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Coletânea Rumo à 5ª CNSTT
Saúde é luta: Vigilância Popular em Saúde na construção de redes territoriais de cuidado.
A saúde, especialmente a saúde do trabalhador e da trabalhadora, é mais do que a ausência de doença: é a capacidade de lutar contra todas as formas de opressão que impedem o desenvolvimento pleno da vida. Essa luta cotidiana por condições dignas de existência é parte essencial da afirmação da saúde como um direito humano fundamental. Em tempos de múltiplas crises, sociais, ambientais, econômicas e políticas — que atravessam o mundo do trabalho, torna-se cada vez mais urgente refletir e atuar sobre as formas de vigilância e cuidado à saúde que considerem as reais condições de vida da classe trabalhadora.
A intensificação da precarização do trabalho, os impactos da crise climática e a violência estrutural nas periferias urbanas e nos territórios do campo, florestas e das águas têm produzido situações de adoecimento em escala crescente, com destaque para os sofrimentos mentais relacionados às condições laborais.
A questão da saúde mental no trabalho tornou-se tema recorrente nos diálogos sobre saúde, está, literalmente, na boca do povo. Isso revela uma urgência de que é preciso construir respostas que não fragmentem as dimensões da vida, mas que integrem saúde, ambiente e trabalho a partir dos territórios e das experiências concretas das populações.
Nesse caminho, a Vigilância Popular em Saúde (VPS) emerge como uma prática político-pedagógica enraizada nos territórios e sustentada por uma visão crítica da determinação social do processo saúde-doença. Com base na epidemiologia crítica e na educação popular em saúde, a VPS propõe outra forma de produzir cuidado e conhecimento, na qual os saberes populares e a escuta ativa das comunidades ocupam lugar central. Trata-se de uma vigilância construída desde abaixo, reconhecendo o território como lugar de disputa, conflito e construção de projetos de vida.
A vigilância popular, não é apenas um método de coleta de dados ou monitoramento de agravos por profissionais territorializados. Ela é um instrumento de mobilização e transformação, que considera os múltiplos atravessamentos que afetam a saúde e que são estruturais na sociedade brasileira: a classe, raça, gênero, território e ambiente. O solo, os rios, os corpos e os modos de vida são elementos conectados no processo de determinação da saúde. Por isso, as ações de vigilância devem ser articuladas com práticas intersetoriais, que busquem o cuidado ampliado e a emancipação dos sujeitos.
A construção de redes de cuidado com base territorial é um dos desafios mais importantes da VPS. Essas redes envolvem sujeitos diversos, trabalhadores e trabalhadoras, movimentos populares, comunidades tradicionais, profissionais da saúde, pesquisadores, gestores. Demandam articulação entre linguagens, saberes e formas de organização contra hegemônicas. Nesse processo, a informação não pode ser um privilégio de especialistas, mas deve se tornar ferramenta de luta, apropriada coletivamente pelo povo. Isso exige esforços de tradução, codificação e escuta sensível, respeitando os tempos, culturas e modos de existência das populações.
Reafirmamos, assim, a necessidade de construir uma vigilância em saúde que seja popular, participativa e territorial. Uma vigilância que enfrente as estruturas que adoecem e violentam os trabalhadores e as trabalhadoras. Reconheçam os conflitos ambientais e os impactos do racismo ambiental; que seja enraizada na luta pela vida digna e no direito à saúde. Todas as experiências locais de cuidado e resistência devem ser valorizadas, analisadas e articuladas em redes de solidariedade e ação coletiva.
É nesse sentido que a Vigilância Popular em Saúde pode contribuir para a consolidação de um sistema nacional de vigilância em saúde, ambiente e trabalho, com base territorial e forte participação social. Esse sistema deve reconhecer que é nos territórios onde os determinantes sociais da saúde se expressam e se transformam, a partir deles que deve se organizar o cuidado. O engajamento com o território não é apenas uma estratégia técnica: é uma escolha política e ética, pois reconhece o protagonismo das comunidades e sua capacidade de construir alternativas emancipadoras.
Por fim, destaco a importância de que as ações institucionais de vigilância em saúde no SUS, profundamente articuladas ao saber acadêmico, considerem mais as experiências dos movimentos sociais e organizações populares e suas lutas históricas que são constantemente inviabilizadas, mas seguem presentes nas organizações populares.
Um caminho para isso seria a oferta de disciplinas obrigatórias de Saúde do Trabalhador nos currículos, tendo em vista que a Saúde do Trabalhador é um campo que foi construído historicamente por trabalhadores e seus saberes eram centrais e primordiais para toda e qualquer ação de vigilância.
São essas experiências, construídas por trabalhadores precarizados, mulheres, juventudes periféricas, camponeses, pescadores artesanais, ribeirinhos, quilombolas e indígenas, que são fundamentais para as ações de vigilância. Pessoas que apontam, há tempos, caminhos para enfrentar as injustiças ambientais e sociais que afetam profundamente a saúde coletiva no Brasil. Incorporar essas vozes e práticas à institucionalidade do SUS é um passo fundamental para transformar a vigilância em saúde em um instrumento de defesa da vida, da dignidade e dos direitos de quem trabalha e sustenta esse país. O povo precisa saber, que todo poder emana dele. Cultivemos, semeando a transformação social, sigamos na luta. Venceremos!
Rafael dos Reis Bastos
Consultor técnico - CGSAT/DVSAT/SVSA/MS
*A Coletânea “Rumo à 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CNSTT) – Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora como Direito Humano” é uma iniciativa aberta que convida a sociedade a participar da reflexão sobre os desafios da saúde no mundo do trabalho. Trabalhadores, sindicalistas, movimentos sociais, coletivos, Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), Comissões Intersetoriais de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Cistt), entre outros, podem enviar seus materiais, em diferentes formatos. Veja as orientações para participar.