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ARTIGO
Justiça Aberta e Democracia: o Sistema de Justiça como agente de cidadania e transformação social
A democracia contemporânea exige que todas as instituições públicas sejam permeáveis às demandas sociais, transparentes e comprometidas com a equidade. O Judiciário, enquanto Poder de Estado, não é exceção, ainda mais diante do crescente protagonismo que tem assumido para a efetivação de direitos sociais definidos na Constituição, como saúde, educação e habitação.
Nesse contexto, a ideia de Justiça Aberta ganha relevância especial como instrumento de legitimação democrática. Apesar de ser longe de um conceito unívoco, Justiça Aberta pode ser compreendida a partir do conjunto de ideias e atuações públicas em favor de um Sistema de Justiça transparente, centrado no cidadão e que faz uso estratégico de dados, inovação e participação social.
Em recente seminário sobre a Justiça Aberta[1], realizado em 23 de maio passado, no âmbito da Semana do Governo Aberto, foram analisadas distintas acepções de Justiça Aberta identificadas em experiências latino-americanas, buscando-se compreender o grau de abertura do Sistema de Justiça brasileiro diante do fenômeno corrente da ampla judicialização de políticas públicas.
No Dia da Pessoa Profissional da Área Jurídica, reconhecer e debater esse papel é afirmar o compromisso dos agentes que trabalham para o Sistema de Justiça (advogados, juízes, promotores, defensores públicos e agentes da segurança pública) com a justiça social, a democracia e os direitos fundamentais.
Justiça Aberta: breve noção
O conceito de Justiça Aberta emerge como resposta às demandas por maior transparência e democratização do Sistema de Justiça. A verdadeira “descoberta do Judiciário” por que atravessa a sociedade brasileira no pós-Constituição de 1988, atualmente simbolizada pelos mais de 80 milhões de processos que tramitam no país, levaram a sociedade a exigir um Sistema de Justiça mais eficiente e democratizado.
Mas o que se quer mencionar quando se utiliza a expressão Justiça Aberta? Como acima mencionado, longe de ser unívoco, o termo apresenta múltiplas acepções que, embora distintas, convergem para um objetivo comum: aproximar a Justiça dos cidadãos.
A literatura latino-americana identifica seis principais concepções do termo.
A Justiça Aberta como extensão do governo aberto adapta os princípios de transparência, participação e colaboração ao ambiente judicial. Como paradigma institucional, propõe uma ruptura com o modelo tradicional marcado pela opacidade e verticalidade. Como estratégia de legitimação, busca recuperar a confiança pública em sistemas judiciais historicamente questionados. O uso estratégico de dados valoriza informações abertas para decisões baseadas em evidências, enquanto o processo inovador e colaborativo promove governança participativa entre tribunais, sociedade civil e academia. Por fim, a centralidade no usuário redefine práticas judiciais com foco no acesso efetivo, especialmente para grupos vulneráveis.
Essas diferentes ênfases não se excluem mutuamente – ao contrário, se complementam na construção de um sistema judicial mais democrático, transparente e eficiente. Para os profissionais do Direito, compreender essas dimensões é fundamental para participar ativamente dessa transformação, contribuindo para uma justiça verdadeiramente aberta à sociedade a que serve.
Justiça Aberta: uma mudança cultural
Como se vê, a Justiça Aberta propõe a aplicação dos princípios do governo aberto — transparência, participação, prestação de contas e inovação — para transformar o Sistema de Justiça em uma institucionalidade mais justa, acessível e eficaz.
Isso implica criar canais reais de participação, ampliar o acesso à assistência jurídica e tornar as decisões mais claras e compreensíveis. A abordagem é sistêmica: a justiça depende da atuação articulada entre diferentes instituições. Se apenas parte delas adota práticas abertas, o sistema falha em sua missão democrática.
O grande desafio é promover comunicação cidadã e cocriação em estruturas tradicionalmente distantes da população. Não basta traduzir a linguagem jurídica: é preciso escutar, incorporar perspectivas e construir soluções junto com os cidadãos.
Essa transformação enfrenta resistências, pois confronta um modelo fundado na hierarquia e no formalismo – traços historicamente associados à imparcialidade e à autoridade. Propor abertura, diálogo e cocriação é desafiar séculos de cultura institucional.
Neste 11 de agosto, dia em que se comemora a criação de cursos jurídicos no Brasil e se celebra a advocacia como pilar da defesa das liberdades, é tempo de reafirmar o compromisso com uma justiça mais democrática e conectada com os anseios sociais. A Justiça Aberta nos convida a reconstruir pontes entre instituições e cidadãos — e a transformar a cultura jurídica em nome de uma democracia mais viva e inclusiva.
[1] https://www.youtube.com/watch?v=SU_4z09-n64