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Discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso por ocasião do jantar oferecido pelo Presidente da Ucrânia, Senhor Leonid Kutchma
É com grande orgulho que realizo a primeira visita de um Presidente do Brasil à Ucrânia. Não gozo do privilégio de ser o primeiro Chefe de Estado brasileiro a estar em Kiev, já que o Imperador D. Pedro II me antecedeu em mais de um século. Aqui esteve em 1876, quando também visitou Odessa e Sebastopol. Tampouco sou o primeiro brasileiro a saudar o povo e as lideranças deste país. Outros já o fizeram, com mais talento. Castro Alves, nosso poeta maior, fez coro a Byron, Lizst e Victor Hugo na louvação a Ivan Stepanovitch Mazepa, o Príncipe da Ucrânia. A minha mensagem de político com passagem pela academia é mais prosaica, sem perder o significado, agora que me faço porta-voz dos melhores votos do povo brasileiro ao estimado povo da Ucrânia, que tanto contribuiu para a formação do Brasil. Há mais de um século os ucranianos estão presentes na vida brasileira, da literatura à política, da agricultura à indústria, participando do cadinho de culturas que é o Brasil.
Os brasileiros de origem ucraniana somam hoje mais de quatrocentos mil. Os vínculos entre a Ucrânia e o Brasil não se resumem, portanto, aos dez anos de relacionamento diplomático, por profícuos que estes tenham sido. O diálogo vem de muito antes e tem um lastro de que poucos parceiros dispõem, que é a dimensão humana, a saga dos imigrantes. Ainda que integrados à terra que os acolheu, eles prezam suas raízes e são desde sempre agentes de aproximação entre a antiga e a nova pátria. Por isso, sei que respondo a um anseio coletivo ao vir a Kiev partilhar com Vossa Excelência, Presidente Kutchma, impressões sobre a realidade internacional e os caminhos que se oferecem para o adensamento das relações entre Brasil e Ucrânia. São muitos os que afiançam que o mundo mudou após os eventos de 11 de setembro nos Estados Unidos. Sou mais receptivo à leitura de que as mudanças ainda estão em gestação e assumirão o contorno que lhes imprimam a vontade dos Estados e a opinião pública internacional. Daí a relevância de um diálogo continuado entre países com preocupações universalistas como o são Brasil e Ucrânia. Os atentados mostraram quão imperiosa é a necessidade de uma ampla concertação contra o terror, flagelo que viola os princípios mais básicos da convivência internacional. Mas, se é chegada a hora de uma luta sem tréguas contra o terrorismo, também se impõe um tratamento resoluto das causas do dogmatismo e da intolerância. Isso nos remete à inaceitável situação no Oriente Médio. É imperioso que se equacione de forma justa e definitiva o conflito entre árabes e israelenses. Sob a inspiração do convívio harmonioso entre suas comunidades muçulmana e judaica, o Brasil tem reclamado a criação de um Estado palestino democrático, coeso e economicamente viável, sem prejuízo da existência de Israel como Estado soberano, livre e seguro.
Mas quero partilhar também com Vossa Excelência, Presidente Kutchma, a expectativa de que a agenda internacional não se veja restrita aos temas de paz e segurança. Outros desafios são de igual interesse para a construção de uma ordem mundial mais solidária e simétrica, a começar pela necessidade de corrigir as distorções que afetam as finanças e o comércio e penalizam, sobretudo, o mundo em desenvolvimento. A volatilidade do capital financeiro é um bom exemplo. Por mais desassossego que a ação dos especuladores tenha causado nas diferentes regiões do mundo, o problema continua sem solução e requer a ação decidida da comunidade internacional para ser superado. É indispensável identificarmos os meios capazes de conferir maior previsibilidade aos movimentos de capital. Instâncias como o Grupo dos 20 podem desempenhar um papel importante nesse esforço. O Brasil também vê como prioritário o combate ao protecionismo dos países ricos, que tem privado o resto do mundo de divisas, renda e emprego. A expectativa é a de que os avanços alcançados na reunião da Organização Mundial do Comércio em Doha sejam traduzidos em conquistas concretas ao longo do processo negociador, que esperamos conte com a valiosa participação da Ucrânia. Acompanho as negociações que se desenvolvem em Genebra para a liberalização do comércio bilateral e estou certo de que logo resultarão em acordo benéfico para ambos os países. O comércio precisa ser ampliado e diversificado para fazer jus às potencialidades da Ucrânia e do Brasil. Essa é a firme disposição do Governo e do empresariado brasileiro, que sei correspondida pelo lado ucraniano. Sabemos que não faltam possibilidades para o reforço do intercâmbio, como bem demonstram os entendimentos já em curso nas importantes áreas de telecomunicação, siderurgia, mineração, indústria aeronáutica e energia. Por seu interesse estratégico, ressalto a cooperação no campo energético, que já motivou troca de visitas ministeriais.
Confio em que possamos em breve desenvolver projetos conjuntos, como a construção de turbinas a gás e a exploração e produção de petróleo no Mar Negro. Não menos promissora me parece ser a cooperação para o uso pacífico do espaço exterior, em que prosperam as tratativas com vistas à utilização pela Ucrânia do Centro de Lançamentos de Alcântara. A Comissão Intergovernamental de Cooperação Económica saberá identificar outros setores de ponta onde seja possível o pronto incremento do intercâmbio científico e tecnológico. Poderia deter-me em outras dimensões do relacionamento bilateral onde reconhecemos haver amplo espaço para a convergência de esforços, como o setor bancário, a medicina nuclear e a saúde pública. Mas prefiro lembrar que esse vasto cenário de possibilidades somente se afigura possível por conta do extraordinário processo de modernização por que tem passado este país sob a condução determinada e esclarecida de Vossa Excelência. A constatação não é apenas minha, mas de todas as autoridades brasileiras que tiveram a satisfação de estar em contato com a Ucrânia ao longo dos últimos anos, como as lideranças dos Estados do Paraná e do Rio de Janeiro. Quero concluir reiterando a irrestrita confiança que tenho na aproximação crescente entre a Ucrânia e o Brasil, uma aproximação que se dá em todos os níveis de Governo, mobilizando também Estados e Municípios. E não poderia ser de outra maneira, disseminado como é no Brasil o sentimento de admiração pela luta e tenacidade do povo ucraniano. Convido os presentes a me acompanharem em um brinde à saúde e felicidade de Vossa Excelência, Presidente Kutchma, e ao futuro das relações entre a Ucrânia e o Brasil.