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Discurso em sessão Solene no Congresso Venezuelano - Caracas, Venezuela - 4 de julho de 1995
Senhores Membros do Congresso, É para mim motivo de grande satisfação poder dirigir-me ao parlamento venezuelano. Esta é a casa do Povo, e de um povo de valor. Nos anos 6o e 70, quando nossa região vivia tempos de arbítrio e repressão, a Nação venezuelana soube manter a plenitude das instituições democráticas. Foi capaz de servir de exemplo e de manter as esperanças num continente mergulhado no autoritarismo. Aqui homenageio, em nome de todos os brasileiros, os homens públicos e os cidadãos venezuelanos, responsáveis pelo fato de a Venezuela ter sempre sido uma pátria de refúgio para tantos sul-americanos obrigados a deixar seus países. A América do Sul retomou sua vocação democrática e pacífica. Está também reencontrando o caminho do crescimento económico. Chegamos, em nossa região, à compreensão de que as transformações políticas e económicas caminham juntas. São inseparáveis.
Nenhum plano económico, nenhum projeto de desenvolvimento terá êxito se não tiver a participação de todos os segmentos da sociedade e, mais do que isso, atender às suas reivindicações num contexto de liberdade. Ampliou-se nos últimos anos o consenso de que o desenvolvimento vai além do simples crescimento económico e do progresso material. Tornou-se mais complexo. Há questões éticas e sociais que passaram a ser prioritárias e que exigem encaminhamento no marco de um regime político democrático. A qualidade e as condições de vida estão no centro das preocupações de nossos povos. E consequentemente devem ser preocupação máxima na agenda dos governantes, e para realizá-las vamos trabalhar juntos, brasileiros e venezuelanos. Senhores Congressistas, minha visita à Venezuela se dá no momento em que o Brasil se renova. Renova-se na estabilidade e no crescimento económico. Em primeiro de julho, completamos o primeiro ano do Plano Real. O Brasil mudou neste último ano. O Real é o símbolo maior desta mudança. Desde o início, o Plano Real sempre procurou ser a resposta a um desejo do País e da população pela estabilidade económica. E nisto ele tem tido êxito por dois motivos: credibilidade política e competência técnica. A credibilidade foi conquistada pelo diálogo, pela transparência. Foi resultado de uma atitude democrática do Governo que correspondia ao amadurecimento político da Nação, firme na atitude de ser ouvida, intolerante para com a corrupção.
Mas se o Plano não estivesse embasado em fundamentos técnicos consistentes, o combate contra a inflação teria fracassado. O Plano Real vem cumprindo seus objetivos e começou a estabilizar a economia brasileira num contexto de crescimento económico e expansão do emprego. Mais do que isso: o fim do chamado imposto inflacionário, ou seja, a corrosão diária do poder aquisitivo, transferiu recursos aos mais pobres, com reflexos no aumento do consumo de géneros alimentícios e de outros bens populares. A estabilização dos preços tem sido também um elemento de desconcentração de renda.
O Real tem como um de seus componentes a maior integração do Brasil à economia mundial. Deixamos para trás o mito da possibilidade do desenvolvimento autárquico. O Plano Real também contribuiu para restaurar, aos olhos da população, a autoridade do Executivo e do Legislativo, antes corroída no turbilhão da espiral inflacionária. Não é uma vitória desta ou daquela força política, mas da Nação. Estamos conscientes de que, para dar bases permanentes ao crescimento dentro da estabilidade, são necessárias importantes reformas no Brasil, entre elas, emendas constitucionais que buscam eliminar restrições ao capital estrangeiro, reservas de mercado, bem como flexibilizar o monopólio da União no setor do petróleo e das telecomunicações. O Congresso brasileiro vem examinando nossas propostas com responsabilidade, sentido patriótico e com o entendimento de que as transformações são uma exigência da sociedade, que quer participar da construção de um Brasil justo e moderno. Até o final do ano, estarei submetendo ao Congresso propostas de reforma nas áreas tributária, previdenciária e de modernização do Estado. Outro aspecto importante das ações de meu Governo é a aceleração das privatizações e a rápida implementação da lei de concessões dos serviços públicos. Trata-se, em ambos os casos, de campos em que se abrem perspectivas promissoras de atração de investimentos privados. Estamos seguros de que haverá, na Venezuela, investidores potenciais que serão bem-vindos no Brasil e contarão com a proteção adicional de um acordo específico firmado pelos dois Governos. Senhores Congressistas, vivemos tempos de globalização da economia. As dimensões nacional e internacional do desenvolvimento estão cada vez mais vinculadas.
Para países como os nossos, a inserção na economia mundial deve ser examinada pela ótica das possibilidades que abre às perspectivas do desenvolvimento nacional. Não se trata de uma opção de política externa no sentido tradicional do termo, mas de questão mais ampla, que parte da compreensão de
que os projetos nacionais são crescentemente influenciados pelo cenário externo. Por sua vez, nossas opções internas irão repercutir sobre aquilo que o sistema internacional poderá nos oferecer em termos de investimentos, tecnologia, parcerias comerciais. A política externa do Brasil harmoniza-se com suas prioridades internas. É mais um instrumento a serviço da estabilização da economia e da retomada do crescimento económico. Não estamos, com isso, nos afastando dos princípios basilares que sempre guiaram nossa conduta internacional em mais de cento e vinte anos de paz ininterrupta com nossos dez vizinhos, bem como nossa ativa participação nos foros internacionais.
Trata-se, isso, de dar prioridade às parcerias externas - regionais e internacionais - que possam gerar, com reciprocidade de interesses e resultados, elementos indispensáveis ao nosso desenvolvimento e, especialmente, mais bem-estar e empregos para a nossa população. A política externa de um país como o Brasil não pode ser uma construção teórica, principista, desvinculada das necessidades reais da imensa maioria de nossa população. Se ouvirmos o nosso povo - e o Congresso tem papel insubstituível na transmissão da vontade popular -, ele nos dará as diretrizes certas para balizar a ação internacional do Executivo. O povo quer a soberania defendida, e o País respeitado além das suas fronteiras. Ele quer alianças que tragam benefícios concretos. Ele quer oportunidades. Quer apoio e cooperação internacional para nos auxiliar na solução de problemas na área de direitos humanos, proteção ambiental e desenvolvimento sustentável, sempre com o ânimo de somar, de contribuir. As grandes linhas da nossa política externa atual procuram responder a esses anseios. As Américas vivem atualmente sob o impulso da integração.
A integração só se tornou possível porque nossos países se democratizaram, substituindo o sentimento da rivalidade pelo espírito da cooperação, e porque nossas economias abriram ao exterior e estão crescendo. Qualquer país em nossa região que não estiver afinado com esta nova realidade estará fadado à marginalização. Para nós, brasileiros, a integração regional avançou com o Mercosul e, hoje, já se projeta para os demais países da América do Sul e, a partir daí, para o Hemisfério. Com o Mercosul, prioridade máxima da atuação externa brasileira, estamos criando uma verdadeira cultura da integração. Se a etapa mais adiantada da integração política não consta do Tratado de Assunção, o fato é que os contatos cada vez mais intensos entre os Presidentes, Ministros e da própria população dos quatro países representam, na prática, a cristalização de um. processo que não é exclusivamente económico. Isto é o que, no futuro, imaginamos como realidade nas Américas. O Mercosul começa a identificar novos parceiros na América do Sul, onde estamos negociando formas de aproximação com a Venezuela, o Chile e a Bolívia, além do conjunto inteiro do Pacto Andino. Entre essas áreas, com sentido de prioridade dada pela vizinhança e pela intensidade da agenda, a aproximação com a Venezuela é natural. No passado não muito distante, pensava-se que a floresta amazônica seria uma barreira que separava nossos povos, dificultava os contatos fronteiriços, impedia a integrarão, justificava a indiferença.
Hoje sabemos que a floresta não é uma barreira. Ao contrário, ela é o cenário para novas formas de integração, que aliam a cooperação entre povos dos dois lados da fronteira ao conceito de desenvolvimento ecologicamente sustentável. O Brasil e Venezuela deram um verdadeiro salto qualitativo em suas relações. No encontro de La Guzmania, realizado no ano passado, o Presidente Itamar Franco, meu ilustre antecessor, e o Presidente Rafael Caldera, estadista que é amigo sincero do Brasil, souberam identificar as potencialidades bilaterais em termos de cooperação e integração.
Souberam também ver a importância de buscar, deliberadamente, ampliar a nossa agenda positiva, de forma a isolar e encaminhar problemas. Quanto maior o património de cooperação que dois Estados guardam em suas relações, mais fácil se torna lidar com problemas eventuais e enfrentar desafios comuns. Desde então, num curto espaço de tempo, os avanços foram numerosos e promissores. A Comissão Binacional de Alto Nível já se reuniu quatro vezes e está implementando diversas iniciativas nas áreas de meio ambiente, comércio, energia, transportes e desenvolvimento fronteiriço. Os acordos que serão assinados hoje são fruto do importante trabalho desenvolvido pela Comissão Binacional de Alto Nível. Um marco expressivo do relacionamento bilateral é a assinatura, pela Petrobras e pela Petróleos de Venezuela, do Protocolo de Intenções que visa ao desenvolvimento de projetos conjuntos e ao reforço da projeção externa das duas empresas. Todas essas ações exigem que a integrarão física entre nossos países seja também uma realidade. Foi por esse motivo que determinei fosse dada prioridade às obras de pavimentação da rodovia BR-174, a fim de criar um corredor ligando Manaus e Boa Vista diretamente a Porto Ordaz e Caracas, viabilizando, assim, a integrarão das regiões Norte do Brasil e Sul da Venezuela. A energia é outra possibilidade de aproximação. Tenho o prazer de estar acompanhado, nesta visita, dos Governadores de dois Estados do Norte do Brasil, Amazonino Mendes, da Amazónia, e Neudo Campos, de Roraima, além de ilustres parlamentares da região, que conhecem os nossos problemas comuns e têm trabalhado junto com as autoridades do Executivo para encaminhá-los com o apoio da população. Para que o processo de integrarão regional entre nossos países se desenvolva de maneira ordenada, é preciso que se criem melhores condições de atuação para as autoridades brasileiras e venezuelanas na faixa de fronteira. Nesse sentido, é com satisfação que quero anunciar a realização, no último trimestre deste ano, de campanha conjunta brasileiro-venezuelana para demarcação de limites e levantamento cartográfico na área fronteiriço. Lembro, a propósito, que a implementação pelo Brasil do projeto Sivam, no qual a Venezuela está convidada a tomar parte, significará um aumento importante na capacidade de atuação do Estado em toda a região amazônica. Senhores Congressistas, temos em comum o fato de sermos sociedades multirraciais, que se abriram a correntes migratórias mais recentes, inclusive oriundas da própria América Latina. Mais importante: como países comprometidos com a democracia, com o desenvolvimento e com a liberdade económica, estamos em sintonia com as tendências dominantes na História contemporânea, e podemos, com tranquilidade, engajar-nos no processo de integrarão económica e de entendimento político na América do Sul e em todo Hemisfério. Os brasileiros, como os venezuelanos, reconhecem na figura de Bolívar o estadista e o pensador da América, o homem de ação que não deixou de buscar incessantemente para o nosso Continente um sentido de identidade e um lugar entre os povos do mundo. "Nós somos um pequeno género humano", dizia ele do povo latino-americano, com o orgulho de quem antevê, na riqueza étnica, cultural e histórica da América, a base para um futuro de grandeza com justiça e igualdade. Esse é o sentido desta minha visita, que simbolicamente coincide com a data nacional venezuelana. Esse é o sentido do projeto que estamos desenvolvendo. Venho à Venezuela para reafirmar um compromisso que nossos dois Governos assumiram, no mais alto nível, há cerca de um ano e meio, em La Guzmania: fazer das relações entre estes dois vizinhos amazônicos uma parceria completa e operacional, firmemente ancorada no presente e com os olhos postos no futuro.
É um compromisso que tem pelo menos três dimensões:
• fazer com que a dinamizarão das nossas relações traga para nossos povos, especialmente para as populações amazônicas, novas oportunidades em termos de comércio, investimentos, infra-estrutura e empregos. Em uma palavra: mais bem-estar;
• aproximar em todos os níveis dois países vizinhos que partilham vários traços em comum; • projetar ainda mais a América Latina no mundo.
Minha vida política começou no Parlamento e, por isto, sinto-me à vontade entre colegas congressistas. Não preciso, nesta Casa, sublinhar minha vocação democrática. A democracia sempre foi minha luta maior. Nos temas que abordei, a estabilização e o crescimento da economia brasileira, a aproximação com a Venezuela, a renovação da política externa, em todos eles, a democracia foi uma referência necessária. De fato, esta é a nossa maior conquista, irreversível, modeladora de nosso futuro. Vivemos em sociedades que se tornaram democráticas não apenas pelas instituições, mas porque os povos aprenderam a fazer valer seus direitos. Encontro, na Venezuela e nos países irmãos do continente, sociedades vivas, renovadas, vibrantes, sabendo o que querem, tomando em mãos o seu destino. Realizamos o sonho democrático que permitirá todos os outros: o da prosperidade, o da justiça, o da integração. Estamos juntos e nosso destino comum será tecido de vitórias comuns.
Muito obrigado