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Discurso do Presidente Fernando H. Cardoso na sessão inaugural da IV Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP
Em nome do povo e do Governo brasileiros, estendo a mais fraterna acolhida aos dignitários aqui presentes, bem como às suas delegações. O Brasil se orgulha de hospedar esta Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. É um encontro que faz história, porque ele assinala o ingresso, na nossa Comunidade, da querida nação timorense. Seja muito bem-vindo, Presidente Xanana Gusmão. O resultado das eleições na República Democrática do Timor Leste fez justiça a seu líder maior, que agora nos concede o privilégio de celebrarmos juntos a conclusão de uma epopeia que tanto significou e tanto dignificou a história do mundo lusófono.
Quero expressar, também, o meu reconhecimento e o reconhecimento do Brasil ao Presidente Joaquim Chissano por sua valiosa gestão à frente da Comunidade. Vossa Excelência, Presidente Chissano, permitiu à CPLP usufruir da visão de estadista e da capacidade de liderança que o fazem merecedor da estima e admiração do povo moçambicano e, se me permite, de todos nós, que acompanhamos sua trajetória, Presidente. Desejo, também, saudar a Embaixadora Dulce Pereira pelo dinamismo e determinação com que exerceu seu mandato como Secretária Executiva da CPLP. E tenho certeza de que, com esse mesmo dinamismo, me ajudará muito, nesta fase final de Governo, em que precisamos de energias jovens e brilhantes, como a da Embaixadora Dulce Pereira.
Teremos a oportunidade de discutir uma extensa agenda de temas e projetos. Mas quero antecipar, desde logo, a convicção do Governo brasileiro de que, de alguma maneira, se posso assim significar, a CPLP alcançou sua maturidade. No curto espaço de seis anos, tornou-se espaço privilegiado de concertação política e de cooperação para o desenvolvimento. Se a história nos aproxima, também nos impulsiona a um reforço continuado de nossa presença internacional. A começar pelo objetivo de difusão da língua portuguesa, como dizia António Houaiss, uma língua de cultura. Houaiss, que era advogado da nossa unificação ortográfica, que a tantos entusiasma e que nos faz, pelo menos a nós, brasileiros, sentir como que escrevendo errado, quando lemos o português tão belo de Portugal. Mais do que um acervo linguístico, o idioma traz consigo um estilo próprio de compreender e de interagir com o mundo.
Muito já se disse da plasticidade dos povos lusófonos, avessos como somos a dogmatismos. Que saibamos continuar a concorrer para a promoção dos valores do pluralismo, da tolerância, os alicerces da paz. É sob o lema da paz e do desenvolvimento que se reúnem aqui, hoje, os líderes da CPLP. São ideais que nos animam desde sempre.
Podemos dizer que, hoje, a paz se consolida em todo o espaço geográfico da Comunidade. Agora nada mais nos impede de concentrar esforços na causa do desenvolvimento. Dez anos após a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente - a Rio 92-0 desenvolvimento sustentável é um conceito consagrado, mas ainda de eficácia relativa, por conta da omissão de países mais afluentes. Esperamos que a Cúpula Mundial de Johanesburgo permita avanços decisivos na direção de uma globalização mais justa e mais solidária. O mundo tem sofrido as consequências de crises e turbulências geradas pela especulação. Quero fazer, pois, um chamado à razão e à sensatez. Os povos e as nações valem mais do que os mercados. Sem povo e sem nação, não existe mercado.
Todos reconhecem os fundamentos sólidos de uma economia como a brasileira, por exemplo, e nada abalará a nossa confiança nos rumos traçados. Vamos continuar a lutar contra a volatilidade dos fluxos de capital. É mais do que hora de se pensar em uma nova arquitetura financeira e em uma regulamentação mais equitativa das trocas internacionais. Vamos continuar a combater o protecionismo e toda sorte de barreiras impostas aos produtos de exportação do mundo em desenvolvimento.
Trabalhemos para que a questão agrícola receba a prioridade devida nas tratativas da Organização Mundial do Comércio. E não há por que postergar a ampliação do intercâmbio entre nossos países. Ainda recentemente, há poucos dias, em Guayaquil, no Equador, numa reunião de Chefes de Estado da América do Sul, eu insistia em que, quem sabe agora, momento em que o mundo, de alguma maneira, aceitou - e não teve alternativa - uma agenda muito mais restrita do que a agenda anterior, muito mais voltada para as questões de segurança, em função do 11 de Setembro, quem sabe agora os países como os nossos que, por sorte, não são perscrutados pelo radar daqueles que ficam mirando as questões de segurança sob a ótica do terrorismo, quem sabe possamos nós ter, nós próprios, a decisão, a calma e a coragem de enfrentar, por nossa conta, os nossos problemas.
Quando se vê o mundo tão conturbado, mas tão concentrado em assuntos que são de imensa relevância mas que, seguramente, não afetam as questões mais candentes dos nossos países, que são a pobreza e a necessidade do desenvolvimento, a necessidade de acessos a mercados e a necessidade de absorvermos e de criarmos formas novas e tecnologias de conhecimento, quem sabe possamos nos concentrar, com mais energia ainda, sobre nossas próprias forças e nossos problemas e possamos avançar. Devemos insistir nas possibilidades de cooperação de toda natureza, a partir dos projetos de infra-estrutura. Para não falar de áreas de interesse imediato para o bem-estar de nossos povos, como educação e saúde pública.
O Brasil mantém o propósito de continuar a colocar sua experiência na prevenção da AIDS à disposição dos países amigos da CPLP. Conquistamos uma grande vitória na questão das patentes, com o reconhecimento de que o regime de propriedade intelectual não pode e não deve opor-se ao direito à vida. Nada, portanto, nos inibirá de trabalhar em conjunto para o atendimento às vítimas dessa enfermidade que tanto dano nos tem causado, não só, mas em especial à África. Temos em profusão o espírito de partilha e a vontade de caminhar de mãos dadas na busca de objetivos comuns. Não é por outra razão que a Comunidade já ostenta um histórico de realizações.
E também já conta com um panteão de personalidades que se notabilizaram pela defesa da confraternização lusófona, como o Embaixador José Aparecido de Oliveira, que hoje nos honra com sua presença. Temos muito a celebrar, e bem mais a construir. Quero lembrar também que, nesses anos de construção, nunca faltou a palavra de entusiasmo, de fraternidade e a experiência dos Presidentes de Portugal, Presidente Jorge Sampaio, nosso querido amigo. E a palavra do Presidente Mário Soares, quando foi necessária. Temos, portanto, aqueles que nos inspiram.
Espero que agora esse ambiente de Brasília, que é uma cidade pioneira, que nasceu sob o signo do progresso, da modernidade, sirva de inspiração a todos nós. Brasília que, nesse momento, comemora o centenário do nascimento do seu grande inspirador que foi Juscelino Kubitschek e que se sente, toda ela, feliz de ter vindo a lume num momento em que o Brasil reafirmava sua confiança no progresso e no futuro. Brasília que é fruto do talento de dois génios: Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Niemeyer, ainda vivo entre nós, ainda ativo, ainda capaz de conceber novas obras aqui e em outras partes.
Brasília, portanto, que, de alguma maneira, é uma expressão do que foi capaz de criar a civilização lusófona, que nos veio de Portugal, que foi retemperada pelos autóctones e que teve uma imensa contribuição da África. E, quem sabe, ao verem essa cidade branca, que é Brasília, percebam que a alma dela é mestiça. Quem sabe ao verem essa cidade que tem uma certa aparência barroca, percebam que a alma dela tem, também, algo do equilíbrio clássico.
Ao verem as colunas dos palácios, sobretudo do Palácio da Alvorada, hão de se lembrar das famosas colunas coríntias, dóricas ou jónicas da Grécia, que foram as únicas que ficaram perpetuadas pelas civilizações afora. Que agora elas, esses pilares da civilização ocidental cristã, se juntem às colunas do Niemeyer que são, também, o símbolo dessa mistura formidável que foi esse mundo criado pelo encontro de civilizações, sempre matizado pelo espírito de tolerância portuguesa, pelo pragmatismo de Portugal, pelo espírito de luta dos nossos povos, pela nossa capacidade de sonhar e pela nossa firme determinação de, a despeito de todas as dificuldades, continuarmos caminhando e confiando uns nos outros.
É com essas palavras que desejo saudá-los inicialmente. Tenham a certeza de que aqui, neste Palácio Itamaraty, nessa Brasília de todos os brasileiros, irão se sentir também como parte desse país que é africano e é europeu, porque é um país feito por todos nós. Muito obrigado.