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A Relevância do Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura: Um Compromisso Ético e Jurídico Contra a Barbárie
O Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura, celebrado em 26 de junho, constitui uma data importante para a afirmação dos valores democráticos, da dignidade humana e da luta global contra práticas que atentam contra os direitos fundamentais. Instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1997, a data remete à entrada em vigor da Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1984.
A tortura, definida internacionalmente como qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos graves, físicos ou mentais, sejam intencionalmente infligidos a uma pessoa com o objetivo de obter informações, punição, intimidação ou discriminação, é categoricamente proibida em qualquer circunstância. A Convenção da ONU, além de criminalizar a prática, impõe aos Estados signatários a obrigação de prevenir, investigar, punir e reparar atos de tortura, tornando inadmissível qualquer justificativa baseada em estado de guerra, ameaça à segurança nacional ou ordem superior.
Na esfera regional, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) tem desempenhado papel central na construção de uma jurisprudência robusta contra a tortura. Casos paradigmáticos como Barrios Altos vs. Peru e Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil reafirmaram que a tortura constitui uma grave violação aos direitos humanos e que os Estados têm o dever de promover a responsabilização dos agentes envolvidos, além de garantir o direito à verdade e à reparação integral às vítimas e seus familiares. A Corte Interamericana tem enfatizado também a obrigação de os Estados latino-americanos ajustarem suas legislações internas para assegurar a imprescritibilidade desses crimes.
No âmbito interno, a Constituição Federal de 1988 consagrou um marco civilizatório ao tratar da tortura com absoluta intolerância. O artigo 5º, inciso XLIII, determina expressamente que a prática da tortura é crime inafiançável, insuscetível de graça ou anistia, além de ser considerado hediondo, com punição severa aos seus autores, mandantes e aqueles que, de qualquer forma, participem ou se omitam diante de sua ocorrência. A Constituição avança ao estabelecer, no inciso III do mesmo artigo, que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Em interpretação convergente, o Supremo Tribunal Federal (STF), guardião máximo da Constituição, tem reafirmado a imprescritibilidade da tortura, considerando-a uma afronta permanente à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF).
A jurisprudência do STF tem evoluído para alinhar-se aos parâmetros internacionais de proteção, reforçando a vedação absoluta da tortura e o caráter de crime contra a humanidade em certas circunstâncias, especialmente quando perpetrada de forma sistemática ou generalizada por agentes estatais.
A relevância do Dia Internacional de Apoio às Vítimas de Tortura reside, portanto, em sua função pedagógica e simbólica. A data convoca a sociedade civil, os órgãos de Estado e a comunidade internacional a uma reflexão contínua sobre os riscos de retrocessos democráticos, a necessidade de políticas públicas efetivas de prevenção e combate à tortura e a promoção da memória e da verdade como instrumentos de justiça e de não-repetição. Celebrar esta data é afirmar o compromisso com a dignidade, a justiça e os direitos humanos.
O luto nos impõe, porém, um momento de honrar nossos mortos com a memória de seus rostos heroicos, de suas vozes silenciadas e de suas trajetórias de resistência. Não foram poucas as vítimas privadas de sua liberdade, de sua dignidade e de suas vidas. O Brasil traz a mancha da prática sistemática da tortura durante o regime militar como instrumento de opressão, passagem sombria de nossa história, cujas vítimas merecem o registro de nossa dor.
E pelos vários anônimos que não puderem ter seus nomes oficialmente reconhecidos, como forma de reparação simbólica, um registro pela memória de Vladimir Herzog, morto em 1975; Luiz Eduardo Merlino, morte em 1971; Manoel Fiel Filho, morto em 1976; Stuart Angel Jones, morto em 1971; Frei Tito de Alencar, preso e torturado aos 24 anos, exilado na França, tirou a própria vida em 1974.
A tortura de mulheres é ainda mais grave, porque marcada pela misoginia e pela violência sexual. Pela memória de todas que foram cruelmente subjugadas o registro para Margarida Maria Alves, morta em 1980; Pauline Philipe Reichstul, morta em 1973, Telma Regina Cordeiro Corrêa, morta em 1974; Walkíria Afonso Costa, morta em data desconhecida; e Zuleika Angel Jones, morta em 1976.[1] São apenas alguns dos 434 mortos e desaparecidos constantes no relatório da Comissão Nacional da Verdade.
A tortura não brota da ira, não nasce da desmedida de um Aquiles, mas da tirania institucionalizada e da escolha deliberada pela violência, pelo silenciamento e pela opressão. Não esquecer para renovar a esperança pela Justiça.
[1] Todos os casos citados constam na relação de perfis de mortos e desaparecidos políticos – 1946-1988 do Relatório da CNV: Volume III - Mortos e Desaparecidos Políticos. Disponível em https://cnv.memoriasreveladas.gov.br/. Acesso em 24/06/2025.