Fronteira da Paz: Uma Cidade, Dois Países
A Fronteira da Paz, formada pelas cidades de Santana do Livramento (Brasil) e Rivera (Uruguai), constitui um exemplo singular de integração binacional. Sem barreiras geográficas que as separem, ambas compõem uma conurbação de aproximadamente 185 mil habitantes, que circulam livremente entre os dois lados da fronteira, compartilhando espaços, serviços e oportunidades.
Essa integração é fruto de uma história comum, marcada por cooperação e complementaridade. Desde meados dos anos 1980, com a abertura dos free shops em Rivera, intensificou-se o fluxo de turistas e consumidores entre as cidades. Rivera tornou-se a quarta maior atração turística do Uruguai, enquanto Livramento ocupa a terceira posição no Rio Grande do Sul, impulsionadas pelo comércio, pela gastronomia e pela hospitalidade local.
A convivência diária entre brasileiros e uruguaios é facilitada por práticas informais que refletem a engenhosidade das comunidades locais: bombeiros atuam conjuntamente em emergências, hospitais recebem pacientes de ambos os lados, moedas circulam livremente, e o “portunhol” é amplamente utilizado como idioma comum. Os laços familiares, culturais e econômicos reforçam a percepção de que se trata de “uma cidade, dois países”.
Por esses motivos, é muito difícil precisar o número de cidadãos brasileiros que vivem em Rivera, assim como é também difícil precisar o número dos uruguaios residentes em Santana do Livramento. Além disso, boa parte da população de Rivera e Livramento tem dupla nacionalidade. São conhecidos como “doble chapas”, termo remanescente de uma época em que esses cidadãos com dupla nacionalidade sempre carregavam em seus carros placas uruguaias e brasileiras em seus carros e as trocavam conforme a conveniência ou as circunstâncias.
Geografia, economia e sociedade na fronteira Rivera/Livramento.
O contínuo urbano de Santana do Livramento e Rivera abrange uma área de 102 km², inserida em um território municipal conjunto de mais de 16.300 km². A densidade populacional é baixa (cerca de 11 habitantes por km²), e a população apresenta sinais de envelhecimento, com aumento da faixa etária acima de 65 anos e redução da população jovem.
A economia local é predominantemente voltada ao setor terciário (comércio e serviços), que emprega cerca de 70% da população formalmente ativa. A agropecuária representa 22,5% e a indústria apenas 7,5%. Existem cerca de 11 mil empresas na região, sendo a maioria voltada ao comércio e serviços. O PIB conjunto é estimado em 1,842 bilhões de dólares, com renda média familiar de aproximadamente 846 dólares mensais.
Mais de 90% da população reside em áreas urbanas, com acesso majoritário à água canalizada e coleta de lixo, embora apenas 47% estejam conectados à rede de esgoto. A coleta seletiva de resíduos ainda é incipiente, com iniciativas formais em Rivera e informais em Livramento. A produção anual de resíduos sólidos urbanos é de 54 mil toneladas, sendo 59% matéria orgânica.
Na área da saúde, a expectativa de vida é de 77 anos. O território conta com cinco unidades hospitalares (duas públicas e três privadas), 443 leitos hospitalares, 60 de cuidados intensivos, 411 médicos e 539 enfermeiros. A educação superior está presente em 10 instituições, embora apenas 33% da população tenha concluído o ensino médio ou superior.
A conectividade digital apresenta disparidades: enquanto Rivera possui alta taxa de penetração de banda larga (91,4% fixa e 100% móvel), Santana ainda carece de dados precisos. A mobilidade urbana é limitada pela ausência de transporte coletivo intermunicipal e pela subutilização da infraestrutura ferroviária e aeroportuária.
Desafios e Perspectivas
Apesar dos avanços, persistem desafios importantes: a fragilidade do tecido empresarial, a escassez de empregos formais, a informalidade econômica, a deficiência na gestão de resíduos e esgotos, e a limitação dos serviços públicos. A administração local enfrenta restrições financeiras, com déficit sistemático entre receitas e despesas.
Entretanto, há oportunidades promissoras. A parceria entre as administrações municipais pode servir de modelo para outras regiões do MERCOSUL. O turismo sustentável, a valorização dos produtos locais, a economia circular e o potencial de energias renováveis são vetores de desenvolvimento. A Agenda Urbana da Fronteira da Paz propõe uma estratégia até 2030, com cinco objetivos principais:
- Organização do contínuo urbano;
- Promoção do crescimento econômico e geração de emprego;
- Sustentabilidade ambiental e qualidade de vida;
- Inclusão social e participação cidadã;
- Administração pública próxima e eficiente.
A Fronteira da Paz é, portanto, mais do que um espaço geográfico: é um território de cidadania, solidariedade e inovação. Um exemplo de como a integração pode promover o bem-estar coletivo, respeitando as diferenças e valorizando as semelhanças.