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Entrevista
Prêmio Brasil Sem Fome: Rio Grande do Sul destaca experiência no fortalecimento do Sisan
Foto: MDS / Divulgação
O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) continua a série especial de entrevistas com os vencedores da 1ª edição do Prêmio Brasil Sem Fome. A iniciativa amplia a visibilidade de experiências que transformam realidades e fortalecem o enfrentamento à fome em todo o país. O prêmio reconhece ações que articulam políticas públicas, mobilizam territórios e contribuem diretamente para a garantia da segurança alimentar e nutricional no país.
Entre os ganhadores, o Rio Grande do Sul foi o vencedor na categoria Bom Funcionamento das Instâncias do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que avalia a qualidade da gestão, a articulação institucional e o fortalecimento das estruturas de governança do Sistema. O segundo entrevistado da série é o secretário de Desenvolvimento Social do estado, Beto Fantinel, que também preside a Câmara Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan/RS).
Na conversa, Fantinel compartilha avanços, desafios e aprendizados da experiência gaúcha, reforçando o papel da coordenação federativa e da participação social na construção de políticas públicas eficientes e inclusivas para superar a fome e promover mais dignidade para as famílias brasileiras.
1 – Quais ações ou arranjos de governança contribuíram para o bom funcionamento do Sisan em seu estado/município?
Os dados do Rio Grande do Sul demonstram que o bom funcionamento do Sisan no estado está diretamente relacionado à integração entre governo estadual, federal, municípios e sociedade civil. O crescimento de 5 para 66 municípios aderidos ao Sisan no estado evidencia não apenas expansão numérica, mas um avanço estrutural na implementação da Política de Segurança Alimentar e Nutricional no território, já que a adesão depende de que as instâncias estaduais do Sistema estejam em pleno funcionamento. Com a adesão dos municípios em avanço, colocam-se desafios quanto à adaptação dessa agenda de SAN à realidade das pequenas localidades do estado, algo que poderemos abordar em detalhe mais adiante.
Podemos dizer que a ampliação da participação municipal favorece o fortalecimento da política na ponta e pode qualificar a gestão do Direito Humano à Alimentação Adequada, mas ainda é necessário construir meios para explorar essas oportunidades. Acreditamos que uma interlocução contínua entre equipes municipais e estaduais, o apoio técnico oferecido pelo governo do estado e o compromisso das gestões locais em consolidar o sistema são fatores que temos a nosso favor. É essa integração entre diferentes esferas que permite sustentar a efetividade, a consistência e a expansão das ações.
Cabe destacar, também, o papel do Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional 2024–2027 no fortalecimento do Sisan na esfera estadual. O Plano está alinhado às diretrizes da Política Nacional de SAN e às prioridades da sociedade civil representada no Consea-RS e na Conferência Estadual de SAN. Ele se articula ao Plano Plurianual do estado e reforça, portanto, a coerência entre planejamento e execução das políticas públicas. A confluência entre planejamento plurianual e planejamento de SAN permitiu que a Caisan (RS) integrasse, desde o início, as metas de segurança alimentar ao processo de formulação do PPA, permitindo que a agenda de SAN se veja representada no orçamento público e favorecendo um monitoramento efetivo ao longo de todo o ciclo de gestão das políticas públicas.
2 – Como é feita a integração entre Caisan, Consea e demais órgãos da gestão estadual/municipal?
Existe uma interface permanente entre os órgãos de Estado vinculados à soberania e à segurança alimentar e o Consea (RS), por meio das 16 representações governamentais nesse colegiado. Isso proporciona um espaço de consulta permanente ao Conselho. Por sua vez, a Secretaria-Executiva da Caisan (RS) está em articulação direta com a Secretaria-Executiva do Consea (RS), de modo que ambos os colegiados possam colaborar em atividades que requeiram integração.
Os pontos de máxima articulação entre Consea e Caisan são o período de Conferência Estadual de SAN e os meses subsequentes. Nesse momento, a Caisan (RS) se abre às diretrizes da Conferência e às prioridades do Conselho para, a partir delas, definir os desafios do Plano Estadual de Segurança Alimentar.
Outro aspecto destacável da integração entre os colegiados é sua cooperação permanente na Estratégia Estadual de Fomento dos Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar. Caisan e Consea, juntamente com outros atores, construíram o texto do decreto que criou a Estratégia. Deslocaram-se aos territórios para ouvir as pessoas e incluir suas expectativas no texto da norma. Atualmente, com a Estratégia em funcionamento, o Consea-RS emite avais para o reconhecimento de Pontos Populares de SSAN, enquanto a Caisan (RS) recebe os documentos e homologa os reconhecimentos. Existem, portanto, fluxos administrativos compartilhados entre os colegiados.
3 – Que importância tem a participação social nesse processo?
A participação social tem desempenhado um papel importante na construção e no aprimoramento das políticas de Segurança Alimentar e Nutricional no Rio Grande do Sul. O diálogo permanente entre governo e sociedade civil tem possibilitado avanços estruturantes.
A participação social não tem se limitado às instâncias formais já previstas pelo Sisan. Também foram criados novos espaços de participação destinados a incluir atores que nem sempre têm a oportunidade de incidir na política de SAN. O Sisan (RS) promoveu a criação de um grupo de trabalho, cujos integrantes foram eleitos diretamente, em votação aberta, para construir uma proposta de reconhecimento público dos Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PPSSAN).
4 – Como o estado/município tem garantido o planejamento e o monitoramento das ações de segurança alimentar?
O Estado do Rio Grande do Sul percorreu uma trajetória sinuosa para consolidar sua rotina de planejamento e monitoramento da política de SAN. Os dois primeiros planos estaduais de SAN não contemplavam o período de quatro anos, coincidente com o PPA, e não eram objeto de monitoramento permanente. Essa tendência começou a ser revertida com a formulação do III Plano Estadual de SAN 2024–2027, que contou com forte protagonismo da Caisan (RS) e foi totalmente elaborado pelo corpo técnico de diversas secretarias de estado.
O III Plano de SAN oportunizou que os membros do Pleno Executivo da Caisan (RS) incidissem no planejamento plurianual dentro de suas secretarias, procurando consolidar iniciativas sintonizadas com as prioridades surgidas do Conselho e da Conferência de SAN. Hoje em dia, estamos em fase de monitoramento do Plano. Serão dois relatórios de monitoramento em quatro anos, um parcial e outro geral. O primeiro deve sair no início de 2026. A Secretaria-Executiva da Caisan (RS) elabora os relatórios com auxílio do Pleno Executivo. São utilizados sistemas informatizados que permitem a emissão de relatórios agregados de execução de todas as iniciativas contidas no Plano de SAN.
O desafio, agora, é avaliar, em diálogo com o Consea (RS), como o monitoramento do Plano pode se tornar uma oportunidade de fortalecimento do controle social e de incremento da taxa de execução das ações previstas. Uma coisa é certa: no Rio Grande do Sul, o planejamento é uma peça-chave para o desenvolvimento das funções do Sisan e para a efetivação de políticas públicas relacionadas à SAN.
5 – Quais os maiores desafios enfrentados para consolidar o Sisan e como foram/estão sendo superados?
Até 2024, o maior desafio era desenvolver, na esfera estadual, um processo de planejamento consistente e rearticular os diferentes atores que, dentro da Administração Pública e no controle social, tinham interesse em incidir na agenda deliberativa de SAN e acompanhar seu desenvolvimento. O III Plano SAN respondeu bem a esse desafio e pavimentou o caminho para um monitoramento efetivo da política pública e para a construção paulatina de abordagens intersetoriais.
O foco, agora, recai na participação dos municípios na construção da agenda de SSAN nos territórios. Entre 2022 e 2025, como dizíamos, o estado passou de 7 municípios aderidos ao Sisan para 66, um salto notável, mas que continua aquém de alcançar os 497 municípios gaúchos. O Sisan ainda parece ser mais interessante aos municípios de maior porte, que tendem a se identificar com a agenda contemporânea de SAN no Brasil, centrada na palavra-chave “fome” e com as formas de governança do Sisan, assente em dois colegiados, na pactuação permanente e na participação via conselhos.
No entanto, 90% dos municípios gaúchos são de pequeno porte. Eles nem sempre veem sentido na adesão ao Sistema, porque ela implica esforços administrativos e técnicos percebidos como incompatíveis com os recursos humanos disponíveis e com as expressões organizadas da sociedade civil local, que às vezes nem sequer existem.
O condicionamento do acesso ao PAA à adesão ao Sisan desperta interesse nos municípios de menor porte e com grande população rural; isso explica, em boa medida, sua adesão ao Sistema no RS. No entanto, o desafio, agora, é pensar o que significa fazer Sisan nesses territórios e que benefícios concretos a ativação do Sistema pode trazer para eles — não só em termos orçamentários, mas também de sofisticação administrativa no tocante a problemas candentes nessas localidades, como a pobreza rural, a monocultura agrícola, a pouca diversificação dos canais de abastecimento de alimentos, e a vulnerabilidade a desastres ambientais.
De qualquer forma, dispomos de um Guia de Planejamento Municipal em SAN e de uma cesta de indicadores municipalizados que podem auxiliar no diagnóstico local da situação alimentar. Falta, ainda, explorar os benefícios dessas ferramentas e adaptá-las junto aos municípios de menor porte que ingressam no Sisan.
6 – Como esse reconhecimento ajuda a fortalecer a agenda da segurança alimentar em nível local?
Esse reconhecimento vai muito além de um gesto simbólico: ele indica que a política pública produz resultados quando há método, cooperação, engajamento e prioridades bem definidas e planificadas. O Prêmio Brasil Sem Fome revela o amadurecimento, no Rio Grande do Sul, de um arranjo de governança que articula governo estadual, governo federal, municípios, entidades da sociedade civil e instâncias de participação e controle social.
O reconhecimento fortalece a agenda de Segurança Alimentar no território e legitima as formas de organização, articulação, planejamento e participação desenvolvidas até aqui. Essa legitimidade é reforçada pelo destaque do Rio Grande do Sul na redução da insegurança alimentar grave, que se encontra no menor patamar da série histórica, segundo os dados da PNAD de 2024.
7 – Que lições vocês deixariam para outros gestores que ainda estão estruturando o sistema?
Algumas lições que aprendemos nos últimos três anos de estruturação da Caisan (RS) e de consolidação das funções do Sisan na esfera estadual nos dizem que o planejamento e a participação constituem fatores-chave para a inauguração de uma política de SAN que tenha a possibilidade de ser efetiva.
O planejamento não é um exercício meramente formal que culmina na produção de um documento altamente técnico e de difícil leitura. É uma oportunidade de promover a participação dos servidores públicos na leitura da realidade e na construção de uma agenda intersetorial geradora de compromisso e engajamento.
A formulação do Plano também consolida o caráter propositivo do Conselho e da Conferência de SAN, valorizando, portanto, os esforços de congregação, debate e participação que ali se desenvolvem. Ressalte-se que a participação proporciona ao estado a oportunidade de ser afetado pela criatividade social e pela agudeza do corpo técnico, o que torna a política pública sensível à conjuntura atual e potencialmente atrativa para múltiplos atores. Por fim, o monitoramento do Plano é um veículo para a atualização permanente da atenção dos órgãos públicos no relativo àqueles projetos sob sua incumbência que são importantes para a SAN. Parece, portanto, que participação e planejamento são propulsores importantes da estruturação do Sisan na esfera estadual.
Sobre o Prêmio
O MDS divulgou, em 6 de novembro, o resultado final da 1ª edição do Prêmio Brasil Sem Fome, que reconhece ações inovadoras de estados, municípios e do Distrito Federal e celebra avanços na redução da insegurança alimentar grave. Foram concedidas 40 premiações, avaliadas por uma comissão julgadora composta por especialistas e representantes das instâncias de gestão da Política de Segurança Alimentar e Nutricional. Os ganhadores foram divididos em três categorias principais:
- Redução da Insegurança Alimentar e Nutricional nos estados e no Distrito Federal;
- Bom Funcionamento das Instâncias do Sisan;
- Boas Práticas de Combate à Fome e Promoção da Segurança Alimentar e Nutricional.
O prêmio integra o Plano Brasil Sem Fome e reforça o compromisso com o Direito Humano à Alimentação Adequada, previsto no art. 6º da Constituição e regulamentado pela Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Losan). O MDS planeja, em breve, realizar uma cerimônia oficial de premiação reunindo todas as iniciativas vencedoras.
Saiba quem foram os outros ganhadores
Assessoria de Comunicação - MDS