A Distribuição do Auxílio Emergencial
O Departamento de Avaliação da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação - Sagi do Ministério da Cidadania apresenta análise sobre a alocação dos recursos do Auxílio Emergencial – AE sob a perspectiva de uso.
A pertinência da proteção social do AE se observa mediante dois critérios: o primeiro, que os beneficiários sejam aqueles descritos pela Lei nº 13.982 de 2 de abril de 2020, que instituiu o Auxílio; o segundo, que o destino dos recursos seja majoritariamente para a classe social menos favorecida.
Os beneficiários são acompanhados pelos órgãos de controle, especialmente pela auditoria desenvolvida pelo Departamento de Monitoramento da SAGI, além de demais órgãos federais.
O destino dos recursos, que esta nota do Departamento de Avaliação analisa, é acompanhado mediante os dados fornecidos pelo Departamento de Gestão de Informação - DGI da Sagi.
Os dados entregues pelo DGI foram apresentados em três blocos de público: Bolsa Família, Cadastro Único (CADÚnico) não Bolsa Família e Extra Cadastro - ExtraCAD, este último formado pelas pessoas que se cadastraram pelo aplicativo da Caixa Econômica Federal e não pertenciam ao CADÚnico. Os dois primeiros grupos foram divididos por faixa de renda em decis[1]. O terceiro foi apresentado em faixas de renda diferente daquelas faixas que descrevem os decis, segundo tabela encontrada em Daniel Duque e Bernardo Esteves, “Distribuição de renda no Brasil e o papel dos rendimentos além do trabalho para a desigualdade: uma análise do período 2012-19”, Blog do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE), em 12/06/2020, elaborada a partir de dados da Pnad Anual do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para 2019.
Portanto, o bloco do ExtraCAD teve suas faixas de renda ajustadas às faixas do IBGE.
Os dados do DGI estavam agregados para o País e desagregados por Estados. Todas as apresentações subdivididas por faixas de renda. A tabela das faixas de renda tem a seguinte descrição, aplicada para 2019.
Tabela 1 - Decis de Renda (fonte IBGE)
Decil | Intervalo | Média |
1º decil | 0 a 220 reais | 109 reais |
2º decil | 220 a 363 reais | 294 reais |
3º decil | 363 a 500 reais | 463 reais |
4º decil | 500 a 665 reais | 572 reais |
5º decil | 665 a 860 reais | 747 reais |
6º decil | 860 a 1.000 reais | 950 reais |
7º decil | 1.000 a 1.320 reais | 1.133 reais |
8º decil | 1.320 a 1.760 reais | 1.522 reais |
9º decil | 1.760 a 2.800 reais | 2.184 reais |
10º decil | 2.800 a 116.667 reais | 5.994 reais |
Fonte: Duque, D e Bernardo Esteves: “Distribuição de renda no Brasil e o papel dos rendimentos além do trabalho para a desigualdade: uma análise do período 2012-19”, Blog do IBRE, 12/06/2020, elaborada a partir de dados da PNAD/IBGE.
A renda pré-pandemia dos beneficiários do Cadastro Único são oriundas deste arquivo, enquanto a renda do público ExtraCAD foi levantada pelo aplicativo empregado para a inscrição, com subdivisão distinta daquela apresentada na tabela acima. A adaptação seguiu o critério de proporcionalidade.
Resultados do País para as Cinco Parcelas de Pagamento
A primeira parcela do Auxílio Emergencial foi paga em abril de 2020, denominada P1. As demais parcelas nos meses subsequentes com a mesma denominação em “P”.
O resumo dos resultados agregados (para as cinco parcelas) é:
Tabela 2 - Resultado Agregado das Cinco Parcelas - em âmbito do País
Fonte: Dados do DGI/SAGI/MC e elaboração própria.
Foram gastos R$ 222,2 bilhões de reais no pagamento das cinco parcelas, sendo que 46% dos valores distribuídos recaíram na faixa de renda mais pobre. Praticamente 2/3 dos recursos recaíram nas três primeiras faixas de renda. Ou seja, os valores foram destinados de forma inequívoca à maioria dos menos favorecidos.
Por construção do Auxílio, o valor médio foi de R$ 699,00, que se enquadra no quinto decil de renda. Vale dizer, a distribuição do Auxílio equivaleu à elevação de renda de todos aqueles enquadrados até o quarto decil de renda. O Auxílio Emergencial significou um expressivo instrumento distributivo, devido à estrutura definida para os valores.
Portanto, 2/3 do Auxílio se concentraram nos três primeiros decis de renda, com valor médio de benefício equivalente à renda compatível ao quinto decil. Por esta razão, consubstanciou-se num forte instrumento distributivo.
Tabela 3 - Valor Médio do Auxílio por faixa de Renda
Fonte: Tabelas do DGI/SAGI e elaboração própria
Os dois maiores valores médios de benefícios recaíram nas duas faixas inferiores de renda e reforçam o efeito distributivo, certamente em decorrência de haver mais mães monoparentais nestas faixas. Vale dizer, a definição de maior benefício às mães monoparentais constituiu um instrumento distributivo adicional, que devido à estrutura social, mostra ter sido mais favorável às categorias inferiores de renda.
O Auxílio Emergencial, importante ressaltar, tem objetivo de compensar o abrupto choque negativo de demanda sofrido pela economia nacional, em decorrência da COVID-19, além de prestar assistência às pessoas mais afetadas e em condição social mais tênue. Neste sentido, o Auxílio se justifica pelos argumentos macroeconômicos de impulso keynesiano de demanda equivalente a 3% do PIB, em cinco meses. Estes gastos geram efeitos anticíclicos na demanda agregada, as pessoas beneficiárias disparam gastos que afetam outras pessoas que, da mesma forma, fazem seus gastos que atingem, da mesma maneira, outras pessoas numa dinâmica que multiplica o impulso inicial. Este é o processo do multiplicador que no Brasil está estimado entre 1,5 e 1,7. Portanto, o impacto de R$ 222 bilhões (3,1% do PIB) deve provocar a elevação no ritmo de atividade em cerca de 5 pontos de percentagem do PIB. Este é o principal responsável pelas revisões das estimativas de recessão na economia brasileira que, inicialmente, eram de 9%- 10% no ano, para 5%.
Além deste ponto, o efeito distributivo representa impacto positivo contra a desigualdade social. Portanto, na perspectiva agregada, o programa fica duplamente justificado e, frente ao quadro econômico com baixo dinamismo, a extensão do Auxílio está amparada.
O Efeito nos Estados
O IBGE calcula a renda domiciliar per capita por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (Pnad Contínua). Essas estimativas servem para o rateio do Fundo de Participação dos Estados (FPE), conforme definido pela Lei Complementar nº 143, de julho de 2013.
Tabela 4
A partir destes valores, pode-se analisar o efeito dos pagamentos de Auxílio Emergencial, em termos regionais.
A distribuição dos pagamentos pelos estados tem a seguinte configuração:
Tabela 5
Como o valor do benefício foi estabelecido independentemente da renda domiciliar média, o valor exógeno tende a ter comportamento inverso em relação à renda, por construção. É de se esperar a correlação negativa entre as variáveis pagamento de benefício e renda domiciliar. De fato, a correlação é -0,449. Em outros termos, a divisão do valor do benefício pela renda domiciliar terá resultado decrescente com a renda, uma que o benefício é uma constante per capita, como mostra o gráfico 1.
Gráfico 1
A linha pontilhada é a linha de ajuste estimada pelo aplicativo Excel, cuja equação é apresentada. Se houvesse uma relação funcional, a reta diria quanto deveria ser o valor do benefício (eixo de baixo) para cada valor de renda domiciliar. Assim, a reta serve para indicar como a diferença na estrutura das sociedades regionais implicou a remuneração maior ou menor do que o esperado, caso houvesse a relação funcional.
Os Estados abaixo da reta, pode-se dizer, foram sub-remunerados. Os estados do Nordeste, em sua grande maioria, estão abaixo da reta, quer dizer, o valor médio da parcela de benefício deveria ter sido maior. O caso do Distrito Federal (DF) é excepcional. Renda e benefício elevados. Pela relação funcional, o DF teria que pagar, ou seja, sua parcela teria valor negativo. RJ e SP estão acima da reta (grande número de mães monoparentais), portanto o valor da parcela deveria ser menor, não fosse o desenho do programa.
Em relação ao total dos pagamentos a cada estado, deve-se esperar que o montante varie na relação direta do número de elegíveis. Estados que atraem mão de obra tendem a apresentar maior contingente de elegíveis e, portanto, maior valor de pagamento. O Gráfico 2 mostra isto.
Gráfico 2
O Gráfico 2 estabelece a relação funcional entre renda domiciliar e o pagamento ao estado. Teoricamente, estados com maior renda atrairiam mais mão de obra e, por conseguinte, o número de elegíveis em decorrência do choque negativo de demanda seria maior.
Com a relação positiva entre renda e pagamento, os estados abaixo da linha de tendência são aqueles que teoricamente receberam mais do que seria de se esperar. Isto ocorreu, em grande parte, no Nordeste. Os estados acima da reta deveriam deslizar para a direita e definir um patamar de pagamento maior (por terem maior contingente esperado de mão de obra atingido pela crise).
O descrito acima é conceitual, mas permite avaliar o impacto sobre as regiões. Assim, pode-se argumentar que o desenho do programa e a estrutura da sociedade levaram os estados nordestinos a receberem pagamentos relativamente maiores, em relação ao que se podia esperar caso a relação funcional prevalecesse. O resultado foi, portanto, favorável ao aspecto distributivo regional.
Em termos macroeconômicos, o impacto keynesiano foi relativamente (ao que se esperaria) maior no Nordeste. Efetivamente, importante esclarecer, o impacto foi maior no Sudeste, recebendo 38% do total dos pagamentos. O Nordeste recebeu 33,2% e o Norte, Centro Oeste e Sul receberam respectivamente 10,5%, 6,2% e 11%.
Em conclusão, o impacto de compensação da redução da demanda foi favorável ao Nordeste (acima do que se poderia esperar, caso houvesse uma lógica funcional que associasse renda com atração de mão de obra), enquanto, efetivamente, o maior impacto econômico se deu em favor do Sudeste. Por derradeiro, o programa de apoio econômico, com o instrumento do Auxílio Emergencial, mostrou-se um instrumento com força distributiva, tanto socialmente quanto regionalmente. O problema mais claro do programa é, como amplamente debatido por especialistas, a sustentação fiscal.
[1] Divisão da população em faixas com mesmo número de pessoas em cada uma, a conter 10% em cada, variando das mais pobres às mais ricas da sociedade.