Conheça o Projeto Regulação Responsiva
O projeto Regulação Responsiva na ANAC
Em busca de uma atuação mais efetiva e de melhores índices de conformidade regulatória, a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) lançou, em agosto de 2020, o Projeto Regulação Responsiva.
A regulação responsiva é uma alternativa ao modelo regulatório baseado essencialmente em punições, conhecido como comando e controle. O comando e controle, quando exclusivamente adotado, encontra limitações, já que não existem incentivos para que o regulado cumpra voluntariamente os requisitos postos pelo regulador. A aplicação de penalidades para todo e qualquer desvios (ainda que pontual) tende a gerar um ônus significativo, tanto para o regulador quanto para o regulado que demostra um histórico de colaboração e comprometimento com os objetivos regulatórios, com potencial redução de incentivos mais amplos para investimentos em inovação e boas práticas que vão além dos mínimos da regulação. A abordagem concentrada em regulação intensiva e abertura automática de processos sancionadores ainda apresenta consequências potenciais como a edição de normativos demasiadamente prescritivos, elevado volume de processos sancionadores e de custos administrativos, pouca liberdade do regulador frente à diversidade de comportamentos dos regulados e baixa efetividade das sanções aplicadas. Por isso, cada vez mais os reguladores, dos mais diversos setores, estão buscando estratégias alinhadas ao modelo de regulação responsiva.
O Projeto propõe, dessa forma, que a ANAC repense o seu atual modelo de regulação para combinar de forma mais efetiva e estratégica as ferramentas de comando e controle com os instrumentos de incentivo positivo, de diálogo setorial e de indução da atuação proativa dos agentes. Busca-se ampliação progressiva de foco no estabelecimento de incentivos, na prevenção e na conformidade regulatória, e não o sancionatório. Com o uso adequado de instrumentos de persuasão e penalidades, espera-se que a regulação da aviação civil se torne mais efetiva com resultados positivos para o ambiente regulado e para a sociedade.
Com a iniciativa, a Agência busca também estimular a adoção de intervenções menos prescritivas para temas de menor risco por exemplo, o uso de selos, premiações e de soluções consensuais.
A ANAC entende que promover um sistema cooperativo é fator fundamental para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento sustentável e seguro do setor. Para isso, é igualmente essencial fortalecer as relações com o regulado, pautadas, sobretudo, no diálogo e na transparência.
Para que o trabalho seja desenvolvido de forma abrangente e estruturada, a equipe do Projeto conta com servidores de todas as unidades da Agência que atuam nos processos de regulamentação, fiscalização e aplicação de providências administrativas. A iniciativa está alinhada ainda ao Plano Estratégico 2020-2026 (clique no link para acessar), que orienta a Agência a construir um modelo de regulação responsivo e inteligente.
Para mais informações sobre o conceito de regulação responsiva veja a síntese abaixo e consulte os materiais de apoio também disponíveis no portal.
A Teoria da Regulação Responsiva
A Teoria da Regulação Responsiva tem origem em estudos acadêmicos realizados durante as décadas de 1970 e 1980 e em debates entre grupos defensores de uma regulação forte da atividade econômica e grupos defensores de modelos estatais menos intervencionistas. Essa reflexão incluiu, ainda, o confronto de ideias entre aqueles que enxergam nas técnicas de persuasão (soluções não punitivas baseadas no convencimento e no diálogo) os mecanismos mais efetivos para incentivar o comportamento adequado dos agentes do mercado e, por outro lado, daqueles que avaliam como mais efetivas as técnicas de dissuasão (ameaças e penalidades severas adotadas para prevenir e coibir ações semelhantes por parte de outros agentes ou a reincidência do mesmo agente).
Como solução para a superação desses debates, a Teoria da Regulação Responsiva propõe que a autoridade estatal adote uma estratégia dinâmica de resposta às condutas dos agentes regulados, por meio da aplicação de instrumentos diversificados de dissuasão e persuasão de acordo com as motivações e o histórico de comportamentos dos agentes. Assim, o modelo considerado mais efetivo de regulação envolveria a combinação de estratégias de regulação mais intensa (por vezes com carga mais prescritiva) com estratégias de autorregulação e corregulação com atuação preponderante dos próprios agentes regulados, a depender do contexto (observados os riscos envolvidos, a maturidade do mercado, os mecanismos de controle disponíveis, as assimetrias de informação presentes, entre diversos outros fatores). No campo do incentivo à conformidade, a Regulação Responsiva propõe que sejam mescladas soluções negociais (ferramentas de enforcement brandas) e medidas mais contundentes (como revogação de autorizações e licenças ou mesmo de provocação da persecução penal dos infratores, quando aplicável).
Como premissas para adoção desse modelo de atuação, caberia ao regulador estabelecer uma estrutura regulatória flexível e adaptativa compatível com os mais diversos contextos observados no segmento regulado, assim como buscar uma ampliação do diálogo e da coleta de informações para que fosse possível ter clareza quanto às estruturas e relações do mercado e às motivações dos agentes nele atuantes.
Regulação Responsiva e Enforcement
O marco teórico mais relevante está na obra "Responsive Regulation - Transcending the Deregulation Debate", de Ian Ayres e John Braithwaite, publicado em 1992. Uma das mais célebres diretrizes da teoria envolve o estabelecimento de uma pirâmide de medidas, que tem em sua base medidas de persuasão, aplicadas como primeira medida à maioria das irregularidades detectadas (base larga da pirâmide), escalando-se a pirâmide rumo às medidas de enforcement cada vez mais impactantes, até a cassação do instrumento que habilita o agente a operar no mercado (topo da pirâmide, reservado a um número reduzido de casos, em que se revelam desígnios claros de não aderir às regras do mercado e riscos mais significativos).
Entre os fundamentos para a adoção de uma estrutura piramidal estão as limitações de cada modelo de resposta estatal.
Com relação às medidas rígidas de dissuasão, alega-se que (i) são custosas para o Estado (que precisa manejar diversos procedimentos administrativos e judiciais para fazer valer as penalidades impostas), (ii) desconsideram o fato de a maior parte dos agentes cumprir voluntariamente as regras estabelecidas pela autoridade, pautada pelo intuito de garantir os padrões mínimos de qualidade e segurança, e (iii) geram naturalmente uma cultura de resistência em razão dos receios de implicarem custos relevantes para os agentes e, com isso, desincentivam a inovação.
Por outro lado, a adoção de medidas puramente de persuasão (i) levaria a um maior índice de infrações diante da falta de receio quanto a possíveis consequências negativas do descumprimento das exigências setoriais e que, como consequência, (ii) acabaria por desencorajar os agentes já exemplares a continuarem investindo no aprimoramento da qualidade e da segurança dos serviços, uma vez que dificilmente teriam vantagem competitiva em relação aos demais agentes (que estariam no movimento de redução cada vez maior dos investimentos em conformidade e, por isso, praticariam preços mais baixos).
Assim, a teoria da Regulação Responsiva prevê a combinação de medidas de persuasão como primeira abordagem (o que não afasta sanções severas de partida, para casos considerados críticos), com escalada para os instrumentos de persuasão nos casos de descumprimento reiterado das regras e de adoção de comportamentos temerários. Em debates mais recentes, a pirâmide de enforcement teve reforço no campo da persuasão, com proposição de medidas de incentivo e reforço positivo aplicáveis às iniciativas de destaque de agentes virtuosos, como medida de encorajamento para que níveis superiores de segurança e qualidade sejam perseguidos, para além do mero compliance. É o que se chama "regulação aspiracional".
Transparência e Controle
Um outro aspecto relevante nessa teoria é que, para que seja possível ao regulador adotar como primeira postura a persuasão, torna-se essencial que tenha à sua disposição ferramentas severas de enforcement que possam ser efetivamente aplicadas em caso de o agente manter-se desviado das regras e ações pactuadas na primeira interação com o regulador. Assim, quanto mais fortes e mais variadas forem as medidas de dissuasão à disposição do regulador (big sticks), maior será a possibilidade de se buscarem soluções persuasivas (speak softly) e maior será sua eficácia na mudança de comportamento dos agentes. Dessa forma, vislumbram-se oportunidades para que o regulador firme parcerias com outras autoridades que possam ter informações mais diretas do mercado e que possam ter instrumentos de dissuasão ainda mais efetivos, o que viria a complementar o poder de resposta estatal e induzir a adesão dos agentes regulados às medidas menos interventivas (e mais baratas) propostas inicialmente pelo regulador.
Por fim, diante da aproximação de regulador e regulados em busca de flexibilidade, cooperação e promoção de soluções negociais, maior seria o risco de captura dos representantes do órgão regulador. Como resposta, a teoria incentiva a adoção de um modelo de "tripartismo" baseado no empoderamento de grupos de interesse público, que dividiriam espaço na arena regulatória com regulador e regulado, em posição autônoma, cumprindo a função não apenas de fiscal da atuação de ambos (regulador e regulado), mas de terceira parte nas negociações e até mesmo detentor do poder de investigação de irregularidades, tanto do regulado quanto do próprio regulador, que poderia ter se omitido em adotar ação responsiva diante de falhas nos agentes regulados. Os autores da teoria reconhecem o caráter teórico do modelo proposto, mas apontam para uma série de vantagens ao se buscar tal ideal transparente e participativo.
Regulação Responsiva na Anac
A Teoria, por sua própria natureza, não traz uma recomendação concreta sobre quais camadas das pirâmides devem ser previstas, como progredir nos patamares, quais canais e estratégias de diálogo implementar, entre outros elementos concretos. Fica o desafio para a ANAC de como estruturar um modelo administrativo que permita uma atuação flexível e adaptativa para resposta eficiente aos diferentes eventos, contextos, históricos e motivações dos agentes da aviação civil.
Para refletir sobre esse desafio foi proposto o Projeto Prioritário “Regulação Responsiva”. A partir da disseminação das boas práticas regulatórias presentes na teoria e do diagnóstico do modelo regulatório atual (incluindo o modelo de dosimetria das penalidades em vigor), a equipe do projeto submeteu à Diretoria propostas de atos e instrumentos internos de integração. Como resultado, foram aprovadas a Resolução nº 761 e a Resolução nº 762 em substituição à atual Resolução nº 472, incluindo novas espécies de sanção, novas regras de dosimetria e fixação de valores de multa, critérios e procedimentos mais detalhados para celebração de acordos e transações administrativas, bem como novas diretrizes para a fiscalização e o diálogo com o setor. Conheça mais detalhes no tópico das novas regras.