociais de saúde no algoritmo de regulação, priorizando não apenas a questão clínica, mas também a equidade;
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Retomar o controle da Atenção Básica e trabalhar na redução da terceirização, garantindo que protocolos e fluxos sejam definidos pela gestão pública, impedindo a influência do lucro privado no acesso.
Para Débora Spalding, apresentar a minuta ao CNS ratifica a importância da transparência e da integração dos usuários no processo. "Falamos aqui de transparência, equidade, empoderamento da participação popular e da APS, e da qualificação da gestão para uma regulação mais apropriada", declarou.
A regulação deve estar articulada ao cuidado integral, a partir da organização das Redes de Atenção à Saúde, garantindo acompanhamento longitudinal e resolutividade. A implementação da PNR-SUS nos territórios será apoiada por meio de um Plano Operativo, a ser pactuado no âmbito tripartite no prazo de até cento e oitenta dias, a contar da data de publicação do documento. Com a nova portaria, a expectativa é que esse esforço deixe de ser uma ação pontual para se tornar uma política de Estado estruturante e perene.
Natália Ribeiro
Conselho Nacional de Saúde