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Discurso do Ministro Mauro Vieira na cerimônia de homenagem aos 80 anos do Instituto Rio Branco - Brasília, 4 de agosto de 2025
Senhoras e senhores,
É uma satisfação estar presente neste auditório, na companhia de Ministros e Ministras de Estado e colegas de carreira de diferentes gerações, para celebrar os 80 anos da alma mater da diplomacia brasileira: o Instituto Rio Branco.
Começo agradecendo ao Senhor Presidente da República pelo seu apoio seguro ao Rio Branco ao longo de todos os seus governos, prova da confiança que deposita na diplomacia profissional brasileira.
Agradeço ao Presidente Lula por ter aberto, no último Dia do Diplomata, o ciclo de comemorações, que hoje se encerra, dos 80 anos do Instituto Rio Branco.
Como sabem, a data de fundação do Instituto Rio Branco coincide com o centenário de nascimento do patrono da diplomacia brasileira, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco.
O Instituto Rio Branco foi criado pelo governo Getúlio Vargas, em 18 de abril de 1945, com o propósito de conferir corpo institucional a uma excelência diplomática que já se encontrava, àquela altura, estabelecida e internacionalmente reconhecida.
O estabelecimento do Instituto inscreve-se, como já tive ocasião de notar, no marco de um projeto mais amplo de modernização do Estado, que incluiu o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, o CNPq; a Petrobrás; e a Fundação Getúlio Vargas, entre outros tantos.
Profissionalizar a formação dos diplomatas brasileiros era um imperativo no mundo do pós-guerra, que se racionalizava e especializava.
Com o Instituto Rio Branco, redobramos o investimento em uma atuação pautada por aquilo que o Embaixador Rubens Ricupero – em seu grande livro A diplomacia na construção do Brasil – denomina a “diplomacia do conhecimento”.
Há 80 anos, o Instituto Rio Branco desempenha papel central na formação de quadros estratégicos, de diplomatas e servidores do Estado brasileiro dedicados à arte do diálogo, da negociação, da cooperação e da persuasão; imbuídos de uma visão crítica ante a complexidade do Brasil e do mundo; e, como seria de se esperar, cada vez mais representativos do pluralismo e da diversidade que nos enriquecem e caracterizam como sociedade.
Alegra-me a presença, na cerimônia de hoje, do Embaixador Celso Amorim, amigo de muitas décadas e o primeiro Chanceler egresso do Instituto Rio Branco.
Ministro do Exterior por dez anos, Ministro da Defesa e hoje Assessor Internacional do Presidente Lula, o Embaixador Amorim é a melhor prova que poderíamos ter da solidez da formação profissional do Instituto Rio Branco.
Revertem para o nosso renomado Instituto as qualidades de estadista do Embaixador Celso Amorim: sempre trabalhando por uma ordem internacional pacífica em seu equilíbrio e por um Brasil desassombrado em sua grandeza.
Senhoras e senhores,
Vivemos um mundo em crescente desordem, em que se acelera a fragmentação de regras e regimes construídos para moldar o convívio entre as nações.
Assistimos em tempo real – cada um de nós – a cenários distópicos e situações antes inimagináveis.
Genocídio, iniquidade e desumanidade não alcançam para descrever plenamente a barbárie que assola o mundo e a força bruta que mutila e mata seres humanos, em certos casos pela fome como arma de guerra, sob o olhar complacente da comunidade internacional.
A lista é longa; não teríamos tempo aqui para relacionar o elenco de absurdos da cena doméstica e internacional que inundam o nosso cotidiano.
Em artigo recente em O Globo, o escritor angolano José Eduardo Agualusa afirma (e cito): “Temos dificuldade em compreender os tempos atuais porque, antes de tudo, nos falta vocabulário”. (Fim da citação).
As palavras estão gastas e parecem ter perdido a capacidade de ligar as pessoas em torno a sentidos comuns.
Esse contexto hostil é novo.
Mas em muitos sentidos remete ao mundo anterior a 1945, que julgávamos definitivamente superado.
Navegamos essa desordem conscientes do tamanho do Brasil, do seu destino de grandeza e da justa medida de suas ações.
Queremos – como disse recentemente o Presidente Lula – usar todas as palavras do dicionário para negociar soluções e encaminhar os desafios dessa nova época.
É esse o nosso dever de ofício como diplomatas.
A palavra é a arma da diplomacia, e os seus campos de batalha têm geometria variável.
Seguiremos atuantes em todas as frentes necessárias.
Mas, de nossa parte, daremos sempre preferência ao encaminhamento multilateralmente ordenado dos problemas internacionais.
Desde 1945, o Brasil aposta em dois principais pilares de ordem.
Um: o sistema de segurança coletiva centrado nas Nações Unidas.
Outro: o ideal de prosperidade por meio da integração do comércio mundial.
Os dois baseiam-se em regras e previsibilidade, e há ótimas razões para apoiar nisso o interesse brasileiro.
Estão à vista de todos as tentativas de desmonte dessa ordem internacional.
O Brasil, que nunca se furtou a apontar os limites e as insuficiências da ordem do pós-guerra, tem a força de suas convicções para sublinhar os muitos benefícios advindos dessa mesma ordem.
Reduzi-la a escombros é decretar a lei da selva, o que nunca – repito: nunca – interessou ao Brasil em toda a sua história de nação independente.
Esse tema traz à mente outro querido amigo e professor muito dedicado às suas atividades no Instituto Rio Branco, que não posso deixar de homenagear nesta ocasião: o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães.
No longínquo ano de 1999, nosso saudoso Secretário-Geral do Itamaraty já alertava para o risco de que (cito) “longe de uma era de paz e de segurança, o século 21 [fosse] caracterizado por enorme concentração de poder de toda ordem”, com os Estados da periferia sendo “atingidos pela política de força e de arbítrio” (fim da citação).
O Brasil defende o multilateralismo porque a alternativa a ele é o arbítrio unilateral e a lei da selva.
E é para termos uma ordem internacional com o sustentáculo do multilateralismo – com peso, embasamento e vigência real – que o Brasil atua por um mundo multipolar.
O Brasil não pode deixar de favorecer uma redistribuição do poder global orientada pelo que já chamei de virtude de um mundo em equilíbrio.
Atuaremos sem trégua por uma multipolaridade capaz de reconhecer as legítimas aspirações de segurança das potências do mundo em desenvolvimento e de contribuir para a conformação de entornos regionais estáveis e prósperos.
Senhoras e senhores,
O Instituto Rio Branco, que celebra 80 anos de sua inauguração, sempre foi e seguirá sendo parte indissociável desse esforço.
Os quadros nele formados são nosso grande ativo estratégico para bem lotar a rede de 228 representações no exterior.
Essa presença física, constante e permanente nos assegura capacidade de interlocução e alcance nos quatro quadrantes do mundo.
A diplomacia também é fruto de recursos e meios. Manter essa rede depende de planejamento e investimento constantes por parte da sociedade e do Estado.
Em linha com as exigências de modernização do Ministério, a administração está atenta à questão do fluxo de carreira dos diplomatas, bem como à promoção da diversidade e à inclusão em nosso ambiente de trabalho da questão da sub-representação dos grupos historicamente discriminados.
Seguiremos trabalhando para que a estruturação das carreiras permita o desenvolvimento profissional acompanhado do consequente reconhecimento de nossos servidores.
E o faremos buscando soluções em diálogo e estreita consulta com as entidades representativas de classe.
Senhoras e senhores,
Não é por obra do acaso que o Brasil tenha sediado o G-20 e o BRICS, e que sedie, nos próximos meses, o MERCOSUL, a COP-30 e a reunião da Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, a ZOPACAS.
Não é fortuito que nos tenhamos mobilizado para extrair os melhores resultados das negociações dos acordos comerciais da complexidade daqueles alcançados entre o Mercosul e a União Europeia e o Mercosul e o EFTA.
Tampouco são casuais os avanços extraordinários da nossa aproximação com a Ásia e, mais recentemente, com os países do Sudeste Asiático reunidos na ASEAN.
Não se comercia mundo afora ou se promove o Brasil com base em uma visão limitada das potencialidades do nosso país e da nossa projeção internacional.
Nosso universalismo, a capacidade de dialogar com todos os países, é uma vantagem comparativa da diplomacia brasileira frente ao mundo.
É preciso dialogar; e é preciso saber dialogar, inclusive quando usar e quando não usar as redes sociais para esse fim.
Incumbe-nos muito trabalho – um trabalho paciente, muitas vezes de bastidores, na criação e cultivo de laços, sem fotos ou recortes para internet.
Mais do que nunca, o Brasil precisa de uma diplomacia profissional – serena, firme e desassombrada – para navegar a desordem.
Faremos isso, estou certo, com o respaldo de um povo que repele visões mesquinhas e apequenadoras de seu país.
Senhoras e senhores,
Em uma breve nota pessoal, não posso deixar de referir-me aos desafios do momento, vinculados à defesa da democracia brasileira e da Constituição Cidadã de 1988.
Quando ingressei no Instituto Rio Branco em 1973, o Brasil vivia o período autoritário imposto pela força bruta em 1964 e o mundo se comunicava pela mídia tradicional – jornais, TV aberta e rádio – o telefone e o telex eram as ferramentas mais ágeis para a interlocução cotidiana na máquina do Estado e entre empresas.
O Instituto Rio Branco me preparou para aquele mundo e, de lá para cá, o Brasil concluiu com êxito uma transição democrática que nos legou a Constituição de 1988.
O mundo passou por uma revolução sem precedentes no campo da comunicação, da qual sou testemunha quando tenho à mão um celular que me habilita a contatos instantâneos com interlocutores no mundo inteiro, sejam eles colegas ou contrapartes de outros países.
E que me faz receber, em tempo real, notícias – falsas ou verdadeiras – com as quais devo lidar no processo de tomada de decisões liderado pelo Presidente Lula.
Nesse empenho de adaptação pessoal, conto sempre com os colegas de outras gerações formados pelo Instituto Rio Branco e muito mais versados que eu nas ferramentas desse mundo novo, suas vantagens e perigosos efeitos colaterais.
Da minha experiência como secretário nos tempos da redemocratização, trago o orgulho e as lições da convivência que tive com grandes brasileiros como Renato Archer – já citado pelo Ministro Celso Amorim – e Ulysses Guimarães.
Em nome da memória desses amigos e mentores, de uma geração de brasileiros que derrotaram o arbítrio, da qual faz parte o Presidente Lula, afirmo ser preciso firmeza e inteligência na defesa dos interesses brasileiros.
Tenho enorme orgulho e sentido de responsabilidade na atual tarefa de liderar o Itamaraty na defesa da soberania brasileira de ataques orquestrados por brasileiros em conluio com forças estrangeiras.
Nesse ultrajante conluio que tem como alvo a nossa democracia, os fatos e a realidade brasileira não importam para os que se erigem em veículo antipatriótico de intervenções estrangeiras.
O Brasil é uma democracia que vive o mais longo período de vigência de liberdades civis e políticas de sua história republicana.
São 40 anos de convivência democrática ininterrupta, na qual o país resolveu pacificamente crises políticas e avançou significativamente em áreas como o combate à inflação, a modernização econômica e o enfrentamento das desigualdades sociais e regionais que marcam nossa história.
Sejamos claros: nossa sociedade democrática e suas instituições derrotaram uma tentativa de golpe militar, cujos responsáveis estão hoje no banco dos réus, em processos transparentes, transmitidos pela TV em tempo real, com direito à ampla defesa e com pleno respeito ao devido processo legal.
A Constituição Cidadã não está e nunca estará em qualquer mesa de negociação.
Nossa soberania não é moeda de troca diante de exigências inaceitáveis.
Ao relembrar a figura monumental do Doutor Ulysses Guimarães, observo que é nossa responsabilidade defender a Carta e nossa ordem institucional, conquistada com sacrifício pessoal de tanta gente que ousou lutar pela liberdade e enfrentar o arbítrio.
Reafirmo: saudosistas declarados do arbítrio e amantes confessos da intervenção estrangeira não terão êxito em sua tentativa de subverter a ordem democrática e constitucional da República Federativa do Brasil.
Muito obrigado.