Notícias
Discurso do Presidente José Sarney na abertura da VI Reunião Ministerial sobre meio ambiente na América Latina e Caribe - Brasília, DF, 30/3/1989
É com um sentimento profundo de fraternidade, que une cada vez mais nossos povos, que presido a sessão inaugural da VI Reunião Ministerial sobre o Meio Ambiente na América Latina e no Caribe, promovida sob os auspícios das Nações Unidas para o meio ambiente e do governo brasileiro. Inicialmente, expresso o reconhecimento do Brasil e creio interpretar o sentimento de todos os países aqui representados, pelo trabalho dinâmico e construtivo que o programa vem desenvolvendo sob a direção do Dr. Mostafa Tolba, que infelizmente não pôde estar aqui presente. Registro, também, com muito agrado a presença do meu caro amigo Dr. Enrique Iglesias, Presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, que com talento e criatividade tanto se tem destacado em funções oficiais de seu país quanto em organizações internacionais. Os problemas ambientais constituem hoje em dia um dos temas centrais da agenda internacional e será sem dúvida o tema mais apaixonante do futuro. Porque ele diz respeito à sobrevivência do homem na face da Terra. De repente o homem, que julgava os nossos recursos naturais inesgotáveis e a Terra inatingível pela morte, percebe que o mundo está ameaçado por níveis crescentes de degradação da natureza, através da degradação da atmosfera, dos solos, dos rios e oceanos, e que é preciso mobilizar recursos nacionais e internacionais para enfrentar estes problemas em suas diversas manifestações. A indagação que fazemos é: como percorremos esse caminho?
Quem destruiu a capa vegetal do planeta? Quem criou e desenvolveu a civilização dos gases? Quem, à custa de padrões crescentes de bem-estar, dilapidou os recursos naturais? Nessa alucinada trajetória, coube aos países subdesenvolvidos contribuir com a mais trágica das poluições, a poluição da pobreza e todas as formas de exploração de que foram vítimas os povos ao longo dos séculos, com a poluição colonial, escravizadora, desumana e cruel. Desde a Conferência de Estocolmo, de 1972, têm-se sucedido iniciativas tendentes a organizar e aperfeiçoar a cooperação internacional para a preservação do meio ambiente. O Brasil, juntamente com os demais países da América Latina e do Caribe, tem dado para tanto uma contribuição que não hesito em qualificar de muito positiva.
Em matéria ambiental, como de resto em todas as principais questões internacionais, é preciso não perder de vista as diferenciações que separam o núcleo de países desenvolvidos da maioria das nações ainda submetidas a carências fundamentais. Não podemos afastar a conexão profunda dos problemas ecológicos com a injusta ordem econômica e social do mundo. Para uma grande parcela da humanidade, é o subdesenvolvimento que está na própria raiz dos problemas.
Pobreza e degradação do ambiente físico constituem elementos de um círculo vicioso que condena milhões de pessoas a viverem em condições incompatíveis com a dignidade humana. Os principais obstáculos à solução da questão ambiental residem na iniqüidade das terríveis desigualdades existentes, no fosso entre ricos e pobres, na deterioração dos termos de. troca, no crescente protecionismo dos países industrializados e no insuportável peso da dívida externa, que transformou os países em desenvolvimento em exportadores líquidos de capital. O ponto crucial dos esforços de cooperação internacional para a proteção e melhoria do meio ambiente deve, pois, residir precisamente na criação de um ambiente econômico internacional capaz de promover a erradicação do desemprego e da pobreza, e não de perpetuá-los. Por sua vez, a adoção, pelas instituições financeiras internacionais, de novas formas de condicionalidades para a concessão de créditos aos nossos países compromete os esforços nacionais de desenvolvimento e implica, na prática, uma redução de recursos, em detrimento da própria causa ambiental.
É de esperar, ao contrário, um enfoque positivo, em que a ação dos organismos internacionais privilegie a adicionalidade de recursos, em termos de concessões, para o financiamento de projetos de proteção ambiental. Ademais, como parte essencial do esforço de cooperação internacional, devem ser asseguradas aos países em desenvolvimento condições de livre acesso, sem custo comercial, a novas tecnologias para a conservação do meio ambiente. A legítima preocupação ambiental, de inspiração tão nobre, não pode ser colocada a serviço de interesses comerciais, que pretendem fazer da proteção ambiental apenas uma nova e rendosa fonte de lucros.
Nem para retrocessos históricos, numa volta ao tempo das intervenções, de um novo sistema colonizador a ser determinado por organismos supranacionais. O Brasil está ciente da gravidade dos problemas ambientais e não poupará esforços no sentido de conciliar seus imperativos de desenvolvimento econômico e social com os objetivos de proteção de seu meio ambiente. Decidido a prevenir e corrigir a deterioração ambiental em seu próprio território, o Brasil preocupa-se com o estado do meio ambiente em larga escala. Estamos convencidos de que a gravidade dos problemas ambientais com que o mundo hoje se depara decorre principalmente dos padrões de industrialização e consumo nos países desenvolvidos. Esta é a origem da exaustão acelerada dos recursos naturais do planeta e da emissão cada vez mais importante, em termos absolutos e relativos, de elementos poluentes na atmosfera. Conforme começa a ser universalmente reconhecido, é sobre os países industrializados que recai a responsabilidade primordial pela reversão do processo de degradação ambiental. São esses países que dispõem não apenas de maiores recursos, mas de possibilidades efetivas de diminuir substancialmente a emissão de elementos poluentes na atmosfera, seja mediante a redução do consumo supérfluo e irracional de combustíveis fósseis, seja mediante o desenvolvimento de fontes alternativas de energia. A industrialização e a integração de novas áreas à economia dos países em desenvolvimento, na verdade, respondem em irrelevantes porções, porções marginais mesmo, pelos atuais níveis de poluição da atmosfera.
Preocupa-nos sobremaneira o depósito indiscriminado de resíduos tóxicos na natureza e as tentativas de transferir esses resíduos para o território dos países em desenvolvimento. Essas tentativas foram objeto de firme condenação por ocasião da primeira reunião de Estados da Zona de Paz e de Cooperação do Atlântico Sul, realizada no Rio de Janeiro em julho do ano passado. Do debate internacional sobre as questões ambientais, não pode ainda omitir-se a constatação da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o desenvolvimento de que a existência de enormes arsenais de armamento nuclear e de outros meios de destruição em massa constitui a principal ameaça à preservação do meio ambiente e à sobrevivência da espécie humana. É, por outra parte, preocupante que o debate internacional sobre meio ambiente se esteja processando com certa dose de emocionalismo, o que tende a desvirtuar o sentido e a direção que deve assumir a cooperação internacional para o equacionamento dos problemas. O tom emocional do debate assume por vezes caráter acusatório, maniqueísta e demagógico, que em nada serve à promoção da causa ambiental.
A persuasão cede passo a tentativas de intimidação, a ameaças explícitas ou veladas, que pretendem até mesmo questionar o princípio da soberania dos Estados, na tentativa de submetê-los a condicionalidades inteiramente inaceitáveis. Ora, como todos os países latino-americanos e caribenhos aqui representados, o Brasil formou sua nacionalidade através da emancipação do jugo colonial. Para nossos povos, soberania e liberdade são valores absolutos e irrenunciáveis. Como País independente e soberano, o Brasil privilegia e promove a cooperação, como instrumento fundamental de seu relacionamento internacional. Não podemos aceitar mecanismos de imposição da vontade dos mais fortes sobre os mais fracos, dos mais ricos sobre os mais pobres, dos mais desenvolvidos sobre os menos avançados. A autodeterminação dos povos e a igualdade soberana dos Estados são dois princípios capitais da Carta das Nações Unidas. Sob a égide do primeiro desencadeou-se o processo de descolonização — infelizmente ainda inconcluso — que sucedeu à última guerra mundial. E a intocabilidade do segundo constitui a melhor garantia de que esse processo não será revertido.
Senhores Ministros, Senhores Delegados,
O Brasil nunca descuidou do problema ambiental e constantemente vem atualizando procedimentos e tomando novas iniciativas. Agora mesmo lançamos um novo programa, denominado «Nossa Natureza».
Ele representa um novo e grande esforço para atualizar o diagnóstico da situação ambiental e propõe um elenco de recomendações que emanaram dos seis grupos de trabalho instituídos por ocasião do lançamento do programa. As recomendações apontam para a urgência de um amplo leque de medidas; a elaboração de um plano nacional de meio ambiente, que subsidiará o Plano Plurianual de Governo; a reestruturação do sistema governamental de controle e preservação do meio ambiente; a criação de novas reservas florestais e áreas indígenas; a revisão, ordenamento e agilização da legislação ambiental brasileira, inclusive quanto ao uso de substâncias químicas e processos de mineração; a ampliação do zoneamento ecológico, particularmente na área amazônica; a revisão e o disciplinamento da aplicação de incentivos fiscais, créditos oficiais e incentivos públicos na Amazônia. Serão adotadas, ainda, medidas complementares de apoio à execução do programa, tais como a agilização da execução da reforma agrária no País; a intensificação da ocupação econômica na região Centro-Oeste; a formulação de um programa integrado de apoio à dinamização da justiça e da segurança pública na Amazônia; o estudo da viabilidade de uma estrutura unificada de monitoramento territorial; e o estudo da viabilidade de formação de um fundo para canalizar recursos internos e externos, que vierem a ser aduzidos a projetos de proteção do meio ambiente. Por ocasião da última Sessão da Assembléia-Geral das Nações Unidas, o Brasil teve a oportunidade de oferecer-se para sediar a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que deverá realizar-se no contexto da comemoração do 20? aniversário da histórica Conferência de Estocolmo. A conferência deverá representar um marco efetivo de promoção da cooperação internacional para a proteção do meio ambiente. O Brasil espera merecer o apoio de todos os países latino-americanos e caribenhos, representados nesta reunião ministerial, a fim de que o seu oferecimento encontre acolhida favorável no âmbito das Nações Unidas e a conferência possa ser realizada em nossa região. Desejaria finalmente assinalar o esforço que os oito países amazônicos estão empreendendo para promover o desenvolvimento harmônico de seu rico patrimônio natural.
A declaração de São Francisco de Quito, adotada há apenas três semanas em reunião ministerial do Tratado de Cooperação Amazônica, inclui um importante capítulo sobre a proteção ambiental. Ao rechaçar inequivocamente qualquer ingerência externa nessa matéria, a declaração expressa a firme intenção dos países-membros de ampliar e reforçar os mecanismos de cooperação voltados para a proteção do meio ambiente da Amazônia. Temos todos consciência de nossas responsabilidades para com a conservação de nosso grande patrimônio físico. Esse dever é nosso. E nós o assumimos. Não nos podem dar lições aqueles que nos mostram o caminho do que não se deve fazer em matéria de meio ambiente
Nós queremos dar exemplos. Esse dever é nosso e jamais poderemos abdicar daquilo que tanto nos custou: a liberdade soberana. A presente Reunião Ministerial sobre o Meio Ambiente na América Latina e no Caribe, que o Brasil tem a honra de sediar, marca um decisivo passo adiante, nesse caminho da cooperação. Confio em que os resultados das deliberações deste encontro traduzirão fielmente o espírito que nos anima e formulo aos senhores votos de um fecundo e proveitoso trabalho.
(Texto reproduzido em conformidade com o acordo ortográfico vigente à época de sua publicação original)