O DataCuidados é uma iniciativa estratégica da Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), em parceria com a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
O DataCuidados é um painel público interativo de indicadores que permite visualizar e analisar, de forma sistematizada e desagregada, a realidade dos cuidados no Brasil. Trata-se de uma ferramenta voltada à produção de diagnósticos qualificados sobre como o cuidado em suas múltiplas formas está distribuído na sociedade, revelando desigualdades, padrões estruturais e lacunas na oferta de serviços.
O painel conta com mais de 50 indicadores, que subsidiam o planejamento, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Os dados estão organizados em dois eixos de visualização:
- Dimensões da organização social dos cuidados: contexto social, provisão e demanda por cuidados;
- Públicos prioritários definidos pela Lei nº 15.069/2024: crianças e adolescentes, pessoas idosas, pessoas com deficiência, trabalhadoras e trabalhadores do cuidado remunerados ou não.
Os dados são provenientes de fontes oficiais, como pesquisas do IBGE (Censo Demográfico, PNAD Contínua, Pesquisa Nacional de Saúde) e registros administrativos de políticas públicas, como o Censo SUAS, o Censo Escolar e o DATASUS.
As informações podem ser exploradas por recortes territoriais (estados e grandes regiões), por sexo, cor/raça, faixa etária entre outros. Por meio de mapas, gráficos e filtros temáticos, o DataCuidados oferece uma visão detalhada da organização social dos cuidados no país.
A ferramenta está disponibilizada no InfoGOV, uma plataforma de divulgação focada na visualização de dados e levantamento de evidências para a gestão pública. O painel terá seus dados atualizados permanentemente, além de receber novos indicadores em breve.
Aqui você encontra alguns dos dados mais importantes do nosso Painel de Indicadores, o DataCuidados. O DataCuidados apresenta os dados de forma clara e acessível e permite explorá-los de forma detalhada, cruzando diferentes informações, para uma análise completa e personalizada. Aqui trazemos uma amostra didática dos principais indicadores que você poderá encontrar na ferramenta, como o tempo dedicado ao cuidado, a relação entre renda e trabalho doméstico e o acesso a serviços públicos. Vamos começar a navegar?
Você já deve ter pensado em como a organização do tempo é fundamental para podermos fazer caber, nas 24 horas de um dia, tudo aquilo que é importante fazermos. Estudar, trabalhar, encontrar pessoas de quem gostamos, cuidar. Mas você já parou para pensar quanto tempo mulheres e homens dedicam ao trabalho de cuidar da casa, de crianças, de pessoas doentes, com deficiência ou idosas? Será que há diferenças? É isso que o indicador acima permite conhecer: a média de horas semanais que mulheres e homens de 16 anos ou mais de idade dedicam ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado.
Em 2022, as mulheres dedicaram quase o dobro do número de horas semanais dedicadas pelos homens ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado (21,6 horas x 11,8 horas). Como o Brasil não tem uma pesquisa de uso do tempo, que permite uma coleta mais sistemática desta informação, é possível que a realidade seja ainda mais desigual! Isso significa que esta é uma discussão que passa, necessariamente, pela temática da divisão sexual do trabalho de cuidados.
A realidade mudou nas últimas décadas. As famílias tornaram-se menores e mais diversas, tecnologias que permitem liberação do tempo dedicado ao trabalho doméstico têm sido continuamente desenvolvidas, ampliou-se a cobertura de políticas públicas como creches e pré-escolas, e as mulheres consolidaram sua presença no mercado de trabalho. Tais mudanças não foram, contudo, acompanhadas da maior participação dos homens no compartilhamento de responsabilidades em relação ao trabalho doméstico e de cuidados nos domicílios, uma vez que os dados evidenciam uma estabilidade das jornadas masculinas em toda a série histórica disponível. E este é um desafio importante para a Política Nacional de Cuidados!
É importante considerar, também, a interseccionalidade de gênero e raça na análise destas desigualdades. Em 2022, mulheres negras chegaram a dedicar 21 horas semanais ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado, enquanto as mulheres brancas alocavam 19,5 horas semanais (PNADC, 2022). Ao longo do ano, essa diferença equivale a 72,8 horas, ou um pouco mais de uma semana e meia de trabalho adicional para as mulheres negras, considerando a jornada legal de 44 horas semanais de trabalho. Em comparação a homens brancos, as mulheres negras trabalharam um adicional de 505 horas – equivalente a quase onze semanas e meia a mais de trabalho (PNADC, 2022).
Os dados analisados reforçam, portanto, o aspecto estrutural da divisão sexual do trabalho de cuidados, em suas intersecções com a divisão social e racial do trabalho, indicando o desafio a ser enfrentado para a transformação da atual organização social dos cuidados no Brasil.
As mulheres dedicam mais tempo ao trabalho doméstico e de cuidados, como vimos no indicador anterior. Mas quais são os efeitos desta divisão desigual de responsabilidades na vida das mulheres e dos homens?
O indicador que abordamos aqui ajuda a oferecer uma resposta. Em 2022, quase ⅓ das mulheres de 16 anos ou mais alegavam não estar disponíveis para o trabalho remunerado, não poder trabalhar ou não procurar emprego porque possuíam responsabilidades de cuidados (resposta dada por apenas 3,5% dos homens na mesma condição). Esta realidade é ainda mais dramática quando tal responsabilidade envolve crianças pequenas, a exemplo de filhos/as de até três anos. Nessa situação, a indisponibilidade em decorrência de responsabilidade por cuidados alcançava 80% das mulheres e 15% dos homens.
O indicador demonstra as consequências da desigual responsabilização feminina pelos trabalhos de cuidado na trajetória profissional das mulheres. A pobreza de tempo afeta o curso de vida das mulheres, reduzindo as possibilidades de conclusão de trajetórias educacionais, a disponibilidade de tempo para o autocuidado, lazer, trabalho remunerado e participação na vida pública, entre outras várias dimensões da vida. Temos aqui mais um fator crucial da organização social dos cuidados, que deve ser observado pela Política Nacional de Cuidados.
Você já deve desconfiar que a desigualdade não ocorre apenas entre mulheres e homens, mas que, mesmo entre as próprias mulheres, existem desigualdades importantes e que fatores como raça, classe, território, curso de vida e deficiência também são cruciais. Então, como a renda influencia o tempo dedicado ao trabalho doméstico e de cuidados não remunerado?
É o que o gráfico 3 demonstra: há uma correlação entre horas semanais dedicadas ao trabalho doméstico e de cuidados e a renda. Quanto maior a renda das mulheres, menos tempo elas passam realizando tarefas domésticas e de cuidados. O contrário também é verdadeiro: quanto menor a renda, mais tempo as mulheres dedicam ao trabalho doméstico e de cuidado. Assim, enquanto as mulheres com renda de oito salários-mínimos dedicavam 12,7 horas semanais a esse trabalho, as mulheres com renda de até ¼ de salário mínimo dedicavam, em média, 24,6 horas médias semanais. Isso totalizava uma diferença de quase 12 horas por semana. Já para os homens, a renda não influencia de maneira significativa o tempo dedicado ao cuidado e entre os homens de maior e menor renda, as jornadas variavam menos de 2 horas semanais.
O trabalho doméstico remunerado é uma das principais fontes de provisão de cuidados no Brasil. A categoria de trabalhadoras domésticas, contudo, ainda enfrenta altos níveis de precarização e informalidade, cenário que reflete as desigualdades históricas e estruturais e que remete às raízes escravocratas do país.
A falta de acesso à carteira assinada atinge as trabalhadoras domésticas como um todo, com 75% delas sem vínculo de trabalho formalizado. Alguns grupos, contudo, encontram-se ainda mais desprotegidos que outros. É o caso de trabalhadoras negras em comparação às brancas, ou daquelas que residem no Norte e Nordeste, quando comparadas às que vivem nas regiões Sul e Sudeste. É também o caso das trabalhadoras diaristas em comparação às mensalistas. Ainda que, em ambos os casos a proporção de trabalhadoras sem carteira assinada seja superior a 60%, entre as diaristas – aqui definidas como aquelas que atuam em mais de um domicílio com frequência inferior a três vezes na semana em cada um deles – nove de cada dez trabalhadoras não contam com registro em carteira de trabalho. É importante lembrar que as trabalhadoras diaristas, que hoje já correspondem a quase metade do total da categoria, não têm direito à formalização de seus vínculos trabalhistas e sua proteção social acaba passando pela sua contribuição direta à previdência social, como contribuintes individuais ou por meio da categoria de microempreendedoras individuais (MEIs). Ainda assim, apenas 23,6% das diaristas estão atualmente vinculadas à previdência social brasileira – valor que alcança 44% entre as que se declaram como mensalistas (PNADC, 2022).
É por meio da implementação de políticas públicas que será possível avançar na corresponsabilização social (entre as famílias, as comunidades, o Estado e o setor privado) e de gênero entre mulheres e homens) pela provisão de cuidados, diminuindo a sobrecarga das famílias e, dentro delas, das mulheres, com efeitos positivos sobre autonomia econômica feminina, redução da pobreza e da desigualdade, acesso e permanência na educação e no mercado de trabalho, lazer e bem-estar.
Usando as creches como um exemplo de tais políticas, surge a pergunta: quantas crianças frequentam creches? Há desigualdades no acesso?
As creches constituem-se na primeira etapa da educação infantil, abrangendo crianças de zero a três anos, de frequência não obrigatória, e sua oferta é baseada na indissociabilidade do cuidar e do educar. Seu horário de funcionamento pode ser parcial (mínimo de 4 horas diárias) ou integral (mínimo de sete até dez horas diárias).
Embora a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) fosse alcançar 50% de frequência de crianças de 0 a 3 anos em creches até 2024, a cobertura ainda é insuficiente. Conforme o Gráfico 5, em 2022, apenas 36% das crianças dessa faixa etária estavam frequentando creches. Essa realidade, contudo, é atravessada por desigualdades entre as crianças e suas famílias. As diferenças regionais são emblemáticas: no Sudeste, a taxa alcança 43%, enquanto no Norte, menos de 20% das crianças frequentam creches. O que este indicador permite ilustrar é que a oferta de cuidados pelo Estado ainda é insuficiente para promover a corresponsabilização e, ainda, enfrentar as desigualdades regionais no Brasil. Isso aumenta a sobrecarga das famílias, especialmente das mulheres, que são as principais responsáveis pelos cuidados – com um impacto ainda maior sobre as mulheres negras e de baixa renda.
A oferta de serviços como creches e pré-escolas, especialmente com jornada integral, é fundamental para a Política Nacional de Cuidados, ofertando educação e cuidado de qualidade para as crianças e permitindo a mães, pais e responsáveis liberação de tempo para realização de outras atividades. Ganha quem cuida e quem é cuidado.