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Coletânea Rumo à 5ª CNSTT
Taquara acorda cedo
Taquara acorda cedo. Muito cedo. Antes mesmo de o pão chegar à padaria ou da névoa deixar os morros em paz. É o som do ônibus escolar, da enxada batendo no chão da horta, do motor das motocicletas dos entregadores, das sirenes das ambulâncias que já anunciam o ritmo do dia.
Lá no postinho do bairro Empresa, dona Tereza, técnica de enfermagem há 28 anos, prepara a sala de vacinas. Com um joelho que vive lembrando o quanto o corpo sente o peso dos plantões, ela ajeita a cadeira para que o idoso possa sentar, confere a temperatura da geladeira, confere a própria paciência — que precisa ser renovada todos os dias. “Saúde não é só remédio, meu filho. É respeito também.”
Na beira da estrada, na Padilha, seu Arnaldo carrega madeira desde as sete. Diz que ama o cheiro da serragem, mas confessa baixinho que a coluna anda reclamando. “O médico disse que é esforço demais. Mas quem é que pode parar, né?” A vida em Taquara, como em tantos outros cantos do Brasil, anda de mãos dadas com o trabalho. Só que nem sempre anda de mãos dadas com a saúde.
A professora Helena ensina o alfabeto com o mesmo entusiasmo de quando começou. Mas agora precisa dividir a atenção entre o quadro, os alunos, a ansiedade e as metas. “A gente cuida da educação, mas quem cuida da gente?”
No centro da cidade, passa uma passeata pequena, mas ruidosa. Cartazes coloridos, faixas que dizem "Trabalhador doente não produz", "Saúde é direito, não favor". Uma senhora segura firme o microfone e diz: “A gente precisa falar da exaustão, do assédio, da dor que não aparece em raio-x”. E Taquara escuta.
Escuta também quando o agente comunitário bate à porta para lembrar que o SUS está ali, de jaleco e prancheta, com os pés na terra. É ele quem vê de perto as marcas do cansaço, o braço que não levanta mais, a depressão que ninguém fala. É ele quem entende que cuidar do trabalhador e da trabalhadora é cuidar da cidade.
Na Rádio Taquara, entre uma música e outra, anunciam: “Está chegando a 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora. Hora de participar, de falar, de ser ouvido.” E um ouvinte liga para dizer: “Finalmente alguém vai lembrar que a saúde começa antes do hospital”.
Em Taquara, cada esquina tem uma história de quem trabalha para viver — mas, muitas vezes, vive para trabalhar. É uma cidade que aprende, aos poucos, que dignidade não está só no salário no fim do mês, mas em não ter que escolher entre adoecer em silêncio ou perder o emprego.
A noite cai. Os ônibus voltam cheios. As mãos sujas de graxa, os olhos vermelhos do turno da noite, o uniforme amassado. Mas no meio de tudo isso, há um sonho: que trabalhar não signifique sacrificar a saúde. Que a política pública olhe, de verdade, para quem faz a economia acontecer com o próprio corpo.
Taquara acorda cedo. Mas talvez, agora, esteja começando a despertar.
Conselho Municipal de Saúde de Taquara- Rio Grande do Sul
*A Coletânea “Rumo à 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CNSTT) – Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora como Direito Humano” é uma iniciativa aberta que convida a sociedade a participar da reflexão sobre os desafios da saúde no mundo do trabalho. Trabalhadores, sindicalistas, movimentos sociais, coletivos, Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Cistt), entre outros, podem enviar seus materiais, em diferentes formatos. Veja as orientações para participar.