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Discurso na cerimônia de entrega da Medalha Tiradentes, conferida pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - 3 de abril de 2006
Por iniciativa da liderança do PC do B, a Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro houve por bem homenagear a política externa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, concedendome a Medalha Tiradentes, a mais alta comenda deste Estado. Agradeço profundamente o autor da iniciativa, Deputado Edmilson Valentim, que foi o mais jovem integrante da Assembléia Nacional Constituinte e vem tendo, em sua vida parlamentar, atuação marcante na defesa dos direitos dos trabalhadores. Sempre valorizei a atividade parlamentar. Por essa razão, sinto-me especialmente honrado com a distinção que hoje me estendem os representantes do povo fluminense. Tenho uma relação afetiva com o Estado e a cidade do Rio de Janeiro. Aqui vivi anos marcantes de minha infância e juventude, que tiveram sem dúvida impacto duradouro na minha formação e na minha maneira de ver o mundo. Foi do Rio o meu primeiro título de eleitor, com o qual exerci minha cidadania em anos de grande efervescência democrática. Naqueles saudosos tempos, lendo o livro clássico do sociólogo Karl Mannheim, “Ideologia e Utopia”, aprendi que ser utópico não tem uma conotação simplista de ingenuidade e fantasia. Ao contrário, pensar além do real aparente é uma forma poderosa de reação contra o conservadorismo e as ideologias que, por princípio, se opõem à mudança. Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, foi ele próprio um visionário. Por ter ousado imaginar um Brasil independente enfrentou o martírio. Mas sua luta apontou o caminho para todos que não admitem abdicar dos seus ideais.
Senhor Presidente, Nos últimos anos, o Brasil vem procurando ocupar o lugar que lhe cabe no mundo. A política externa do Presidente Lula busca resultados concretos que têm revertido em benefício do país e colaborado para a promoção do desenvolvimento econômico com justiça social. Há quem diga que ser realista é aceitar o mundo como ele nos é apresentado. De nada adiantaria tentar transformá-lo. Permito-me discordar. Na política internacional, ser realista é ter coragem de defender com atitudes sérias e ações conseqüentes o interesse nacional. É não abdicar dos princípios e valores que esposamos. De forma consistente, nos opusemos à intervenção, sobretudo militar, não autorizada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Insistimos ativamente na busca de soluções pacíficas para situações complexas como a do Iraque e, em geral, para a questão do Oriente Médio. Por outro lado, não nos furtamos a cooperar, sempre que solicitados, para o encaminhamento de questões potencialmente conflituosas, sobretudo na América do Sul. Não confundimos não-intervenção com indiferença. Desde o início do Governo Lula, a atuação externa do Brasil vem sendo marcada pela diversificação de parcerias e pela busca incessante de novas oportunidades para o país. O que se passou nos quatro últimos dias, aqui no Rio de Janeiro, é um exemplo ilustrativo dessa diversificação. Na quarta e na quinta-feira, reuni-me com os Chanceleres da África do Sul e da Índia.
No contexto do Foro IBAS, adotamos várias medidas para intensificar o diálogo político, o comércio, os investimentos e a cooperação entre três grandes democracias da Ásia, África e América do Sul. Logo após, mantive consultas com o Comissário Europeu de Comércio e o Representante Comercial dos Estados Unidos, principais negociadores das duas maiores potências comerciais do mundo. Nessas consultas, buscamos criar condições para a conclusão da atual Rodada de negociações da OMC, em termos justos e que atendam a seu principal objetivo, que é a promoção do desenvolvimento. Essas duas reuniões, realizadas em tão curto espaço de tempo, mostram que a política externa brasileira tem caráter universalista, sem exclusões ou preconceitos. Mostram também uma mudança qualitativa na presença do Brasil no cenário internacional. A ilustração mais eloqüente deste novo perfil foi a criação do G-20, que mudou a forma e o conteúdo das negociações na OMC. Nas Rodadas anteriores, os acordos eram definidos a portas fechadas por um pequeno grupo de países ricos. Esse quadro agora é outro.
A aproximação do Brasil com outros países em desenvolvimento foi fundamental para essa nova realidade. Buscamos reforçar a integração em nossa região, construindo uma América do Sul mais próspera e politicamente estável, a partir da consolidação do Mercosul e da construção da Comunidade Sul-Americana de Nações. Concluímos acordos que estabeleceram, na prática, uma área de livre comércio em toda a América do Sul e criamos condições para uma expansão inédita do intercâmbio entre os países sul-americanos. Demos também impulso a grandes projetos que vão redesenhar a infra-estrutura da América do Sul. Essas iniciativas exigiram um esforço coletivo para acomodar assimetrias e o reconhecimento permanente pelo Brasil de sua responsabilidade como principal economia da região. Nosso empenho no estabelecimento de alianças com outros países não tem ficado circunscrito a nossos vizinhos. Nunca o Brasil buscou tanto aproximar-se da África, continente com o qual temos inúmeras afinidades e onde também identificamos oportunidades de comércio e cooperação, que já se concretizam. O Presidente Lula visitou 17 países do continente e recebeu grande número de Chefes de Estado africanos. Eu próprio participei de muitas reuniões no continente africano, buscando consolidar alianças e laços de cooperação. Contribuímos, com espírito solidário, para a paz e a democracia em países como a Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. Ajudamos a combater a fome e nos engajamos na luta contra o flagelo da HIV/ AIDS. Em julho próximo, sediaremos em Salvador a maior conferência de intelectuais africanos e da diáspora já realizada fora da África. A mesma solidariedade tem inspirado a participação brasileira nos esforços de paz das Nações Unidas no Haiti. O envolvimento do Brasil e de outras nações latino-americanas naquele país envolve três objetivos: a criação de um ambiente de segurança, a promoção do diálogo político e o efetivo apoio internacional para a reconstrução econômica e social do Haiti. A competente atuação de nossas Forças Armadas e a capacidade de articulação diplomática do Brasil, envolvendo ativamente os países do Caribe, contribuíram para a evolução positiva da situação no Haiti. A recente eleição do Presidente René Préval, em clima pacífico, serve de alento para um país cujas origens históricas estão intimamente ligadas à luta pela independência e pela liberdade em nosso continente.
O caráter universalista da política externa brasileira revelou-se, também, na iniciativa de sediar a Cúpula entre a América do Sul e os Países Árabes, no ano passado, e no fortalecimento dos laços com entidades regionais, como a Liga dos Estados Árabes e o Conselho de Cooperação do Golfo. A Cúpula reuniu, pela primeira vez, duas grandes regiões do mundo em desenvolvimento, em torno de uma agenda densa de cooperação. Foi uma demonstração concreta da harmonia tão necessária entre culturas. Essas e outras iniciativas diplomáticas com países em desenvolvimento, conduzidas pelo Governo do Presidente Lula, tiveram impacto direto no aumento das exportações brasileiras. Em 2002, nossas vendas para o mundo em desenvolvimento representavam menos de 43% do total. Hoje correspondem a mais de 53% do total exportado. Procuramos também ampliar o diálogo político, a cooperação tecnológica e o intercâmbio comercial com grandes países emergentes. Para a China, nossas vendas cresceram cerca de 170% nos últimos três anos. Para a Rússia, as exportações brasileiras foram ampliadas em 140% no mesmo período. A trajetória de aproximação com os países em desenvolvimento não se fez em detrimento do relacionamento com o mundo desenvolvido. Desde o início de seu mandato, quando esteve no Fórum Econômico de Davos, o Presidente Lula estabeleceu uma relação de respeito mútuo e colaboração com vários líderes dos países mais ricos, com os quais tem discutido os principais temas da realidade internacional e lançado iniciativas importantes, como a luta contra a fome e a pobreza no mundo. No plano comercial, os negócios com os países desenvolvidos têm-se ampliado. Nossas exportações para os Estados Unidos e para a União Européia atingiram, no ano passado, valores recordes. O fato de o Brasil ter hoje uma política externa universalista e afirmativa fortalece o país nos foros internacionais. A democratização desses organismos constitui um dos objetivos de nossa diplomacia. Articulamos, com outros importantes atores do cenário político internacional, a expansão do Conselho de Segurança das Nações Unidas, com o propósito de corrigir seu déficit de representatividade.
Senhor Presidente,
O Brasil tem credibilidade internacional porque não teme lutar por seus direitos e porque acredita que suas opções não estão prédeterminadas. A política externa de um país vai além de sua circunstância; é precisamente um espaço de superação de condicionamentos. Ativos de valor intangível e elementos simbólicos não são fatores desprezíveis nas relações internacionais. Uma determinada atitude política pode fazer a diferença. Pode alterar percepções, reverter práticas longamente cristalizadas e apontar novos caminhos.
Senhor Presidente,
Como Tiradentes, o povo do Rio de Janeiro sabe que os sonhos não são negociáveis. O projeto de nação que Tiradentes tinha em mente continua vivo: um Brasil livre e soberano, que alça sua voz ao mundo e se faz presente na comunidade das nações.
Muito obrigado