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A Força da Base
Conselhos Locais de Saúde ganham protagonismo no 14º Abrascão como pilares da democracia no SUS
Foto: Ascom CNS
A Campanha Conselhos Locais de Saúde (CLS) chegou ao 14º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva para reforçar como a participação cidadã é essencial para fortalecer a Atenção Primária à Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS). Essa foi a tônica durante a roda de conversa promovida pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) na manhã desta terça-feira (2/12), em Brasília, trazendo luz à urgente necessidade de consolidar a participação social nas Unidades Básicas de Saúde (UBS).
O debate evidenciou que, embora o Brasil possua uma das maiores redes de saúde pública do mundo, a vigilância democrática precisa avançar, por isso a importância da estratégia de conselhos onde a comunidade possa ter espaço para escuta e ação. Segundo dados apresentados durante a roda de conversa, o país conta hoje com cerca de 45 mil Unidades Básicas de Saúde (UBS), onde 16 mil possuem Conselhos Locais constituídos. Isso representa uma cobertura de 36%, um número que o controle social almeja ampliar para garantir que a regionalização da saúde se concretize nos territórios.
O Impulso do Conselho Nacional de Saúde
A retomada dos CLS não é um movimento isolado, mas uma estratégia articulada nacionalmente. Fernanda Magano, presidenta do CNS, destacou o papel decisivo do CNS nesse processo, relembrando durante sua participação na roda de conversa sobre a 17ª Conferência Nacional de Saúde, marco para a assinatura da Resolução n.º 714/2023 pela Ministra da Saúde na ocasião, Nísia Trindade. A resolução serve como um incentivo político e administrativo para a reestruturação desses espaços.

Para apoiar os municípios, o CNS confeccionou uma cartilha instrutiva, oferecendo diretrizes claras para territórios que ainda não possuem conselhos instalados. "É preciso construir uma rede de ações conjuntas, pois os CLS precisam estar em diálogo frequente com os conselhos municipais, para que não tenhamos tensões que sejam meramente disputas de poder", alertou Magano.
Ela citou o exemplo de Mauá (SP), que mantém um calendário de eleições nos conselhos locais unificado e com renovação a cada três anos. A última, realizada em 29 de novembro, “demonstrou que a organização e o monitoramento são viáveis e necessários”, destacou a presidenta. Assim, a perspectiva de respeitar o território e reconhecer as questões in loco e regionais é fundamental para o exercício do CLS, que passa pelo empoderamento desses representantes da base e de um conhecimento maior da perspectiva do direito humano à saúde.
Do Amazonas ao Rio Grande do Sul
A roda de conversa sobre os CLS no Abrascão apresentou um mosaico das realidades em saúde no Brasil, demonstrando como o controle social se adapta às necessidades de cada região. Representantes de conselhos de saúde de Tefé (AM), Porto Alegre (RS) e Brasília (DF), participaram da atividade, onde ficou evidente como é importante o diálogo com o Conselho Municipal/Distrital de Saúde para fortalecer a participação de gestores, trabalhadores e usuários no planejamento a partir das UBSs.
Em Tefé, município localizado a 523 km da capital Manaus (AM), a participação popular venceu barreiras geográficas e políticas. Neurismar de Oliveira, presidenta do Conselho Municipal de Saúde, relatou que o Plano Municipal de Saúde local, que antes ignorava os conselhos locais, foi reaberto e alterado para inserir uma diretriz de orientação para a implantação do modelo. O resultado foi prático e Tefé conseguiu pactuação para instalar conselhos em 100% das 10 UBSs do município, incluindo uma unidade fluvial.
“Estar aqui com vocês nos emociona porque a gente rompe as fronteiras do território para dizer que a sociedade está participando mais. É um levante, e esse novo levante diz que se a população não participar, não haverá validação da política da gestão. Esse é o nosso fortalecimento, é o nosso abraço da região de Tefé e da Amazônia, que abraça o SUS”, destacou Neurismar.
Ana Celina, conselheira de saúde e enfermeira há 18 anos, trouxe a experiência de Porto Alegre (RS), onde a história dos CLS se confunde com a própria criação das unidades de saúde na década de 1980. “Foi luta e resultado de um processo comunitário organizado por uma associação de moradores. Falar do CLS é falar dessa comunidade que lutou pela construção de um posto de saúde na comunidade”, relatou Celina.
Inspirado em modelos de saúde comunitária de Cuba e do Canadá, o conselho local na zona norte da capital gaúcha inovou ao criar uma "ouvidoria local". O que começou como uma caixa de sugestões evoluiu para um espaço semanal de acolhimento e educação permanente, unindo gestores, trabalhadores e usuários para discutir o processo saúde-doença de forma coletiva, rompendo com a bolha da assistência puramente individual.
Desafios e Superação
A trajetória para a implementação dos conselhos nem sempre é pacífica, especialmente quando os interesses políticos e partidários podem se sobrepor aos interesses da saúde coletiva. Keila Formiga, enfermeira que trabalha em Crato (CE), relatou a resistência enfrentada quando o conselho municipal local chegou a proibir o uso do termo "conselho", forçando a adoção do nome "coletivo". A virada de chave ocorreu com a mudança na mesa diretora do conselho municipal e, fundamentalmente, com o respaldo documental fornecido pelo CNS. "A regulamentação agora foi possível graças à agenda de governança e aos documentos produzidos pelo Conselho Nacional", explicou Keila.
Já no Distrito Federal, a conselheira de saúde Ângela Cristina expôs o desafio de mobilizar uma população diversa para participar das reuniões dos conselhos locais. “Temos desde catadores de materiais recicláveis da Estrutural a advogados e residentes médicos”, detalhou. A complexidade de organizar as 277 unidades de saúde do DF exigiu um longo processo de cartografia e a criação de minutas de regulamento, mas os resultados já aparecem em regiões como Ceilândia, com expansão prevista para Taguatinga e Guará.

Para Francisca Valda, conselheira nacional de saúde, a expansão dos CLS é vital para o cumprimento da Lei 8.142/90, que garante a participação da comunidade na gestão do SUS. “A capilaridade dos conselhos locais é o que dá legitimidade e força aos conselhos municipais e estaduais”, destacou. O fortalecimento da Atenção Primária à Saúde no Brasil passa, obrigatoriamente, pelo empoderamento das bases, por isso, estimular a implementação de conselhos locais é vital para garantir a saúde como direito humano em sua plenitude.
Natália Ribeiro
Conselho Nacional de Saúde
