Notícias
Entrevista à imprensa do presidente Lula, após cerimônia de posse do presidente do Uruguai, Yamandú Orsi
Pergunta (TV Record) — Os senhores conversaram sobre a Ucrânia. Como o senhor ouviu a conversa ontem do presidente Trump e do presidente Zelensky?
Presidente Lula – Olha, a primeira coisa que eu conversei com o presidente da Alemanha [Frank-Walter Steinmeier] sobre a situação da Europa, sobre a visão que eles têm do comportamento do Trump [Donald Trump, presidente dos Estados Unidos] com relação ao Zelensky [Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia] e sobre o futuro da guerra da Rússia e da Ucrânia. Há três anos, o Brasil tem dito que era preciso encontrar uma solução de acordo.
Nós fizemos uma proposta de acordo com a China para que o mundo discutisse a possibilidade de acabar com essa guerra. Durante muito tempo, a União Europeia defendia que era preciso conversar só com o Zelensky e não com o Putin [Vladimir Putin, presidente da Rússia]. Agora que o Trump conversou com o Putin, a União Europeia quer que o Zelensky participe.
Eu acho que não tem paz se não houver participação de dois presidentes que estão em conflito. O que é preciso é tomar uma decisão correta, se o mundo quer paz. Eu acho que o mundo precisa de paz.
Ou seja, o mundo precisa resolver o problema da temperatura. E a COP30 está precisando que os países ricos, que não têm mais floresta, ajudem a financiar os países que têm floresta para que a gente mantenha o aquecimento global até um grau e meio. O que eu tenho a dito é que se gastou muito dinheiro nessa guerra, se gastou 2 trilhões e 300 bilhões de dólares com armas, quando na verdade não querem gastar nada para manter os países que têm floresta, mantendo suas florestas em pé. Essa é a primeira coisa.
Sobre a questão do Zelensky, eu, sinceramente, não sou diplomata. Mas eu acho que a diplomacia, desde que o planeta Terra foi criado, desde que a diplomacia foi criada, não se via uma cena tão grotesca, tão desrespeitosa como aquela que aconteceu no Salão Oval da Casa Branca.
Eu, sinceramente, acho que há uma parcela da sociedade que vive do desrespeito aos outros. E não é possível a gente falar em democracia se não há respeito ao outro ser humano.
Acho que o Zelensky foi humilhado. Acho que, na cabeça do Trump, o Zelensky merecia isso. Acho que a União Europeia foi prejudicada com o discurso do Zelensky. E eu disse ao presidente da Alemanha: é bem possível que a Europa fique responsável pela reconstrução da Ucrânia.
É bem possível que a Europa fique responsável pela manutenção da OTAN [Organização do Tratado do Atlântico Norte]. E é bem possível que a Europa seja responsabilizada, sabe, pelo desastre que está acontecendo. Quando, na verdade, não é um problema de nenhum país.
É um problema de irresponsabilidade de gente que não quer discutir a paz e que prefere discutir guerras. Eu espero que, agora, todo mundo tenha aprendido uma lição. Somente a paz, somente a paz é capaz de trazer ao mundo a normalidade e a gente viver com prosperidade e com distribuição de riqueza para o nosso povo.
Pergunta (Jornal El País Uruguai) — Presidente, em que pontos haverá avanço na relação do Brasil com o Uruguai, a partir da assunção do presidente Yamandú Orsi? (em espanhol, no original)
Presidente Lula — Olha, a relação do Brasil com o Uruguai é uma relação de dois países irmãos. Nós temos um carinho muito grande pelo Uruguai. Nós temos uma relação extraordinária com o Uruguai, há muito tempo. Não é de agora, é há muito tempo. Mesmo quando o governo do Uruguai era governo conservador, o Brasil manteve uma relação privilegiada com o Uruguai.
E nós achamos que a eleição da Frente Ampla permitiu que a gente volte a discutir coisas importantes, como o fortalecimento do Mercosul, como a reconstrução da Unasul [União de Nações Sul-Americanas]. Porque o nosso papel é tentar convencer as pessoas de que é preciso formar um bloco forte na América do Sul, de que a gente não pode ficar tentando encontrar saída individual para cada país, porque não existe possibilidade. O mundo está dividido em blocos.
E quem está mais organizado pode mais. Quem está mais organizado vende mais. Veja, o acordo que nós fizemos com a União Europeia não é um acordo qualquer. É um acordo que envolve praticamente 800 milhões de pessoas. É um acordo que envolve trilhões de dólares. E que se esse acordo der certo, se esse acordo crescer, vai beneficiar todos os países da América do Sul e todos os países da Unasul e todos os países do Mercosul e todos os países da União Europeia. É apenas uma questão de nós compreendermos que nós precisamos estar juntos.
Eu tenho uma experiência de vida com a construção da Unasul, que foi o melhor momento político e econômico da América do Sul e da América Latina, desde que nós fomos descobertos há 520 anos atrás. Foi o melhor momento de inclusão social. Foi onde os países cresceram, onde houve distribuição de renda, onde houve política de inclusão social. Então, nós precisamos.
A relação dos países não é uma relação ideológica. A minha relação com o Uruguai não é uma relação pessoal com o Yamandú. A minha relação pessoal não era com o Pepe Mujica [ex-presidente do Uruguai]. A minha relação não era com o Tabaré [Tabaré Vázquez, ex-presidente do Uruguai].
É relação de Estado para Estado. Então, a gente tem que esquecer as convergências e as divergências entre as pessoas e saber que a relação entre Estados é uma coisa mais séria, é uma coisa mais profunda e é uma coisa que não muda, mesmo quando troca de presidente.
A gente não pode ter uma relação de amigo. Ah, eu sou amigo do presidente do Uruguai, então, vai dar tudo certo. Não. A minha relação tem que ser com o Estado chamado Uruguai, porque ela tem que persistir, independente de quem seja o presidente.
E assim vale para todos os países da América do Sul. É isso que eu estou buscando. Acho que a experiência que eu adquiri nesse tempo de Presidência permite conversar com os presidentes mais jovens de que a unidade nossa é uma necessidade para melhorar a vida do povo de todos os países da América do Sul.
Pergunta (Agência Sputnik) — O Uruguai pode ser um bom parceiro para o BRICS, o Uruguai? Pode ser um bom parceiro para o BRICS, o Uruguai? Falou isso com o Orsi? (em espanhol, no original)
Presidente Lula – Veja, eu, na verdade, estou convidando todos esses países que estão aqui, o Uruguai, a Colômbia, o México, para participar do BRICS no Brasil. Porque eu acho que, embora não sejam membros fixos, é importante que esses países participem, porque é o momento de fazer um debate com o mundo inteiro. O BRICS não é uma coisa pequena.
O BRICS tem quase metade da humanidade, tem quase metade do PIB internacional, tem quase metade do comércio internacional, tem dois países muito importantes, que é a China e a Índia, que sozinhos representam quase metade da humanidade. E é importante que a gente, nessa reunião do BRICS, a gente fortaleça de verdade duas coisas importantes: a gente fortaleça o multilateralismo e a gente fortaleça o livre comércio.
Porque se não tiver liberdade de comércio e não tiver multilateralismo, não tem democracia. E as relações desiguais prejudicam os países menores. É isso que nós precisamos fazer na reunião do BRICS.
Fazer um documento sério, uma decisão séria sobre a necessidade de se respeitar o multilateralismo e respeitar o livre comércio, que é o que nós precisamos para as nossas economias crescerem.
Pergunta (TV Canal 10) — Pergunto-lhe sobre a proposta apresentada pelo ex-presidente Mujica sobre acordos bilaterais entre o Brasil e os diversos países da região. Isso vai ser discutido esta tarde. Qual é sua posição a priori? (em espanhol, no original)
Presidente Lula – Eu vou conversar um pouco com o Mujica porque eu tenho que respeitar o estado de saúde do Mujica. Eu, na verdade, vou dar um grande abraço ao Mujica. Eu sei que ele quer falar comigo alguma coisa. Eu vou ouvi-lo e sempre que o Mujica fala, eu respeito muito, porque o Mujica é uma daquelas pessoas que estão acima da média dos seres humanos.
Ele é melhor acima da média. Ele é compreensivo acima da média. Ele é um companheiro, sabe, resistente acima da média. Então, eu tenho um profundo, um profundo amor pelo Mujica. Não é nem amizade, é amor. Eu tenho um profundo respeito pelo Mujica. Eu sei o que ele fez aqui no Uruguai. Eu sei o que ele tenta fazer no mundo. Eu sei o que ele pensa para a juventude.
Então, o Mujica, sabe, não é um parceiro. O Mujica é um companheiro que eu carrego aqui no fundo do meu coração, sabe, em qualquer momento da história. Eu, sinceramente, acho que se o mundo tivesse mais homens da qualidade do Mujica, o mundo seria muito mais amoroso, muito mais fraterno do que esse negacionismo que nós estamos vivendo hoje.