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Discurso na Cerimônia Comemorativa do Dia da Amizade entre Brasil e Argentina - Palácio Itamaraty, 30 de novembro de 2004
Comemoramos hoje, 30 de novembro, pela primeira vez, o “Dia da Amizade entre Brasil e Argentina”. Nesta data, há 19 anos, reuniam-se, num encontro histórico, os Presidentes José Sarney e Raul Alfonsín. Com singular visão de futuro, os Presidentes deram os passos efetivos rumo à integração bilateral, sem a qual o MERCOSUL não teria acontecido. Quem poderia imaginar que o comércio bilateral cresceria mais de doze vezes desde então? Inúmeras empresas brasileiras se estabeleceram na Argentina e vice-versa, gerando empregos e contribuindo para o desenvolvimento comum. Tive a satisfação de comprovar pessoalmente o enorme interesse dos empresários brasileiros no processo de integração. Em 14 de outubro último, a meu convite e na companhia do Chanceler Rafael Bielsa, foi realizada em São Paulo importante reunião com representantes argentinos e brasileiros dos setores agrícola, financeiro e industrial. Os empresários decidiram naquela oportunidade criar a Coalizão Empresarial Brasil-Argentina. Na semana passada, fui a Buenos Aires para a segunda reunião da Coalizão Empresarial, quando o Ministro Bielsa nos ofereceu um jantar no Palácio San Martin. Temos discutido com esse grupo empresarial os benefícios da integração bilateral e regional, com base em uma agenda para o futuro, que inclui formação de “joint ventures”, mecanismos para financiamento das cadeias produtivas, desenvolvimento de pesquisas conjuntas, entre outros temas de comprovado interesse.
É importante que os empresários discutam entre si e façam propostas ao Governo. Em campos onde antes prevaleciam rivalidade e competição, hoje predomina a cooperação. Na área militar, vale a pena enfatizar a atuação das Forças Armadas pela manutenção da paz no Haiti. A cooperação na área energética avança a passos largos. A confiança mútua eliminou obstáculos para o uso pleno e pacífico da energia nuclear. A crescente aproximação entre Brasil e Argentina, juntamente com o Uruguai e o Paraguai, permitiu, como já disse, fazer avançar o projeto do MERCOSUL, que tem atraído importantes Estados associados, como a Bolívia, o Chile, o Peru, o Equador, a Venezuela. A integração no MERCOSUL e na Comunidade Andina, perseguida com determinação, já atraiu os países que não são membros desses dois blocos: Chile, Guiana e Suriname. Conseguimos, no último ano, avançar no acordo comercial entre o MERCOSUL e a CAN. Se hoje nos encontramos, portanto, às vésperas da criação de uma Comunidade Sul-Americana de Nações, não como uma figura de retórica, mas como algo embasado em acordos comerciais efetivos, como algo embasado também em projetos de infra-estrutura que se estão desenvolvendo, muito devemos aos esforços pioneiros de entendimento entre Argentina e Brasil. É certo que essa aproximação não eliminou todos os problemas, que são previsíveis e até corriqueiros num relacionamento tão denso. Não devemos dramatizá-los. Dizia eu aos empresários argentinos e brasileiros, há pouco nesse jantar tão agradável que tivemos no San Martín, que, da primeira vez que fui Embaixador no GATT - hoje a OMC é um pouco diferente, como sabe o Embaixador Seixas Corrêa-, por causa da estrutura, as soluções de controvérsias - como sabe também o Embaixador Hugueney - iam todas para o Conselho do GATT.
Então, os embaixadores inevitavelmente estavam lá. Hoje em dia, eles só vão ao Conselho de Solução de Controvérsias se houver assunto do seu interesse direto. Mas, naquela época, essas controvérsias eram arroladas no Conselho do GATT. Já havia o acordo de livre comércio entre o Canadá e os Estados Unidos - aliás o maior comércio bilateral do mundo - e, no entanto, sempre se via presente no Conselho do GATT, como primeiro item, ou um dos itens, por exemplo, “bebidas alcóolicas – Estados Unidos contra Canadá”, e, logo abaixo , “bebidas alcoólicas – Canadá contra Estados Unidos”. Estou mencionando bebidas alcoólicas porque, por acaso, era o item que aparecia. Não há nenhum outro interesse de se fazer publicidade a respeito, mas é para dar a idéia às pessoas que só têm problemas comerciais países que têm comércio denso. Países que não têm comércio denso não têm problemas comerciais, ou têm pouquíssimos. O que distingue um projeto de integração é a nossa capacidade de relativizar esses problemas no contexto de um esforço mais amplo. É isso que nos anima, que anima os Governos, que anima o Presidente Lula e o Presidente Kirchner, que anima os Ministros das mais variadas pastas e os Embaixadores. Creio que é o que temos conseguido. Sinto-me, sinceramente, extremamente estimulado pelo que fomos capazes de fazer nessas duas reuniões da Coalizão Empresarial. Não se pode dizer que são jornadas porque se realizaram à noite, então são noitadas empresariais brasileiro-argentinas, mas com muita densidade de discussão. Com cobranças dos Governos, como é natural que vocês esperem dos empresários, mas também com capacidade de ouvir. Enquanto no início da discussão havia referências a um ou outro problema específico, já ao final estávamos discutindo questões como essas que mencionei, “joint ventures”, quais são os mecanismos financeiros que necessitamos conjuntamente para fazer com que se desenvolvam cadeias produtivas.
Cito a área empresarial porque, naturalmente, é a área onde tendem a surgir questões de eventual discordância, que são normais, repito, em um relacionamento que tenha essa densidade e que vai ser cada vez mais denso. Portanto, problemas pontuais vão continuar a ocorrer. Quem acompanhou o processo de integração da União Européia sabe como são essas questões. Agora, acho que a integração não se limita a isso. Eu me felicito muito com a presença dos dois grandes professores conosco. Infelizmente, não poderei ouvir as palestras porque Ministro infelizmente não faz o que quer, faz só o que pode ou o que mandam. Mas vejo que, na área cultural, a nossa integração vai se aprofundando. Eu costumava dizer que na América do Sul em geral, e entre o Brasil e a Argentina, só era conhecido no outro país aquele que já era conhecido internacionalmente. Era necessário, de alguma maneira, do espelho europeu ou norte-americano para projetar a imagem de um artista brasileiro, de um cantor brasileiro ou argentino, no outro país. Isso está mudando. Conheço o exemplo que me é mais próximo, pela minha história de vida, que é o do cinema. Acho que, ultimamente, até não posso dizer isso alto, tenho visto mais filmes argentinos do que brasileiros, ou pelo menos tantos filmes argentinos quanto brasileiros, aqui no Brasil. E até um filme uruguaio também recentemente. Então, não é que eu queira fazer propaganda individual de cada filme, mas isso demonstra que há, digamos, um desejo de conhecer-nos reciprocamente. O cinema e outras manifestações de cultura são janelas para o mundo, para a alma humana, para outras formas de ser. Esse desejo de conhecer, que está presente e é cada vez mais forte entre nós, é que vai ser o verdadeiro motor para a nossa integração. Sei que serão homenageados dois cineastas - e por isso também me detive no cinema -, um brasileiro, Beto Brant, um argentino, Hector Oliveira. Até quando li Hector Oliveira fiquei na dúvida se era o brasileiro-argentino Hector Babenco, mas entendo que é argentino. É o mesmo? Não, é um outro, é um outro, mas temos o Hector Babenco que é brasileiroargentino também. Ele próprio já realizou a integração. E aqui estarão os senhores ouvindo as palestras dos professores Hélio Jaguaribe e José Paradiso, que tiveram a gentileza de juntar-se a nós. Creio que pouca coisa nas relações internacionais do Brasil, se é que alguma, seja mais importante do que a nossa aproximação com a Argentina. A nossa aproximação com a Argentina foi, indiscutivelmente, a base do MERCOSUL.
Assim o MERCOSUL começou, com o desejo manifestado pelo Uruguai e pelo Paraguai de se unirem a nós. Assim está se realizando a integração sul-americana, com a colaboração naturalmente dos outros países, e é algo que não podemos dispensar. Acho que ela tem de estar presente no campo econômico, tem de estar presente no campo estratégico. Li, por exemplo, há algumas semanas, que se realizaria um seminário importante no Brasil de nanotecnologia. É uma tecnologia absolutamente nova. Então, por que, em vez de esperarmos que cada um desenvolva a sua parte, não trabalhamos juntos desde o início, desenvolvemos juntos? É o que temos que fazer. No campo da cultura, sentimos esse esforço se desenvolvendo de maneira notável. No campo esportivo, as rivalidades ficam, porque alguma rivalidade é preciso manter também para estimular os sentimentos de competição, mas que nunca podem superar os de solidariedade e de cooperação. Mas mesmo nesse campo, sonho - não sei se viverei para ver, porque digo isso há dez anos e até hoje não consegui que ocorresse - que haja um jogo de futebol entre MERCOSUL e União Européia. O jogo poderia valer algumas tarifas ou algumas cotas, alguns serviços também para deixá-los com algum interesse na partida, mas, independentemente do que se possa ganhar no jogo, o que eu mais desejaria seria ver os cidadãos do MERCOSUL identificados com uma camiseta do MERCOSUL. Temos, hoje, uma bandeira do MERCOSUL permanentemente hasteada aqui fora no meu Gabinete, e fiquei muito feliz de ver recentemente também no Gabinete do Ministro Lavagna uma bandeira lá.
Não sei se o povo já se identifica com essas bandeiras, então o jogo de futebol teria esse mérito, quer dizer, para trabalhar no imaginário das pessoas. A nossa determinação em fortalecer todos os aspectos da cooperação e da amizade entre Brasil e Argentina é inabalável – e certamente este é o pensamento do Presidente Lula enviado ao Presidente Kirchner,. É o relacionamento mais importante que o Brasil tem e é a base de outros relacionamentos que são também importantes. Queria simplesmente dizer que me encontro muito feliz por poder participar desta cerimônia, que para muitos de nós tem um significado enormemente importante. Quero agradecer a todos o fato de comparecerem aqui em um dia que é meio feriado distrital, se não nacional, e dar por encerradas minhas palavras e oferecer agora a palavra ao Embaixador Lohlé.