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Discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso por ocasião da visita de Estado ao Brasil do Presidente do México, Vicente Fox Quesada
Quero dizer da minha alegria em receber Vossa Excelência, Presidente Vicente Fox, sua esposa Marta e a ilustre comitiva que os acompanha. Nada mais emblemático da amizade entre nossos povos do que o fato de sua visita realizar-se logo após a epopeia de Yokohama, a grande final da Copa do Mundo, na qual vimos triunfar um estilo de jogo que não é apenas brasileiro, mas dos latino-americanos em geral. Todos nós vimos que o México fez uma campanha bonita na Copa e alcançou o melhor resultado na história de sua participação. Mas eu tenho certeza de que o Presidente Fox marcou sua visita ao Brasil para essa data porque antecipava a nossa vitória e queria vir comemorar conosco, renovando o calor da solidariedade mexicana que experimentamos em Guadalajara e na Cidade do México, em 1970. E a essa comemoração somaram-se outras ontem, dia 2 de julho, data de seu aniversário, de sua eleição como Presidente e, ainda, de seu casamento com Marta. Trata-se, portanto, de uma visita que tem muito a celebrar. E celebrar, sobretudo, a força de uma amizade histórica
Celebrar e renovar a crença nos ideais e valores que unem o Brasil ao México. Vossa Excelência, Presidente Fox, sabe que tenho acompanhado com muito interesse o extraordinário processo de renovação política e económica por que passa o México sob sua liderança empreendedora. Há poucos dias reuni no Palácio do Alvorada um grupo de intelectuais e estudiosos para debater um livro recente sobre as promissoras transformações mexicanas. Tive o prazer de prefaciar a edição em português dessa obra, que acaba de ser lançada no Brasil. Não é de hoje que o México me fascina. Quando pesquisador, procurei compreender o importante papel que o Estado mexicano exerceu na capacitação do país para uma inserção sempre mais construtiva na ordem mundial. Aprendi a admirar a experiência civilizatória da grande nação mexicana naquilo que ela tem de singular e também no que evoca da saga continental como um todo. Octavio Paz costumava lembrar que no México os espanhóis encontraram não simplesmente uma geografia, mas uma geografia com história. E foi exatamente a partir do denso legado pré-corteziano que ali o diálogo entre o Novo e o Velho Mundo revelou-se único em abrangência e intensidade. Como nos murais de Rivera, Orozco e Siqueiros, sobressai a determinação de um povo em preservar e enriquecer seus códigos e valores. Em circunstâncias diversas, mas com igual aplicação, o Brasil adotou a mesma gramática. É assim que Mário de Andrade se via como um tupi tangendo um alaúde. Partilhamos, mexicanos e brasileiros, de uma identidade que se nutre da disposição em compreender a perspectiva do outro, afinando posições, absorvendo experiências, sempre a favor de uma realização mais franca e plena dos anseios nacionais. Não relembro isso por veleidade teórica, mas pelo imenso interesse que me parece ter no momento em que vivemos.
Se há uma característica incontroversa dos tempos atuais, é o passo vertiginoso em que se dão as transformações, revendo paradigmas, reclamando novas formas de agir e pensar. O cenário não poderia ser mais favorável a povos que, como os nossos, distinguem-se pela propensão ao novo. Porque novos são os desafios. Buscamos, Brasil e México, uma síntese ótima entre Estado e mercado. Isso requer mais Estado e mais mercado, ao contrário do que muitos apregoam. Falo de um Estado fortalecido, pela responsabilidade fiscal, em sua capacidade de dotar o povo de condições adequadas ao usufruto da cidadania. Refiro-me a um mercado que saiba prosperar sem a mão tutelar do Poder Público e que esteja devidamente afinado com os padrões contemporâneos de competitividade. No plano externo, a globalização deve ser encarada, ao mesmo tempo, como promessa e como desafio. O Brasil e o México são dos poucos países em desenvolvimento que me parecem credenciados a ser, ao mesmo tempo, beneficiários e críticos da globalização. Dispomos de uma base industrial e tecnológica sofisticada o suficiente para atrair o investimento produtivo e absorver o progresso técnico. E é também pela envergadura de nossas economias e a vitalidade de seus fundamentos que nos sentimos autorizados a reclamar a correção das assimetrias que afligem o comércio e as finanças internacionais. Tenho pouco a acrescentar sobre o sentimento de decepção que nos causa o continuado apego dos países ricos aos mais variados entraves ao comércio de bens e serviços. Ninguém ganhará, longo prazo, com os limites impostos à reprodução do capital pelo recrudescimento do protecionismo. O acordo de preferências comerciais, assinado hoje entre Brasil e México, é um exemplo concreto de como os países latino-americanos podem trabalhar juntos para expandir as oportunidades de negócios. Os crescentes investimentos mexicanos no Brasil e a presença de empresas nossas no México comprovam essa realidade.
Aproveito para saudar os importantes empresários mexicanos que acompanham o Presidente Fox e que estão aqui porque confiam nas potencialidades do nosso relacionamento. A presença de Vossa Excelência na reunião de Cúpula do Mercosul, em Buenos Aires, tem grande significado e reflete esse espírito de cooperação baseado na ideia de que o comércio pode ser bom para todos. O setor automotivo desempenha um papel de relevo nas perspectivas de nosso intercâmbio. Estou confiante em que o entendimento que alcançaremos no âmbito do Mercosul confirmará essa percepção. A América Latina se beneficia da maior aproximação entre o Brasil e o México, sobretudo nesses momentos incertos. Estou convencido de que nossa região persistirá no caminho de um desenvolvimento mais justo e das reformas necessárias para sua melhor inserção internacional. O fato de ocuparmos latitudes distintas no hemisfério, torna-se um estímulo a mais para convergência cada vez maior de políticas e realizações. Para isso devemos desfazer falácias e preconceitos. A geografia não é uma fatalidade limitativa e paralisante a impor-nos associações excludentes. Tampouco estamos fadados a uma competição estéril. Juntos dispomos de um mercado de perto de 300 milhões de pessoas. O tempo joga a favor da parceria Brasil-México. Também o contato entre nossas culturas, tão diferentes e fortes, encerra enorme poder fertilizadór para nossas gentes. O gesto simbólico de José Vasconcelos, ao trazer para o Rio de Janeiro, em 1922, a estátua de Cuauhtémoc que lá se encontra - idêntica à que adorna o Paseo de Ia Reforma -, vai ganhando significado e realidade à medida que passa o tempo. Olhando a cena contemporânea, Carlos Fuentes diz que não sabemos e nem devemos separar o presente do passado e tampouco do futuro. Tanto melhor para nossos países, já que a história nos aproximou e o novo século comporta sonhos comuns. Que aproveitemos a hora.
Peço a todos os presentes que me acompanhem em um brinde à saúde e felicidade pessoal do Presidente Fox, à sua esposa Marta e à amizade permanente entre o Brasil e o México.