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ARTIGO
O QUE DEMOCRACIA TEM A VER COM O RACISMO?
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Tenho refletido muito sobre democracia como vida boa para todas as pessoas, em respeito à cidadania e à soberania popular, realçando a dignidade nas várias esferas da experiência humana.
A meu ver, democracia é processo de longa duração, que envolve etapas cruciais da plenitude humana, portanto muito mais do que participar de eleições formais periódicas, elas que também são cruciais para a representação fidedigna dos variados grupos sociais, especialmente da população negra.
Parece evidente que não é possível viver bem em uma democracia, cuja estrutura é gregária por excelência, sem igualdade, ética e solidariedade como valores indispensáveis que unem pessoas, instituições e gerações.
É nesse pacto intergeracional, de construção de vida boa para as presentes e futuras gerações, que precisamos falar de racismo. Não só como revelação da injustiça e da violência — tanto individual quanto estrutural — que nega dignidade e direitos com base na cor da pele, origem étnica ou cultural. Ele não é apenas um problema moral, mas também social, histórico e político.
Em qualquer sociedade, o racismo causa desigualdade de oportunidades, sofrimento e exclusão, e por isso deve ser combatido de forma ativa pelas pessoas que amam a democracia.
A democracia é o regime da igualdade, da liberdade, da justiça e da participação sem subalternidades. Em contraponto, o racismo amplia a desigualdade e cria cidadãs e cidadãos de segunda classe.
É o racismo que impede o ideal democrático de igualdade substancial no acesso aos bens fundamentais da vida, dentre eles educação de qualidade, saúde e trabalho decente.
O racismo fragmenta a sociedade, gera desconfiança e impede que o povo se organize em torno de projetos coletivos de justiça social — o que enfraquece a própria cultura democrática.
Revelação gritante do racismo, marcando o mês de luta por consciência negra, vem do Relatório de Transparência Salarial e Critérios remuneratórios do Ministério do Trabalho e Emprego, examinando dados do segundo semestre de 2024 e o primeiro semestre de 2025 extraídos da RAIS – Relação Anual de Informações Social.
Esse documento atesta que a remuneração média das mulheres é de R$ 3.908,76, enquanto dos homens é de R$ 4.958,43. Com o recorte de raça, as mulheres negras recebem 53.3% menos que os homens brancos.
Os números dão contam não só da desigualdade, mas da violência sistêmica e do descumprimento patente da Constituição e das leis brasileiras.
A Lei 14.611, de julho de 2023, preconiza a obrigatoriedade na igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. Noto que não se trata de uma obrigação legal apenas, é imperativo de ética e de justiça, coadjuvando a luta contra a misoginia e o racismo, que, conjugados, fulminam chances das mulheres negras no mundo corporativo.
Nesse mesmo passo é urgente aplicar a Lei da Igualdade Racial, para a partilha de oportunidades no enfrentamento ao racismo na prática, com o financiamento das empresas administradas por pessoas negras, por exemplo.
O empreendedorismo negro deve ser estimulado e financiado porque é eixo de desenvolvimento econômico, que nos permite entrever prosperidade. Como empresária sei bem como são importantes as incubadoras de negócios para acelerar e expandir iniciativas criativas nas comunidades.
O contingente de pessoas negras no Brasil, 56% do total, equivale à populações inteiras de muitos países mundo afora, revelando mais de cento e vinte milhões de possibilidades, de criatividade, confiança no porvir e esperança de comunidades inteiras.
A esperança em ação é a matéria prima dos sonhos.
Eu sonho e acredito num mundo em que todas as pessoas sejam iguais em direitos e obrigações, mas também em chances.
É fundamental falarmos de incentivos fiscais, da capacitação para o gerenciamento de negócios, da distribuição de conhecimento e de informação para espalhar riquezas e chances reais de gerar oportunidade para as pessoas negras.
Vale buscarmos o desenvolvimento de estruturas corporativas e de investimento em comunidades carentes, estimulando empreendedores urbanos, rurais, culturais, do entretenimento, da indústria sustentável, da moda, da beleza, enfim.
Com o apoio de agências governamentais e não governamentais é preciso disseminar meios práticos, recursos, informações e educação para a reparação como um conceito de investimento corporativo. Vale fazer de cada negócio uma causa de transformação para a inclusão e a diversidade.
Uma boa ideia são as plataformas para o empreendedorismo negro, reunindo fornecedores e consumidores no mesmo ambiente, fortalecendo a união e o reconhecimento, mas essencialmente possibilitando acesso ao dinheiro, não só para os microempreendimentos, mas para financiar a atividade empresarial negra, sem reduções.
Se a densidade de uma política pública pode ser medida pelo volume de recursos investidos, é hora de adensar e energizar as linhas de créditos para o empresariado negro.
Ora, se tudo que é nascido de Deus vence, eu tenho fé!
Eu acredito, eu quero estar junto nessa luta pela reparação necessária.