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Democracia é Saúde
CNS celebra 35 anos da Lei 8.142 como marco da participação popular e soberania nacional
Foto: Ascom CNS
Mais do que uma norma jurídica, a Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990 atesta o fim do autoritarismo na saúde pública brasileira e marca a legitimidade da democracia participativa no país. Ao celebrar os 35 anos deste marco legal, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) promoveu um resgate histórico que conectou o legado da 8ª Conferência Nacional de Saúde (8ª CNS) aos desafios atuais de desenvolvimento e soberania nacional.
O Seminário de Celebração dos 35 anos da Lei 8.142/1990, realizado no dia 12 de dezembro, na sede do CNS em Brasília, enfatizou que a construção do Sistema Único de Saúde (SUS) foi, e continua sendo um processo contínuo, nascido da compreensão de que não é possível produzir saúde em uma sociedade sem democracia.
Do Silêncio da Ditadura à Voz das Ruas
Para compreender a magnitude da Lei 8.142, é preciso olhar para o passado. Lúcia Souto, pesquisadora e ativista da reforma sanitária convidada para a primeira mesa, recordou que "democracia é saúde", rememorando os tempos em que a ditadura militar censurava a imprensa para esconder a epidemia de meningite. Naquela época, a cidadania era "regulada" pelo vínculo de trabalho, um modelo excludente e que não cabe mais na sociedade brasileira.
A ruptura com esse modelo elitista e tecnocrata ocorreu na histórica 8ª Conferência Nacional de Saúde, em março de 1986. Diferente das sete anteriores, restritas a técnicos, a 8ª CNS foi uma constituinte popular da saúde, marcada por uma pluralidade inédita: movimentos negros, feministas, povos originários e sindicatos ocuparam o mesmo espaço. "A 8ª CNS foi um gesto fundador. Foi uma ousadia convocar uma conferência com grande participação da sociedade. A saúde não teria resistido às pressões se não fosse essa enorme participação", destacou Lúcia.

A institucionalização do SUS na Constituição de 1988 foi uma vitória da soberania brasileira, nadando contra a maré global do neoliberalismo e das agências internacionais que pregavam apenas uma "cobertura universal" e tentavam aniquilar a ideia de direito universal. Contudo, a batalha legislativa foi árdua. José Agenor, ex-ministro da Saúde, recordou as tensões internas entre o Ministério da Saúde (visto como "sanitarista") e o antigo INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) (visto como "assistencialista"). O setor privado, inclusive, recusou-se a participar da 8ª CNS, organizando um evento paralelo.
O momento crítico ocorreu após a aprovação da Lei 8.080/1990. O governo Collor, recém-eleito, vetou a parte da lei que garantia a participação da sociedade na gestão do sistema. "Houve mobilização nacional e acabou voltando. Aí nasce a Lei 8.142, com toda a regulamentação da participação social no sistema de saúde brasileiro", explicou a palestrante.
Portanto, a Lei 8.142/90 existe hoje porque a sociedade não aceitou ser silenciada, de acordo com os participantes da mesa. Ela consolidou o fundo a fundo e os conselhos de saúde, garantindo que a democracia participativa fosse além da formalidade.
Desenvolvimento, Soberania e Futuro
Olhando para o presente e o futuro, o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, também convidado para abrir as atividades do Seminário, enfatizou que a defesa do SUS deve ser reposicionada como uma agenda estratégica de desenvolvimento econômico. "Nós só vamos conquistar o conjunto dos atores econômicos e políticos quando deixarmos claro que o SUS é decisivo para a inovação tecnológica e a soberania do país", afirmou Padilha.
O ministro alertou para a necessidade de "derrotar o negacionismo" no campo da ciência e da saúde , citando a vacinação como uma ação cultural e política de enfrentamento. Ele também apontou que a comunicação é o novo campo de batalha, onde o controle social precisa disputar narrativas de forma mais organizada.
Outro ponto muito enfatizado pelos participantes refere-se ao legado de 35 anos da Lei e seus impactos nas conferências de saúde. A recente 17ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2023, trouxe inovações vitais, como sua realização no mês de julho, abrindo a possibilidade da incidência direta das diretrizes aprovadas no ciclo orçamentário do país. A forte participação de pessoas delegadas eleitas por meio das Conferências Livres também foi outro ponto importante destacado.
Como lembrado no seminário, lutas históricas como a Reforma Psiquiátrica e a Lei do Sangue (aprovadas apenas em 2001) mostram que a mobilização é constante. Celebrar a Lei 8.142 é reafirmar que, no Brasil, a saúde é indissociável da democracia. Como sintetizou Lúcia Souto: "Quando a gente constrói um projeto coletivo, isso tem uma força impressionante".
Natália Ribeiro
Conselho Nacional de Saúde