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O risco de recaída na barbárie
A liberdade de imprensa é um dos pilares fundamentais de qualquer sociedade democrática, assegurando que informações cruciais sejam disseminadas sem censura ou represálias. No Brasil, celebramos o Dia do Jornalista no dia 7 de abril, data reconhecida pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) no ano de 1931 em homenagem ao jornalista Giovanni Battista Libero Badaró, personalidade importante na luta pelo fim da monarquia portuguesa e pela independência do Brasil.
Relatório publicado no dia 02 de novembro de 2024 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) denuncia que cerca de 85% dos assassinatos de jornalistas estão fadados à impunidade. De acordo com o documento, foram registrados 162 assassinatos de jornalistas e trabalhadores da imprensa em 2022 e 2023, representando um aumento de 38% em relação aos anos de 2020 e 2021.
Embora os casos de violência contra jornalistas no Brasil tenham registrado uma queda significativa de 51,86% em 2023, passando de 376 ocorrências em 2022 para 181 em 2023, o número ainda é preocupante. Comparado a 2018, quando foram registrados 135 casos, observa-se um aumento de 34,07%. As agressões físicas representaram 22,10% dos casos em 2023, totalizando 40 episódios.
Manifestações de governos que adotam uma postura hostil em relação à imprensa não são fenômeno recente. No entanto, a intensificação de discursos dessa ordem na atualidade gera um efeito intimidador, compromete a liberdade de expressão dos jornalistas e o próprio funcionamento da democracia. Quando líderes e autoridades de Estado fomentam o assédio contra profissionais da imprensa – seja por discursos de ódio, intimidações veladas ou ataques diretos – legitimam práticas abusivas que podem impulsionar a violência moral, institucional e física.
Casos concretos como a remoção de escritórios de tradicionais veículos de informação de repartições públicas e a detenção de pesquisadores, com o confisco de seus equipamentos por críticas realizadas a um Chefe de Estado e de governo, são episódios que evidenciam os desafios contemporâneos à restrição da liberdade de imprensa no atual governo americano.[1]
O precedente é perigoso, na medida em que cria modelos negativos para líderes autocráticos pelo mundo. Há que se estar atento para retóricas dessa espécie, não apenas porque tem o potencial de fragilizar as liberdades e o direito à informação, mas também por poderem alimentar ações de censura e incentivar ataques à democracia.
Ademais as constantes hostilidades sofridas por duas jornalistas que cobriram o 8/1/2023, consubstanciadas, ao que parece, por ações coordenadas de ofensas pessoais, exposição de fotos e dados pessoais e ameaças de violência físicas e de morte são exemplos claros e recentes dos desafios cotidianos enfrentados pelos jornalistas no nosso País.[2] Tudo converge para o risco da recaída na barbárie.
Em conferência “A imprensa e o dever da verdade”, ocorrida em 1920, Rui Barbosa professa sua defesa apaixonada pela imprensa livre. Suas palavras ecoam desde sempre e ainda hoje: “A imprensa é a vista da nação. Por ela é que a nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam, percebe onde lhe alveja, ou nodoam, mede o que lhe cerceiam, ou destroem, vela pelo que lhe interessa, e se acautela do que a ameaça”.[3]
Importantes marcos pavimentaram o caminho para o reconhecimento da liberdade de imprensa como um direito fundamental, tais como o Bill of Rights de 1689, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1776, e os ideais do Iluminismo e da Revolução Francesa. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, prevê a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa, que apesar de compartilharem a essência da livre manifestação, distinguem-se em seus âmbitos de atuação. Enquanto aquela assegura a exposição do pensamento, opiniões e ideias, a liberdade de imprensa, por sua vez, deriva do direito à informação, garante o acesso e a criação de atividades intelectuais, artísticas, sem receio de retaliação governamental.
O Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento das ADIs 7055 e 6792, propostas pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI), respectivamente, reconheceu o assédio judicial como uma ameaça à liberdade de imprensa e estabeleceu que, quando caracterizado, o jornalista ou órgão de imprensa pode requerer a reunião de todas as ações no foro de seu domicílio. Além disso, determinou que a responsabilidade civil de jornalistas ou veículos de comunicação só se configura em casos de dolo ou culpa grave.
A decisão mencionada representa um marco fundamental na proteção da liberdade de imprensa e no fortalecimento da democracia, na medida em que inibe ações que desestimulem a produção de notícias, a livre investigação e a veiculação de opiniões, ao mesmo tempo em que responsabiliza o profissional que faz o mal uso do seu poder de fala, quando deliberadamente expressa opinião que incita à violência, propaga o ódio e dissemina desinformação.
Diante desse panorama, o papel do Observatório da Democracia da AGU é fundamental. Enquanto espaço para a defesa intransigente dos princípios constitucionais, monitora a atuação dos diversos atores - sociedade civil, governos e organizações internacionais – para promover o debate sobre temas essenciais para o fortalecimento da democracia, com atenção especial para aprimorar a legislação para garantir a segurança dos jornalistas e a liberdade de imprensa, desenvolver protocolos eficazes para a proteção dos profissionais da mídia, especialmente em coberturas de risco e conscientizar a população sobre a importância de uma imprensa livre e independente para a manutenção da democracia.
A liberdade de imprensa não é apenas um direito dos jornalistas, mas um alicerce que sustenta a transparência, a justiça e a voz ativa da sociedade. Defendê-la é preservar a essência da democracia.
O enfrentamento de temas sensíveis para as democracias modernas, como biodiversidade, gestão de resíduos, distorções na representatividade política, governabilidade depende significativamente da existência de uma imprensa livre, que possa informar a sociedade de maneira precisa e independente.
Assim, a proteção e o fortalecimento da liberdade de imprensa são fundamentais para que diálogos e compromissos sejam alcançados, garantindo a transparência e a responsabilidade que são pilares das democracias contemporâneas. O caminho é difícil, um labirinto de muitas portas, mas que busca no fio de Ariadne a condução segura ao caminho da justiça.
[1] DA REUTERS. Trump remove escritórios de veículos de imprensa do Pentágono. CNN BRASIL. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/trump-remove-escritorios-de-veiculos-de-imprensa-do-pentagono/. Acesso em 28 de mar. de 2025
[2] https://cbn.globo.com/politica/noticia/2025/03/23/abraji-denuncia-campanha-de-perseguicao-contra-duas-jornalistas-da-folha-de-s-paulo.ghtml. Acesso em 28 de mar. de 2025
[3] BARBOSA, Ruy. A imprensa e o dever da verdade. Brasília: Senado Federal, 2019.Disponível em https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/564683/imprensa.pdf. Acesso em 03/04/2025.