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Conferência do Ministro Mauro Vieira Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - Brasília, 18 de março de 2025
Excelentíssimo senhor Gilmar Mendes, Ministro do Supremo Tribunal Federal, Professor e Fundador do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa - IDP,
Prezado senhor Eduardo Granzotto, Coordenador do curso de Relações Internacionais no IDP,
Muito obrigado a todos pela presença.
Gostaria de começar expressando o meu agradecimento ao Ministro Gilmar Mendes pelo convite para esta conferência.
É sempre com muito gosto que falo sobre a política externa do governo do Presidente Lula.
É com maior satisfação ainda que falo a uma plateia de jovens dedicados a estudar relações internacionais.
É essencial para o Brasil ter um quadro qualificado de profissionais nessa área, e o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa é um reconhecido centro de excelência nesse campo.
Destaco apenas uma das razões pelas quais precisamos de uma sólida inteligência acadêmica em Relações Internacionais: não nos é possível ser indiferentes frente ao que se passa no mundo hoje.
Não é infrequente nos deparamos com a sugestão oposta – a de que o Brasil deve evitar certos assuntos, certas arenas, certos protagonismos.
Essa visão às vezes se ampara em conceitos próprios da literatura especializada de Relações Internacionais.
É o caso, por exemplo, da noção de “potências médias”, países que, embora tendo algum peso, fariam melhor abstendo-se em determinadas áreas da política mundial.
A paz e a segurança internacional seria uma delas.
Essa atitude absenteísta em temas estratégicos se coaduna bem com a ideia de que – em um mundo globalizado – o crucial para os países em desenvolvimento seria focar sua atuação na área econômico-comercial.
Segundo essa ideia, a paz seria a consequência natural – uma espécie de subproduto espontâneo – da integração comercial do mundo.
O mundo em que vivemos neste ano de 2025 torna desnecessário gastar muita energia discutindo certas premissas dessa visão, que se demonstra, cada vez mais, tímida e reducionista, especialmente para um país como o Brasil.
Parece claro que a abertura comercial não é uma tendência inexorável, mas está – na realidade – sob ataque.
Parece claro – é tão ou mais importante frisar – que a paz não será mantida sem o empenho de países interessados em contribuir no que puderem para a sustentar.
E é preciso recordar que não só a Carta das Nações Unidas fala nos Estados membros da Organização como países “amantes da paz”; a nossa própria Constituição Federal estabelece que o Brasil se deve guiar pela defesa da paz.
Fazer comércio e assistir à distância os problemas políticos e militares do mundo não é mais – se é que foi algum dia – uma atitude possível em defesa da paz.
Não posso deixar de lembrar que, no longínquo ano de 1999, meu caro e saudoso amigo, Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães – que foi posteriormente Secretário-Geral do Itamaraty por oito anos – alertava para o risco de que, “longe de uma era de paz e de segurança, o século 21 [seja] caracterizado por enorme concentração de poder de toda ordem”, com os Estados da periferia sendo “atingidos pela política de força e de arbítrio”.
Essas questões e preocupações vão adquirindo um aspecto muito tangível nos dias de hoje.
Mas, se o isolamento frente à política mundial não é mais concebível, devemos nos indagar com seriedade sobre a pertinência das teorias e das ideias que nos ajudam a refletir sobre o mundo e sobre o lugar que ocupamos nele.
Expostos – como tem que ser – às mais diversas escolas de reflexão e correntes de pensamento sobre as relações internacionais, vocês têm diante de si este fascinante desafio: pensar a peculiaridade do Brasil no mundo.
Pensar – em particular – as condições daquele outro princípio de nossas relações exteriores, estipulado no Art. 4º de nossa Constituição: a independência nacional, isto é, o antigo ideal de autonomia e não-alinhamento do Brasil.
Nesse contexto, talvez a mais marcante caraterística da política externa brasileira ao longo das últimas décadas tenha sido - salvo por lamentável e curto período recente – a defesa da ordem internacional multilateral, multipolar e fundamentada no Direito Internacional.
Em todos esses quadrantes, a execução da política externa brasileira se depara, no momento, com enormes desafios, postos pela conjuntura internacional e pela ação de algumas das potências que construíram a própria ordem na qual nos acostumamos a operar.
Senhoras e senhores,
Permito-me aqui repisar algumas constatações que efeituei em recentes análises sobre o estado em que se encontra o mundo, e tão bem relembradas pelo Ministro Gilmar Mendes.
Convivemos com problemas antigos, como a fome, a pobreza e desigualdade – esta última agravando-se consideravelmente nos tempos recentes.
Prolongam-se conflitos armados com consequências humanitárias catastróficas, como na Palestina, no Sudão, na República Democrática do Congo e também na Ucrânia. Temos, ainda, a grave ameaça do aquecimento global, realidade inegável e que demanda ação imediata.
Para fazer frente a desafios dessa monta, precisaríamos contar com a construção de consensos mínimos em cada sociedade e na comunidade internacional, de modo a conferir lastro político à nossa atuação.
O que vemos, no entanto, é a verdadeira conflagração da vida política doméstica e internacional, pela radicalização e pela desinformação, com impacto adverso sobre a convivência democrática em todas as partes do globo.
E todo esse processo ocorre em cenário de grave fragilização – até mesmo falência - de instituições internacionais, idealizadas no pós-Segunda Guerra Mundial como mecanismos para evitar e dirimir conflitos e fomentar a cooperação entre Estados, nos mais diversos ramos das atividades humanas.
A ordem construída nesse período assenta-se, como indiquei, sobre duas grandes promessas: um sistema de segurança coletiva centrado nas Nações Unidas; e um ideal da prosperidade por meio da integração do comércio mundial, baseado em regras e previsibilidade.
Esses pilares estão sob inequívoco ataque. Há clara tentativa de desmonte da ordem, sem qualquer tipo de plano viável quanto ao que deveria ser colocado em seu lugar.
No campo comercial, essa realidade é patente: estamos diante de uma profusão de medidas protecionistas e de intimidação unilateral por meio de tarifas, que, não raro, buscam objetivos inteiramente dissociados de questões comerciais.
A Organização Mundial do Comércio, em prologada crise e com o seu sistema de solução de controvérsias paralisado, já não consegue responder nem impedir o retorno a uma época que julgávamos superada – aquela em que a força de cada país valia mais do que qualquer regra para a consecução dos seus objetivos no comércio internacional.
Tudo isso acarreta grave imprevisibilidade ao sistema de trocas comerciais, que vislumbra ataques mesmo em seus arranjos bilaterais, trilaterais e plurilaterais de livre comércio. A falta de avanço em acordos multilaterais cobra, agora, o seu preço.
Na seara da paz e segurança, as consequências da incapacidade de ação do Conselho de Segurança das Nações Unidas são ainda mais graves.
Nos conflitos na Ucrânia e na Palestina, por exemplo, o Conselho teve sua atuação sistematicamente bloqueada por meio do uso do direito de veto que ainda detêm os cinco membros permanentes daquele órgão.
O resultado dessa inação todos nós conhecemos bem, sobretudo em Gaza, onde, em 17 meses de conflito, mais de 80% da infraestrutura física foi destruída e praticamente a totalidade de sua população vive em condições extremamente precárias. Temos, até o momento, o inaceitável número de cerca de 48.900 vítimas civis, das quais cerca de 18.000 são crianças.
Isso sem contar o saldo dos ataques da última noite a Gaza, com pelo menos 400 vítimas fatais.
O conflito na Ucrânia, por sua vez, completou recentemente 3 anos, ainda sem uma perspectiva concreta de paz.
O Presidente Lula vem conclamando, desde o início das hostilidades, pelo estabelecimento de processo de paz que envolva as duas partes beligerantes em conversas diretas, calcado na premissa de que uma solução puramente militar não será capaz de promover uma paz duradoura.
É preocupante, no entanto, ver que um processo de paz que possa efetivamente dar fim ao conflito ainda não parece estar em curso.
Se antes assistíamos a iniciativas que traziam apenas a Ucrânia para a mesa, agora surge movimento que, aparentemente, busca repetir esse padrão, mas tendo a Rússia como interlocutor.
Nesse sentido, os Entendimentos Comuns entre China e Brasil sobre a Resolução Política da Crise na Ucrânia constituem importante iniciativa para promover ambiente em que conversas sobre o encerramento das hostilidades possam ocorrer.
Em outras searas da esfera multilateral, vemos instituições internacionais da importância da Organização Mundial da Saúde sob ataque, e o regime internacional do combate à mudança do clima sob pressão.
Para além de tudo isso, vemos, agora, questionamentos explícitos e diretos a princípios que entendíamos como invioláveis, como a soberania nacional, a integridade territorial e a prevalência do Direito sobre a força.
Como já afirmei recentemente, vemos, em resumo, um cenário internacional deteriorado, em que a tentação do desmonte da ordem - ou da propagação da desordem – é vetor central.
Caros alunos, Ministro Gilmar,
Em meio à conjuntura acima descrita, gostaria de falar-lhes sobre a maneira pela qual o governo do Presidente Lula tem buscado defender (o que chamei recentemente de) a virtude de um mundo em equilíbrio: seguro, justo e sustentável.
Para tanto, a política externa do Brasil reforçou e retomou várias linhas de ação internacional que são parte inerente da tradição diplomática do nosso país.
Entre essas, destaco o universalismo das nossas relações, com contatos diplomáticos formalmente estabelecidos com todos os demais 192 Membros das Nações Unidas, além da Santá Sé e da Palestina; a participação ativa em foros de diversas configurações, como G20, BRICS, CPLP, entre outros; a busca pela integração regional, marcada pelo MERCOSUL, pela CELAC, pelo Consenso de Brasília, pela OTCA e por tantas outras iniciativas; e a defesa da igualdade entre os Estados, da soberania e da integridade territorial, da autodeterminação dos povos e dos direitos humanos.
Na seara multilateral, por exemplo, a forma de atuação do Brasil pôde ser vista ao longo de 2024, quando buscamos obter resultados concretos na presidência de turno do G20.
Dada a crise que assola instâncias decisórias internacionais – assim como a resistência em reformá-las –agrupamentos informais e flexíveis de concertação passaram a ter maior destaque para a consecução de objetivos de política externa.
No caso do G20, têm-se foro que congrega países desenvolvidos e em desenvolvimento, potências tradicionais e emergentes, o G7 e o BRICS.
Contando com 69% da população e 85% do PIB mundiais, o G20 talvez seja, hoje, o agrupamento com melhores condições de tomar decisões com impacto internacional.
Tendo essas constatações como premissas, o Brasil trabalhou arduamente ao longo de sua presidência do Grupo em 2024 para abordar questões fundamentais e manter o G20 no centro dos principais desafios internacionais de nossos dias.
Trabalhamos para formular propostas concretas que pudessem contribuir para aliviar a fome, a pobreza e a desigualdade, assim como para apoiar as reformas tão necessárias na arquitetura da governança global e para garantir adequado financiamento climático.
Na questão do combate à desigualdade de renda e à segurança alimentar, logramos a concepção, a estruturação e, durante a Cúpula do G20 no Rio, o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza.
Com o apoio de mais de 160 membros fundadores, incluindo países, organização internacionais e entidades privadas, a Aliança buscará transpor, para o plano global, a concepção que sempre orientou o Brasil em sua agenda de cooperação internacional, com a valorização das experiências exitosas surgidas no hemisfério sul.
No dia último dia 11 de fevereiro, ocorreu em Roma a reunião inaugural do Conselho de Campeões da Aliança Global, marcando um passo decisivo para sua operação concreta.
Ao lado do Brasil, a Espanha co-preside o Conselho, que conta, ainda, com a participação de China, Índia, Quênia, Reino Unido, Portugal e Noruega como vice-presidentes.
A segunda vertente da desigualdade que a presidência brasileira do G20 buscou endereçar foi a desigualdade entre Estados, refletida na distribuição de poder nas estruturas dos organismos internacionais multilaterais.
Para promover impulso político à reforma da governança global, a presidência brasileira, em inédita reunião de Chanceleres realizada na sede da Nações Unidas, em Nova York, logrou adotar, por consenso, um “Chamado à Ação”.
Esse documento – igualmente inédito como produto de reuniões de Chanceleres do G20 – traz as grandes linhas dessa nova arquitetura, incluindo em seu texto diretrizes mínimas sobre reformas das Nações Unidas, do sistema financeiro internacional e do sistema multilateral de comércio.
Entre os seus principais pontos, destaco o chamado à reforma do Conselho de Segurança e o reconhecimento da necessidade de adequá-lo ao mundo e aos desafios do século XXI.
Igualmente relevante é o reconhecimento da necessidade de conferir maior participação aos países emergentes em instâncias decisórias das instituições financeiras, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial.
É também elemento central do Chamado o compromisso com um sistema multilateral de comércio centrado numa Organização Mundial do Comércio dotada de um sistema de solução de controvérsias plenamente funcional.
O terceiro e último aspecto da desigualdade abordado pela presidência brasileira do G20 foi a diferença entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento no que diz respeito ao combate e às consequências da mudança do clima.
Nesse ponto, destaco a criação da Força-Tarefa de Clima, por meio da qual o G20 assumiu compromisso de liderança rumo a mudanças estruturais nas economias nacionais, em sua transição ao modelo de produção de baixo carbono, bem como no sistema financeiro internacional, para alavancar o financiamento dessa transição.
E, na interseção entre essa questão e a própria questão de reforma da governança global, o Brasil apresentou a proposta de se discutir a criação de um Conselho de Mudança Climática das Nações Unidas, cujo objetivo seria dotar a Organização de um foro próprio para o tema.
Após um ano de intensas negociações e de grandes resultados, foi com muita satisfação que vimos a presidência subsequente do G20, exercida pela África do Sul neste ano de 2025, encampar grande parte da agenda construída pelo Brasil.
A presidência sul-africana, nesse sentido, indica claramente que seguirá adiante com o combate à desigualdade, como se observa na proposta de criação de forças-tarefa sobre crescimento econômico inclusivo e sobre segurança alimentar, entre outras de suas iniciativas.
Alicerçados na cooperação entre os países do Sul Global, apoiaremos a presidência da África do Sul do G20 em seus objetivos, como tive a satisfação de expressar durante a recente reunião de Chanceleres do Grupo, ocorrida nos dias 20 e 21 de fevereiro em Joanesburgo.
Senhoras e senhores,
Ao tratar da necessidade incontornável de participação dos países em desenvolvimento na construção de soluções duradouras para os desafios contemporâneos, não podemos deixar de mencionar o BRICS, cuja presidência é exercida pelo Brasil neste ano de 2025.
O BRICS é possivelmente, hoje, o grupo que melhor representa os anseios do mundo em desenvolvimento. A recente expansão do BRICS de cinco para onze membros, decidida na cúpula de Joanesburgo em 2023, teve grande impacto na política internacional.
Além do Brasil, o grupo conta, hoje, com África do Sul, Arábia Saudita, China, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Índia, Indonésia, Irã e Rússia, como Membros plenos.
Desde a cúpula de Kazan, realizada no ano passado durante a presidência russa, o BRICS passou a ter, ao lado dos seus membros plenos, uma nova categoria de países parceiros.
Tudo isso aumenta a expectativa para a próxima cúpula do BRICS, a ser realizada nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro. Essa será a primeira ocasião em que o grupo se reunirá com sua nova composição de membros e parceiros, sendo essa última categoria composta por Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Uganda, Uzbequistão e Tailândia.
Aqui, faz-se indispensável reforçar noções centrais ao Brasil a respeito do papel do BRICS no mundo: trata-se, primeiramente, na visão do Brasil, de agrupamento que trabalha a favor da cooperação e do desenvolvimento de seus membros – e não contra quem quer que seja.
Em segundo lugar, não se pode perder de vista a relevância do conjunto de países do BRICS na conjuntura global, tanto em termos relativos como absolutos: seus países reúnem aproximadamente metade da população mundial e 39% do PIB global. O grupo é, ainda, responsável por cerca de metade da produção energética do mundo.
Esses números demostram, por si sós, o potencial do BRICS expandido para atuar na reformulação da ordem mundial como fator positivo, agregando a visão e os anseios do Sul Global e permitindo que a voz desse grupo de atores possa projetar-se e ser ouvida.
É com esse espírito que conduziremos os trabalhos do grupo neste ano, buscando ser uma força positiva de transformação das relações internacionais.
Não nos deixaremos impactar pelos que pregam antagonismos artificiais ou maniqueísmos em política externa, características totalmente estranhas à melhor tradição diplomática do Brasil.
Buscaremos oferecer soluções nas áreas em que o mundo mais necessita delas, a exemplo da cooperação em saúde global, no aprimoramento do sistema monetário e financeiro internacional e no desenvolvimento de instrumentos de pagamento locais que facilitem o comércio e o investimento entre os países que compõem o bloco.
Nesse último tema, o Brasil baseia suas propostas nas experiências já implementadas, por exemplo, no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), com o seu Convênio de Pagamentos e Créditos Recíprocos (CCR).
Trata-se, claramente, de medida em favor dos países em desenvolvimento, ao permitir maior flexibilidade e agilidade em suas trocas comerciais, bem como reduzir os custos das respectivas transações.
O BRICS será instrumento essencial, ademais, para a consolidação das posições de blocos e regiões com vistas à COP-30, que o Brasil sediará, em novembro, na Floresta Amazônica, na cidade de Belém.
Neste momento crucial para o combate às mudanças climáticas em um ambiente geopolítico complexo, é de extrema importância que os países façam um esforço decisivo por um resultado ambicioso.
Almejamos, nesse sentido, construir propostas que permitam evitar o limite crítico de 1,5° centígrado acima dos níveis pré-industriais. Buscaremos, igualmente, promover mecanismos inovadores e eficazes para o financiamento climático.
Caros alunos,
Para a consecução desses – e de outros - objetivos, trabalharemos para formar consensos e concertar posições no G20, no BRICS e em diversos outros foros, bem como em contatos bilaterais.
Cito, aqui, a realização da Cúpula de Presidentes dos países amazônicos, em junho de 2023, que dotou a Organização do Tratado da Cooperação Amazônica (a OTCA) de novos mandatos para uma ação decidida em favor do bioma amazônico e de seus habitantes.
Com os países do Caribe, por sua vez, para os quais a crise climática é questão existencial, debateremos esse e outros temas na cúpula Brasil-Caribe, que será realizada no dia 13 de junho próximo, em Brasília.
Merece destaque, ainda, a retomada do engajamento com a África para a política externa brasileira.
O Presidente Lula, desde 2023, já visitou Angola, África do Sul, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Egito e a Etiópia, com destaque, neste último, para sua participação como convidado especial na abertura da 37ª Cúpula da União Africana.
Nesse período, também realizei viagens e intensifiquei o diálogo com nossos homólogos do continente africano. Apenas na semana passada, por exemplo, realizei viagem para cinco países da África Ocidental: Benim, Cabo Verde, Costa do Marfim, Nigéria e Senegal.
Essas visitas tiveram como foco o fortalecimento das conexões entre Brasil e África Ocidental, com ênfase na necessidade de estabelecer ligações aéreas e marítimas diretas, bem como no interesse africano em expandir as relações comerciais e atrair investimentos brasileiros.
Discutimos, ademais, temas de grande relevância para o Sul Global, como a reforma da governança global, a cooperação Sul-Sul, com foco em agricultura, e o combate à mudança do clima, tendo a realização da COP 30 em Belém como pano de fundo.
Honrando o caráter universalista da nossa política externa, não pouparemos esforços, ao mesmo tempo, para o reforço ao diálogo com nossos parceiros do Norte do planeta.
Aqui, me vem à mente nossas excelentes relações com a União Europeia e a recente conclusão do acordo de associação econômica entre aquele bloco e o Mercosul - após mais de 20 anos de tratativas.
Para além dos ganhos comerciais e dos incentivos a investimentos advindos da integração de um mercado de mais de 700 milhões de habitantes, o acordo, ao aproximar América do Sul e Europa, consolida os valores transatlânticos comuns: a defesa da democracia e o respeito aos direitos humanos.
Esse importante marco reforça a vocação do Mercosul como base para a inserção comercial do Brasil e do Cone Sul no mundo. Não há dúvidas que, ao negociarmos como bloco, agregamos força às nossas demandas e podemos obter resultados mais ambiciosos.
O Brasil, durante a sua presidência pro tempore do Mercosul, que ocorrerá no segundo semestre de 2025, buscará fortalecer a agenda interna e externa do bloco.
Nunca é demais ressaltar a importância do Mercosul como elemento estratégico da integração sul-americana. Para além de integrar as cadeias industriais dos seus países membros – entre os quais, desde 2024, se inclui a Bolívia - o bloco propicia inestimável base para concertação política, incluindo temas sociais, direitos humanos e democracia, entre outros.
Constitui, ademais, marco histórico na relação entre Brasil e Argentina, ao configurar o ápice do processo de superação das rivalidades existentes até os anos 1980.
Na complexa e desafiadora conjuntura internacional em que nos inserimos, na qual princípios e valores fundamentais se encontram sob questionamento, é preciso, mais do que nunca, a congregação dos países alinhados com a democracia e a pluralidade de ideias.
Em cenário no qual as bases em que se assenta a democracia sofrem ataques sistemáticos – inclusive em países do mundo desenvolvido e a partir deles – aqueles que prezam pelos valores democráticos precisam se unir e agir.
Não por outra razão, o Brasil vem se articulando com outros governos progressistas e democráticos da região, como Colômbia, Chile e México, entre outros, para promover a defesa desses valores.
Essa parceria, ademais, estende-se também para o outro lado do Atlântico, com a Espanha, e inclui a União Europeia e governos de seus países membros na resistência às tentações autoritárias que parecem se espalhar pelo globo.
A Cúpula pela Democracia, realizada pela primeira vez em setembro passado, à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, foi marco relevante desse movimento.
Buscaremos realizar novas edições desse evento, congregando novos participantes e apresentando propostas concretas para o fortalecimento e a defesa da democracia no mundo.
Essa tarefa, em verdade, constitui parcela indissociável da nossa identidade enquanto nação e do nosso papel enquanto liderança.
Sofremos no Brasil, há pouco mais de dois anos, nefasta tentativa de golpe, que, mesmo fracassada, propagou ódio em nossa sociedade e promoveu graves danos às sedes dos Três Poderes da República. Sabemos, mais do que nunca, que a defesa das nossas instituições demanda atuação permanente.
Diante disso, não podemos e não vamos estar alheios ou nos omitir nessa batalha, que travaremos com os instrumentos mais consagrados pela Constituição Federal de 1988 e pela nossa tradição diplomática: o diálogo, a concertação e a cooperação.
Ministro Gilmar Mendes,
Caros alunos,
Com essas considerações, chego às conclusões finais da minha exposição.
Como dizia o Chanceler Antônio Francisco Azeredo da Silveira – meu chefe como Embaixador em Washington, na primeira lotação que tive no exterior – o Brasil nunca será satélite de qualquer outro Estado.
Na expressão dele: o Brasil é um país “insatelitizável”. Tem e deve ter trajetória internacional própria e soberana.
Para isso, devemos pensar com a nossa própria cabeça – com nossas próprias categorias – sobre o que se passa na esfera internacional.
Vivemos um tempo desafiador em que é preciso ter visão de mundo e visão das peculiaridades do interesse nacional brasileiro.
Um tempo em que, mais do que nunca, é preciso dialogar, mas também entender que a diplomacia dialoga com vistas à proteção da soberania e dos interesses nacionais do Brasil.
Para superar os desafios que o contexto internacional coloca diante de nós, estaremos sempre prontos para pensar e agir com independência.
A grandeza do nosso país demanda isso de todos nós.
Muito obrigado.