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Discurso durante encontro com empresários portugueses e brasileiros na Associação Industrial Portuguesa - Lisboa, 22 de outubro de 1990
Considerei particularmente oportuno o convite que a Associação Industrial Portuguesa me dirigiu para trazer a esta seleta platéia de empresários a atualidade econômica brasileira. O Brasil vive hoje o mais significativo processo de transformação de sua história recente. Nos últimos sete meses, o País mudou sua realidade interna e sua imagem externa. Foram passos seguros de retomada do verdadeiro desenvolvimento econômico, privilegiando idéias de modernização, justiça social e equilíbrio de oportunidades para os que desejam trabalhar e participar do esforço de reconstrução nacional. O Governo assumiu a liderança desse processo, determinado a operar mudanças. Fizemos uma reforma administrativa há muito reconhecida como necessária, embora jamais implementada por falta de coragem política ou, talvez, pelo fato de que os seus custos não pareciam compensadores num país onde o favoritismo se sobrepunha à eficiência e onde os recursos para a manutenção da máquina do Estado eram, sem realismo, vistos como ilimitados. Passamos de um orçamento constantemente deficitário a outro em que se prevêem metas de superávit maiores que as preconizadas nas recomendações mais rigorosas das instituições financeiras mulíilaíerais. Fizemos um ajuste fiscal sem precedentes e temos administrado as contas do Tesouro com saldos sempre positivos, em claro contraste com o passado.
O Brasil traçou metas monetárias e fiscais consistentes com sua realidade e recuperou a capacidade de reformulação e execução da política econômica. Os resultados são evidentes e não requerem elaboração detalhada. De um quadro de taxas inflacionárias em torno de 80% ao mês, em que os lucros derivados da especulação e a inércia dos investidores eram a tônica, evoluímos para garantir que só as inversões produtivas sejam capazes de gerar ganhos compensadores. O risco da hiperinflação, que até março de 1990 ameaçava corroer o poder de compra dos salários, a poupança e a própria capacidade nacional de produzir riqueza, está definitivamente afastado da vida nacional. E se é fato que os índices inflacionários mensais ainda se situam em torno de 10 a 12%, isso se deve, de um lado, à persistência de práticas típicas de uma economia há décadas habituada a taxas de inflação elevadas; de outro, a fatores exógenos, fora do controle nacional, como os que hoje fazem subir o preço dos combustíveis. De qualquer modo, a inflação quedou sob controle. Os índices recentes demonstram estarmos no caminho certo e serem adequadas as medidas que tomamos e continuaremos a tomar. Não era possível que o País continuasse a conviver com curvas inflacionárias continuamente crescentes. Além disso, faltava um projeto nacional que promovesse, a estabilidade e criasse um ambiente econômico saudável, com regras claras e definidas, para que os investidores brasileiros e estrangeiros pudessem projetar sua ação e obter resultados, sem risco constante de mudança nas diretrizes de ação governamental. Cabe aos agentes econômicos responder à altura do que está realizando o Estado. A dimensão dessa resposta vai, em última análise, consolidar um Brasil novo. Quero falar-lhes agora da nova política industrial e de comércio exterior que dita as diretrizes para a ação do empresário.
Competitividade e eficiência são os conceitos-chave que procuramos introduzir e estimular. Muito já tem sido feito para transformar a mentalidade que marcou nas últimas décadas o cenário econômico do País. Eliminamos restrições quantitativas à importação. Estamos derrubando distintas barreiras ao comércio, mesmo as tarifárias. Estamos também ampliando os investimentos em pesquisa tecnológica — até então insuficientes para um país da dimensão do nosso — e propondo a revisão de normas jurídicas sobre matérias cruciais como propriedade intelectual e indústria farmacêutica. O Brasil é hoje, diferentemente do passado, um país aberto ao exterior.
O papel do empresário é central e a ele queremos dar a posição de maior destaque no processo de modernização da economia. O Governo espera que amplie seus investimentos em pesquisa, busque associações produtivas e inovadoras com parceiros estrangeiros, saiba incorporar e criar tecnologia e aumente sua capacidade de penetração em mercados externos. O propósito de auferir lucros elevados sem ganhos correspondentes de produtividade deve estar afastado da mente dos empresários brasileiros. Se a empresa brasileira se tornou viável numa economia altamente inflacionária, tanto mais o será agora, no quadro econômico hoje vigente no País. O Brasil espera poder atrair volume crescente de investimentos estrangeiros. A absorção de poupanças externas, que possam complementar os esforços nacionais e que, sobretudo, representem transferência de tecnologia, tem para nós importância singular neste momento de renovação. Temos a oferecer ao capital externo uma realidade econômica estabilizada, uma política definida para os investimentos e regras de longo prazo de ordenamento da economia. Em contrapartida, esperamos dos investidores a disposição de trabalhar conosco no grande projeto transformador que estamos levando a cabo, com o esforço de todos os brasileiros. O Brasil quer voltar a crescer. Esse objetivo, nós o perseguiremos sem esmorecimento. Para tanto, estamos procurando avançar também na solução de questões que há muito requerem tratamento compatível com a necessidade de crescimento, como o da dívida externa.
Há pouco iniciamos negociações com os credores privados externos e os primeiros entendimentos com o Clube de Paris. Nossa postura sobre a dívida é coerente com o programa econômico que estamos implementando e requer que se possa ter do País uma visão de longo prazo. O Brasil deseja cumprir seus compromissos, é um país solvente e apresentou uma proposta que envolve o pagamento da integralidade de sua dívida. Não nos interessam soluções paliativas, de curta duração ou que tenham de ser revistas em intervalos reduzidos de tempo. Estamos transformando nossa Nação em caráter definitivo e é com esse mesmo enfoque que temos de tratar a questão do endividamen to. Estou seguro de que poderemos contar com o apoio e o estímulo daqueles que têm reconhecido no programa econômico brasileiro urn caráter efetivamente transformador, e têm acolhido nossas medidas de âmbito externo em matéria de comércio e investimento. Meu governo continuará buscando de maneira franca e decidida o diálogo sobre a dívida. Só não poderemos aceitar alternativas de ação que ponham em risco o esforço que fizemos até o momento, cujo reflexo no tempo será a construção de uma economia moderna, com justiça social e maiores oportunidades para todos os cidadãos brasileiros.
Minhas Senhoras, meus Senhores,
Este é o Brasil novo que tenho orgulho em trazer ao exterior e, muito particularmente, a Portugal, nosso primeiro parceiro na história, hoje sócio importante de nosso projeto de futuro. Estou seguro de que, mais uma vez, nossos países podem dar exemplo de cooperação e aprofundar este relacionamento revigorado pela vitalidade de um Portugal comunitário e pela energia de um Brasil em pleno processo de recuperação econômica. O fato de estarem aqui reunidos empresários portugueses com empresários brasileiros que atuam em Portugal é em si mesmo de grande significado. Ao falarmos da importância de nosso intercâmbio econômico, não estamos falando de sonhos e projetos. Trata-se de uma realidade concreta em processo de rápida consolidação. A iniciativa privada de nossos países já possui um impressionante acervo de empreendimentos lusobrasileiros. Os senhores sabem, e eu sei, que há potencial para muito mais. Existe um espaço econômico comum que somente nós poderemos aproveitar e eu estou certo de que os empresários de ambos os países não irão deixar perder-se essa oportunidade singular. Temos uma imensa responsabilidade perante nossas sociedades e perante a história. Façamos de nossas realizações conjuntas o maior de todos os monumentos à amizade fraterna de nossos povos. Façamos dos resultados de nosso esforço empresarial contemporâneo e futuro uma obra à altura da ousadia de nossos antepassados. Muito obrigado.