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Discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso por ocasião da cerimónia de assinatura de atos - Mocou, 14/01/2002
O Presidente Putin e eu acabamos de ter uma conversa franca e profícua, em que passamos em revista as relações bilaterais e a situação mundial. Coincidimos em saudar o dinamismo do relacionamento entre o Brasil e a Rússia, sobretudo nos últimos tempos, para o que tem contribuído o trabalho da Comissão de Alto Nível presidida pelo Vice-Presidente Marco Maciel e pelo Primeiro-Ministro Mikhail Kassianov. No ano passado, o comércio entre nossos países cresceu cerca de 50 por cento. E poderá crescer muito mais ao longo dos próximos meses. Ressaltei, em particular, a importância que atribuímos ao mercado russo para as exportações brasileiras de carne, entre outros produtos. Lembramos o caminho já percorrido para uma cooperação mais estreita em áreas de maior densidade tecnológica, como telecomunicações, indústria aeronáutica e exploração para fins pacíficos do espaço exterior. A expectativa é a de que possamos de fato estabelecer uma parceria estratégica de longo prazo. Estamos dispostos a identificar mecanismos financeiros que permitam a pronta intensificação do nosso intercâmbio.
Assinamos um Tratado de Extradição, que permitirá melhor coordenação no esforço de combate ao crime organizado. Foi também assinado um acordo de cooperação cultural. Quero ressaltar o projeto magnífico que deu origem à Escola do Teatro Bolshoi na cidade de Joinville, no Estado de Santa Catarina, que já é um grande êxito. Terei o prazer de visitar amanhã a exposição de fotografias sobre esse projeto no saguão do Teatro Bolshoi. Quanto à situação internacional, o Presidente Putin e eu repassamos os entendimentos que temos mantido com outros líderes acerca de diversos temas de interesse mundial. Meu diálogo com o Presidente Putin é facilitado pelas afinidades entre o Brasil e a Rússia. Somos países continentais, multiétnicos, pluralistas, com uma reconhecida tradição diplomática e que compreendem o mundo segundo os princípios da democracia, da proteção aos direitos humanos, do desenvolvimento sustentável, do respeito ao Direito Internacional. Os acontecimentos de 11 de setembro tornaram ainda mais necessário o fortalecimento do diálogo político entre o Brasil e a Rússia. Defendemos uma ordem multipolar, que se oriente segundo a igualdade entre os Estados e valorize o papel das Nações Unidas. Reiteramos o repúdio do Brasil e da Rússia ao terrorismo e afirmamos nossa disposição em combater as redes de sustentação .do terror e males conexos, como o consumo e tráfico de drogas, o crime organizado, o contrabando de armas e a lavagem de dinheiro. Recordei o apelo que fiz na ONU em favor do fim dos chamados paraísos fiscais, que constituem verdadeiros abrigos da corrupção, do crime organizado, do terror. Falamos da necessidade de uma solução urgente — justa e definitiva — para o conflito entre israelenses e palestinos. Comuniquei ao Presidente Putin a disposição do Brasil em trabalhar com a Rússia e outros países interessados na identificação de fórmulas que ajudem a instaurar a paz no Oriente Médio. Reconhecemos a necessidade de que se preste ajuda humanitária ao Afeganistão no marco das Nações Unidas.
Expressamos nossa preocupação com os focos de tensão no continente africano, particularmente em Angola, e também na Ásia, entre índia e Paquistão. O Presidente Putin e eu partilhamos o entendimento de que a agenda internacional não deve ser monopolizada pelos temas da paz e da segurança, por relevantes que estes sejam. Outras questões são igualmente cruciais para a conformação de uma ordem mais simétrica e solidária. A começar pela necessidade de corrigir as distorções que afetam as finanças e o comércio internacional e penalizam, sobretudo, o mundo em desenvolvimento. Concordamos quanto à necessidade de que sejam identificados meios capazes de conferir maior previsibilidade aos movimentos de capital. Instâncias como o Grupo dos 20 podem desempenhar um papel importante nesse esforço. Também consideramos prioritário o combate ao protecionismo dos países ricos. A expectativa é a de que os avanços alcançados na reunião da Organização Mundial do Comércio em Doha sejam traduzidos em conquistas concretas ao longo do processo negociador, que o Brasil espera conte com a valiosa participação da Rússia. Saudei o interesse demonstrado pelo Presidente Putin por uma aproximação maior da Rússia com o Mercosul, interesse que também é do bloco. Comentei os expressivos resultados alcançados pelo Mercosul em termos de geração de comércio e renda no curto espaço de uma década. Sobre a situação na Argentina, registrei o firme apoio que o Brasil tem prestado ao país-irmão para a superação da crise. Expressamos, o Presidente Putin e eu, nossa confiança na recuperação económica da Argentina. Ao final da entrevista, agradeci ao Presidente Putin pela extraordinária acolhida que me tem sido dispensada, e à minha delegação, e estendi convite para que o Presidente da Rússia visite o Brasil em alguma data de sua conveniência ao longo deste ano. Para minha satisfação, o convite foi prontamente aceito. Muito obrigado.