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Discurso do Presidente Fernando Henrique Cardoso em almoço oferecido aos participantes da IV Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP
Peço um minuto da sua atenção. Senhores e Senhoras, tinha me comprometido com duas coisas contraditórias, hoje: primeiro, que falaria pouco, porque estou afônico, etc. e disse que não iria falar nada, e, segundo, na reunião que tivemos há pouco, eu disse que o discurso que iria fazer lá embaixo faria aqui, na hora do almoço. Bem, falei demais e não vou fazer discurso, porque não quero cansá-los a esta altura dos acontecimentos. Queria, apenas, expressar, em nome de todos os brasileiros, a minha satisfação por estarmos juntos e o nosso reconhecimento pelo esforço que o conjunto dos países lusófonos tem feito e pelo grau de relacionamento tão positivo que nos une, hoje, na CPLP. Ouço críticas a cada instante. Ainda há pouco, na entrevista à imprensa, mais de uma pergunta foi feita no sentido de, de alguma maneira, colocar um ponto de interrogação sobre o significado efetivo da CPLP. A nossa organização tem seis anos, é criança. E, nestes seis anos, muita coisa aconteceu de positivo. Nós nos dedicamos, nestes dias, de ontem e de hoje, em parte, a celebrar Timor Leste, que se incorpora a nós, com esse espírito novo, de um país cheio de problemas, mas cheio de esperança. E houve, já, decisões muito concretas de todos nós, no sentido de apoiarmos Timor Leste. Estamos nos reunindo num ambiente de paz. Angola, país rico, importante, sofrido, conseguiu, depois de tanto tempo, chegar à paz. Países grandes ou países pequenos. Países que tiveram dificuldades, como Moçambique, com suas enchentes e com suas secas. Países pequenos que descobrem petróleo e ficam até com medo de ter tanto petróleo, como São Tomé e Príncipe. É verdade. Países que têm dificuldades, às vezes, muito grandes e até mesmo políticas e internas, como Guiné Bissau. Enfim, para não falar dos problemas que atormentam os países já um pouco mais consolidados - Cabo Verde, um país que avança, e avança bastante. Isso, para não falarmos de Portugal e do Brasil. Portugal está ótimo. Tenho inveja de Portugal. Mas o Primeiro-Ministro vai ter que apertar as contas, porque senão não se ajusta à Europa. E o Brasil, que apertou tanto as contas, não sabe mais o que apertar, para se ajustar a um mundo que enlouqueceu.
Mas, a despeito disso, a verdade é que temos vitalidade. Esses países todos, no seu conjunto, têm conseguido avançar, e avançar dentro de um ambiente de democracia e de respeito aos direitos humanos, de fraternidade e de ajuda recíproca, pequena, muitas vezes, mas importante. No caso da Aids ou Sida, a que já foi tantas vezes referido, o Presidente de Portugal, meu querido amigo Jorge Sampaio, disse que ele foi "advogado de patentes". E sabia, como sabe, das dificuldades que se colocam, quando se quer mudar a regra de patentes. O Brasil conseguiu. Consegui, pelo menos, fazer com que as patentes, para serem respeitadas, tenham que produzir localmente e a preços mais convenientes. Fizemos acordos com a índia e com Israel e, hoje, produzimos uma boa parte do "coquetel da Aids" aqui, no Brasil. Temos um programa que, talvez, seja o único com a extensão do brasileiro, tão vitorioso no controle de uma moléstia tão perniciosa quanto a Aids. Pois bem, estamos trabalhando juntos com os países africanos, os países irmãos, para que utilizem tanto o nosso know-how quanto as nossas técnicas de combate á essa moléstia, através do apelo às organizações não-governamentais, basicamente compostas, elas próprias, por aidéticos. Enfim, há muitos casos concretos que nos permitem, realmente, neste dia de hoje, estarmos contentes com o trabalho realizado. Disseram, há pouco, que, no Brasil, não se sabe o que é CPLP. Mas, eu acho que, se fosse perguntar, também, o que é Nafta ou, talvez, mesmo União Europeia, isso não seja tão difundido assim. A questão não está na difusão do nome, está nas práticas que estão sendo exercidas em função de um ideal, que é o ideal dos países lusófonos. Estamos como, de alguma maneira, reconfortados por ver que nossos países assumiram práticas que correspondem aos valores - uma expressão que não uso sempre - da civilização ocidental cristã. Até ficamos um pouco inquietos, ao vermos que há dois pesos e duas medidas, que a transparência que tanto nos pedem, que hoje nós praticamos, não parece ser, assim, tão transparente acima do equador, excluindo Portugal, que está lá em cima, mas também parte do Brasil, que está lá em cima, e o Timor.
De qualquer maneira, a verdade é que não aceitamos essa ética de dupla face. Nós temos as nossas mazelas, e são muitas. Nós expomos as nossas mazelas ao mundo, dia e noite. Nós temos, também, nossos valores. Não precisamos expor a ninguém. Estamos nos orientando por esses valores. Há, portanto, efetivamente, realmente o que celebrar. Diante dos desafios, que são tão imensos, não cabe nem, talvez, usar a palavra "celebrar". Mas é preciso manter a esperança e o ânimo. Em uma reunião como esta, o calor que sentimos dos presidentes, das delegações, a fraternidade, o espírito e, como já disse alguém, a falta de intérprete, isso tudo ajuda a que se crie um clima de grande amizade e de grande fraternidade. Portanto, queria pedir que nossos copos se ergam à continuidade da nossa amizade, à vitória permanente dos nossos valores e à consolidação da CPLP.