Notícias
Discurso do Ministro Mauro Vieira na abertura do Seminário “A Sociedade Brasileira e a Política Externa”
Senhoras e senhores,
Há algumas semanas, na comemoração dos 80 anos do Instituto Rio Branco, chamei a atenção para a emergência de dupla ameaça no contexto internacional: ameaça à arquitetura da governança global e à democracia em diferentes continentes.
Há quem pense que a melhor atitude diante das tensões internacionais é o silêncio. Mas em meio a ameaças à democracia no plano interno e turbulento contexto geopolítico, o Brasil reafirma os princípios do respeito à dignidade humana, do desenvolvimento com inclusão e da paz, presentes na Constituição Federal e na Carta de São Francisco.
Em ambos documentos temos referências à participação social. O Artigo 71 da Carta das Nações Unidas reconhece que atores não governamentais são parte do esforço de construção do multilateralismo. A Constituição Federal reconhece e estimula mecanismos de democracia participativa.
Nos debates de hoje, esperamos melhor identificar as perspectivas brasileiras frente às mudanças do cenário internacional e colher elementos para orientar estratégias e prioridades para a política externa.
Acabamos de ouvir as colegas do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável e do Conselho Nacional de Participação Social. Ao longo do dia, teremos falas de representantes da academia, da indústria, do agronegócio, dos sindicatos, da sociedade civil organizada e dos movimentos sociais. Teremos a representação de diferentes gêneros, regiões, gerações, ideologias e perfis étnico-raciais.
Como Ministro de Relações Exteriores, tenho a satisfação de receber os mais variados setores da sociedade brasileira e do governo para debatermos os elementos de uma política externa que responda, na forma e na substância, aos dilemas do presente.
Senhoras e senhores,
A diplomacia brasileira assenta-se na prática do que San Tiago Dantas chamou de universalismo. Isso significa que prezamos e investimos no diálogo com todos os países, sejam quais forem as circunstâncias socioeconômicas, políticas e geográficas.
Nossas melhores tradições diplomáticas também nos orientam ao pragmatismo, à busca do interesse nacional. Apesar do termo ser costumeiramente usado no singular, deve ser entendido como síntese da rica pluralidade das instituições e da sociedade brasileiras.
A política externa é competência da Presidência da República, cujas diretrizes são executadas pelo Itamaraty, mas sempre envolveu interlocutores institucionais os mais variados.
O parlamento federal discute e aprova acordos internacionais, indicações de embaixadores, orçamento e acompanha a política externa por meio de suas comissões de relações exteriores. Contamos, ainda, com a atuação de outros ministérios, agências, autarquias, entes estaduais e municípios.
A composição de posições nacionais a partir da multiplicidade de interlocutores, perspectivas e interesses não é, portanto, novidade. O diálogo construtivo na diferença também não. O que discutiremos neste seminário é como potencializar a interação entre o Itamaraty e as variadas representações da sociedade brasileira.
Senhoras e senhores,
O Itamaraty, em seus mais de 200 anos, sempre interagiu com a sociedade brasileira.
A relação entre academia e diplomacia é tradicional. Bastaria lembrar as extensas comunicações do Barão do Rio Branco com os historiadores de seu tempo – Capistrano de Abreu, por exemplo – na preparação dos memoriais em que defendeu exitosamente direitos territoriais brasileiros.
Por meio do Departamento de Promoção Comercial, Investimentos e Agricultura em Brasília e dos setores comerciais espalhados por toda a rede de postos no exterior, há décadas, existe estreita colaboração com o empresariado.
Os sindicatos, que têm assento oficial na Organização Internacional do Trabalho, interagem com o Itamaraty de forma regular e estruturada, tanto na capital federal, como nos debates da Organização Internacional do Trabalho.
A relação com a sociedade civil organizada se intensificou com redemocratização, integrando, hoje, o trabalho de todas as unidades do MRE.
Desde o início do atual governo, o Itamaraty retomou a participação em cerca de 40 colegiados nacionais com participação social. Voltou a incluir representantes da sociedade civil em suas delegações oficiais. Finalmente, ao estabelecer a Assessoria de Participação Social e diversidade, registrou avanços significativos na relação entre o MRE e os movimentos sociais.
Trabalhamos juntos com a sociedade civil na organização de eventos como os Diálogos Amazônicos, a Cúpula Social do Mercosul, a Conferência da Diáspora Africana nas Américas, o G20 Social e o pilar de diálogo social dos BRICS.
Ao ressaltar esse histórico de intercâmbios, sabemos que há espaço para melhoras e esperamos que o seminário contribua para tanto.
Senhoras e senhores,
Ao me aproximar da conclusão, não poderia deixar de tecer alguns comentários sobre a participação social nas instituições e espaços internacionais.
A OIT prevê a participação dos setores empresarial, sindical e governamental desde 1919. O Comitê de ONGs do Conselho Econômico e Social da ONU existe desde 1946. Quase 80 anos depois da fundação da ONU, contudo, notamos desequilíbrios importantes.
Das cerca de 6 mil entidades que possuem o status consultivo e, portanto, a prerrogativa de participar dos encontros da ONU como observadores, apenas uma pequena fração é do Sul Global.
Barreiras linguísticas, econômicas e de outras naturezas reproduzem e ampliam, nas representações de sociedade civil nos espaços internacionais, as desigualdades existentes entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, entre centro e periferia, entre grupos privilegiados e populações vulnerabilizadas.
Recentemente, solicitei aos postos diplomáticos brasileiros no exterior colher informações sobre a experiência de diálogo entre os ministérios de relações exteriores e a sociedade civil locais.
Constatamos haver mecanismos formais e regulares de diálogo em pelo menos 8 países: África do Sul, Chile, Cuba, EUA, França, Países Baixos, Japão e República da Coreia. Há, portanto, boas práticas a serem melhor conhecidas e talvez incorporadas ao nosso repertório nacional.
Senhoras e senhores
Diante de conjuntura política global caracterizada pela dupla ameaça ao multilateralismo e à democracia, muitos governos optam por recrudescer mecanismos de controle e de supressão da livre associação e da participação da sociedade civil. O Itamaraty, por outro lado, aposta na direção contrária.
Consideramos a sociedade brasileira um ativo do país na condução de sua política externa. A autonomia, a qualificação, a diversidade e a capacidade de atuação em foros internacionais reforça a influência brasileira no mundo, mesmo quando há divergências com as posições de governo.
Os representantes do Itamaraty, de outros órgãos de governo e dos vários setores da sociedade aqui reunidos terão opiniões distintas em inúmeras questões da agenda internacional. Acredito, contudo, que todos aqui coincidam na defesa do multilateralismo, da democracia e de uma inserção internacional soberana, próspera e responsável para o Brasil.
Com essas palavras, em busca das convergências e respeitando as diferenças, agradeço a todos por atender nosso convite para este evento e desejo produtiva jornada de debates.
Muito obrigado