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Discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso na cerimónia de lançamento da Agenda 21 brasileira
Senhor Vice-Presidente, Doutor Marco Maciel; Senhor Ministro do Meio Ambiente, Doutor José Carlos Carvalho; Senhores Ministros presentes; Senhores Parlamentares; Senhores membros da Comissão de Política de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 21; Senhoras e Senhores, Há poucos instantes, Doutor Félix Bulhões disse que, embora tivesse um excelente discurso escrito, não ia ler porque não saberia ler tão bem quanto fala. Na última vez que o ouvi lendo, gostei. Mas, falando, gostei mais. E, como eu também não sei ler - e sempre tive muita inveja de quem sabe -, embora tenha um discurso escrito e, geralmente, eu use, falando, ideias que estão no discurso escrito, também não vou ler. Há muitos e muitos anos, fui professor numa universidade, na Inglaterra, chamada Cambridge. Eu tinha uma inveja imensa dos meus colegas professores, porque, lá - não sei se é assim até hoje - as aulas eram lidas. Aliás, a expressão é comum, até hoje, em português tem a expressão leitor, lectuver, o sujeito que lê a aula.
Só que os ingleses sabem escrever para ler, como se fosse teatro. E nós, aqui, não temos essa mesma cultura. Nós, os brasileiros, temos uma tremenda cultura oral. Dizem até que isso vem de alguns grupos indígenas, sobretudo dos tupis, que, no fim da tarde, se reuniam e contavam casos. O fato é que temos uma cultura oral. Mas, quando escrevemos, nós escrevemos de um jeito diferente do que falamos. Quando se faz o discurso, normalmente se escreve como um artigo. Eu, quando começo a ler, digo: "Meu Deus, estou lendo um artigo alto, em vez de fazer uma conversa com um público." Então, eu acho muito boa a ideia de não ler. O Doutor Bulhões disse que poderia dizer algumas bobagens. Não disse nenhuma. Agora, no meu caso, é muito mais arriscado - a "pequenininha" bobagem que eu diga sai amplificada pelos jornais do Brasil afora e eu pago um preço altíssimo, por ter dito alguma coisa que não estava exatamente como devia ser. Ou, às vezes, uma palavra que escapa numa outra língua. E lá vai: "É português, não é português. Errou, não errou. Falou porque sabia ou falou porque não sabia." Mas, vamos arriscar assim mesmo, vou tentar fazer como o Félix e não falar bobagem. Não sei. Eu queria dizer, primeiro, da minha alegria, também, como a dos que me antecederam, de nós termos chegado a esse ponto. Levou muito tempo. Cinco anos é um tempo enorme. Mas acontece que se trata, na verdade, como já foi ressaltado, de uma mudança de cultura. A proposta que aí está, na Agenda 21, não é a proposta em si, é um movimento. Isso é uma parte desse movimento. Cultura não se muda por decreto, nem se muda de um dia para o outro, é um processo. É um processo que implica a repetição, a re-elaboração, em alguma coisa inesperada e que, pouco a pouco, vai constituindo, aí sim, algo mais fixo, que vira um hábito, que vira uma maneira natural de comportamento. Nós ainda não temos uma cultura de sustentabilidade. Não poderíamos ter, porque somos fruto de um período da civilização em que não havia a preocupação com o meio ambiente. Não havia, pura e simplesmente. Nem com a finitude dos recursos naturais, com nada disso. Tudo isso é muito recente.
Os mais antigos, aqui, se lembrarão do Clube de Roma, que parecia, até, a alguns outros, escandaloso, porque dizia que havia recursos finitos. Ao dizer que havia recursos finitos, parecia pôr uma trava àqueles que queriam o desenvolvimento. Foi muito mal percebida por certos setores, chamados progressistas, a existência de um setor da sociedade internacional que dizia que os recursos não são inesgotáveis.
Na verdade, pouco a pouco, hoje em dia, não há progressista que não tenha incorporado, no seu discurso - para não falar nos conservadores, que esses não incorporam nada -, a ideia de que os recursos são finitos, e que é preciso fazer a separação entre os que são finitos e os que são renováveis. Quanto mais se puder usar, de recurso renovável, melhor, porque se evita um problema grave, que seria de uma escassez rápida de alguns recursos, que podem ser essenciais para a reprodução da vida, amplo sensu, da natureza e da própria vida humana.
Hoje, isso é alguma coisa incorporada a nós. Tão incorporada que, na reunião de Johanesburgo, da qual vou participar, dentro de pouco tempo, no comecinho de setembro, na África do Sul, a proposta sul-americana, de inspiração brasileira, foi de que pelo menos 10% das fontes de energia utilizadas em cada país devam ser fontes renováveis. Isso, hoje, já não escandaliza. Já se vê que é necessário haver essa separação, entre o recurso renovável e o não-renovável.
Progressos são muitos, nessa matéria, mesmo entre nós. É preciso dizer que, ao se tratar de uma mudança de percepção das formas de desenvolvimento, muitas vezes há dificuldades e há incompreensões. Quantas vezes eu tenho ouvido reclamação da ação, por exemplo, que é muito pertinaz, dos Procuradores Públicos, porque nós introduzimos, na Constituição, a ideia daqueles que são responsáveis pelos direitos difusos e, com isso, abrimos espaço para que houvesse uma ação dos procuradores, para defesa do meio ambiente. Eles estão defendendo. Tratam de ver se é possível cumprir as regras.
Claro que, como as regras nossas, em muitas matérias, são regras que refletem o desenvolvimento mais avançado do mundo, e a nossa infraestrutura é, ainda, mais precária, ainda tem muito de Terceiro Mundo, fica sempre um choque entre exigências que são rigorosas e condições que não permitem tal rigor. Mas isso não quer dizer que as exigências rigorosas devam ser postas à margem. Então, temos que entender que a função do Procurador do Meio Ambiente é, realmente, insistir. Porque se não fizer isso, em nome das estruturas que não são adequadas ainda, vai se fazer muita destruição. Então, é preciso valorizar, realmente, essa preocupação e a ação ainda que, muitas vezes, ela cause problemas. Causam morosidade, reclamações, o próprio Governo fica nervoso.
É claro que nisso tudo é preciso haver um pouco de bom senso. Mas se não houvesse a insistência do exercício da defesa da sociedade, em nome de direitos difusos teríamos, certamente, praticado uma porção de desatinos adicionais aos muitos que, historicamente, já praticamos contra o meio ambiente, contra a natureza.
O fato é que, hoje, bem ou mal, não existe uma obra que não passe por um crivo importante de preservação do meio ambiente. E, certamente, a Agenda 21 vai ser encaminhada ao Ministério do Planejamento do Brasil para que, na própria proposta orçamentaria e no PPA, que é o Plano Plurianual, se tome em consideração o conjunto de sugestões que aí estão, para irmos incorporando, progressivamente, nas práticas usuais, rotineiras do Governo, essa preocupação com o meio ambiente.
Claro que sustentabilidade não é só meio ambiente, no sentido físico. É também no sentido social. A preocupação que temos agora, sobretudo quando nos aproximamos da reunião de Johanesburgo, é de como compatibilizar essas questões, de como tratá-las de uma maneira adequada.
Vamos ter uma reunião na África do Sul, num país que, como o Brasil, tem muitos problemas sociais, tem problemas de pobreza, tem problemas de doenças muito graves, etc, etc, e tem problemas stricto sensu, de meio ambiente, como temos aqui, também. Vamos ter que incorporar, na noção de sustentabilidade, a noção de bem-estar, a noção de um outro tipo de desenvolvimento económico, que não seja, simplesmente, concentrador, que seja um desenvolvimento que permita uma atenção mais eficaz às condições sociais.
O tema da pobreza vai estar presente na reunião de Johanesburgo. Ele apenas não pode sufocar todos os demais temas. Quer dizer, tem que ter parte dessa noção mais ampla de sustentabilidade, que implica uma visão mais harmónica, talvez mais clássica, do que seja a felicidade humana e do que seja o desenvolvimento de uma sociedade em que a noção de harmonia é uma noção fundamental para que possamos então dizer: "Sim, valeu a pena tomar tal atitude ou desencadear tal ou qual processo." Mas, bem ou mal, essa noção de sustentabilidade vai avançando nessas múltiplas determinações, não só naturais, como sociais, como de uma visão cultural.
Tudo isso requer uma visão, também, de democracia e de participação, como aqui foi dito. Não se delega mais àqueles que têm o poder de qualquer nível, que seja o meu, ou que seja de um parlamentar ou de um governador, não se delega simplesmente dizendo: "O problema é seu." Não. O problema é nosso. O problema é de todos. Isso implica que aqueles que têm o poder delegado legalmente também abram espaços para que exista a negociação, para que exista uma inter-relação entre a sociedade e o governo, para que as organizações que não são do governo, as chamadas ONGs, possam participar. Para que as organizações do governo, amplo sensu, também possam participar.
Essa noção de participação e de diversidade, que foi aqui mencionada, não significa que só a sociedade seja diversa. Os governos também são diversos. Não creio que a possibilidade de existir uma ordem verticalizada seja a solução mais adequada para o exercício do poder democrático, tem que haver uma ordem que permita uma expressão, a mais ampla possível, e que existam fóruns, mecanismos de diálogo e negociação, mesmo dentro do governo, para se falar de uma opinião que seja uma opinião sustentável, não só o desenvolvimento, rnas a própria opinião seja sustentável, e não seja só fruto de uma decisão tomada, ainda que tomada por aqueles que têm, legitimamente, a capacidade de toma-la. Porque se isso for só em função da decisão de quem manda, a obediência é relativa. E se for a decisão em função de um processo pelo qual o conjunto do governo e da sociedade se apropria dos conceitos e das ideias que estão sendo implementadas, ou que se deseje implementar, aí, sim, temos a possibilidade de dizer que vai ser sustentável, vai haver durabilidade das decisões que vão sendo tomadas.
Por todas essas razões, creio que, realmente, é motivo de celebração termos avançado; como é motivo de orgulho termos mencionado, aqui, hoje, ou feito, a ampliação de certas zonas de preservação ambiental.
Quero lhes dizer que gostaria muito de chegar a Johanesburgo com o Protocolo de Kioto já aprovado. Espero que, quando tivermos essa reunião com o Dr. Félix e outros mais, no dia 6, possamos, então, promulgar aqui o Protocolo de Kioto para que o Brasil possa chegar com força moral à reunião de Johanesburgo e dizer que estamos, não apenas pregando, mas realizando, fazendo.
Ficaria imensamente satisfeito - não sei se é viável, e aqui há parlamentares - se a lei sobre a Mata Atlântica pudesse, em agosto, antes de setembro, quando será a reunião em Johanesburgo, ser aprovada pelo menos na Câmara. Não sei se há tempo, mas vamos tentar. E ficaria também muito satisfeito, e aí tenho mais possibilidade de contar com o tempo, se até lá tiver assinado um outro decreto que é sobre o Parque de Tumucumaque. Com todas as dificuldades que há, e as há, mas como disse aqui, acredito na persuasão, e tenho força de persuasão. Se não tiver de persuasão, tenho poder, vamos chegar a um resultado positivo no que diz respeito ao Parque de Tumucumaque, por uma razão muito simples, porque é um compromisso nosso de alcançarmos uma porcentagem da nossa área preservada.
Faltam aí poucos meses, mas nesses poucos meses de Governo ainda dá para fazer coisas que possam ficar aí marcando, pelo menos uma aspiração nacional, que é uma aspiração de que, realmente, tenhamos um comprometimento efetivo na preservação da nossa natureza. Claro, vou compatibilizar essa preservação com a Segurança Nacional, com os interesses nacionais, com os interesses possíveis, mas temos caminho para andar.
Queria dizer, portanto, que fico muito contente de ver o finalizar desse trabalho, quero agradecer profundamente ao Ministro José Carlos, ao Ministro José Sarney Filho, que trabalhou muito nessa matéria, à Dra. Aspásia, aos que já foram ministros aqui, e que hoje estão numa posição melhor, estão, como estou, aspirando chegar, breve, numa ONG para saber o que está acontecendo e aqui nos ajudando a continuar construindo o Brasil. Quero agradecer muito a todos aqueles que - foram milhares - cooperaram nessa Agenda. E terminar, compartindo, uma vez mais, as aspirações de quem falou por todos os que aqui trabalharam, que agora é importante que passemos tudo isso para marcos práticos, naturalmente com a prudência de sabermos que esses marcos práticos vão apenas trilhando um caminho de mudança cultural, que leva tempo, mas acho que estamos no bom caminho. Muito obrigado.