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Discurso do senhor Ministro de Estado Cerimônia de abertura do período de sessões da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil - 22 de agosto de 2022
É com grande satisfação que inauguramos, no Brasil, o 150º Período Ordinário de Sessões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. É a terceira vez que a Corte nos brinda com sua presença em território nacional, após os períodos de sessões de 2006 e 2013, também realizados em Brasília.
A cada sessão renovamos, para o público brasileiro, a difusão do trabalho crucial da Corte na promoção e defesa dos direitos humanos em nosso continente.
Neste momento tão especial, não posso deixar de lembrar de um grande jurista que foi magistrado da Corte Interamericana e, de 1999 a 2004, seu presidente: o professor Antônio Augusto Cançado Trindade, que nos deixou em maio passado, no exercício de seu segundo mandato de juiz da Corte Internacional de Justiça.
A trajetória do professor Cançado Trindade reflete os valores mais caros da sociedade brasileira, ao dedicar sua vida profissional e seu brilho intelectual à causa da justiça e dos direitos humanos. O professor Cançado Trindade legou, à Corte Interamericana, uma jurisprudência rica em conceitos destinados a dar efetividade à proteção internacional dos direitos humanos.
Homenageio, igualmente, a memória de um grande diplomata que também partiu este ano: o embaixador José Augusto Lindgren Alves. Seu trabalho na Conferência de Viena, em 1993, foi essencial para consolidar os princípios que continuam a nortear a proteção dos direitos humanos no plano internacional.
Em memória da vida e obra desses dois grandes cidadãos brasileiros, é essencial reafirmar que os direitos humanos são indivisíveis, interdependentes, inter-relacionados e, sobretudo, universais.
Senhoras e senhores,
Agradeço a inestimável contribuição do Superior Tribunal de Justiça para a concretização do período de sessões da Corte no Brasil. Muito obrigado, senhor presidente, pelo seu empenho pessoal e dos servidores do Tribunal nessa iniciativa tão relevante para nosso país.
Também estendo meus agradecimentos à Corte Interamericana, pela honra da visita e pelo diálogo fluido que mantivemos nos últimos meses. Tenham a certeza de que são todas e todos, magistrados e funcionários da Corte, muito bem-vindos ao Brasil.
Aos juízes e juízas da Corte, a ocasião proporciona maior aproximação com o Brasil, o país mais populoso sob sua jurisdição. A presença da Corte Interamericana no Brasil nos dá o privilégio de testemunhar, em primeira mão, sua atuação na proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em nosso continente.
Recordo com satisfação, senhor presidente, que tocou à delegação brasileira formalizar, em 1948, na Conferência de Bogotá, a proposta de criação de uma Corte para proteção dos direitos humanos nas Américas.
Mais de vinte anos depois, em 1969, seria adotada a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida por todos como Pacto de São José da Costa Rica.
Atualmente, vinte países reconhecem a competência contenciosa da Corte. Entre eles, o Brasil, que formalizou sua ratificação em 1992 e aceitou sua jurisdição obrigatória em 1998.
Ao longo dessa trajetória, brasileiros de destaque foram eleitos para ocupar assentos como magistrados da Corte Interamericana.
No ano passado, tivemos a honra de eleger o juiz Rodrigo Mudrovitsch para o mandato 2022-2027. Estou convencido de que o doutor Mudrovitsch, por sua trajetória acadêmica e profissional, aportará valiosa contribuição à jurisprudência da Corte.
Senhoras e senhores,
Não é exagero dizer que a dignidade humana só se incorporou ao direito internacional há menos de um século. O direito a ter direitos, nas belas palavras de Hannah Arendt, emergiu no século XX, como resposta às atrocidades cometidas contra a humanidade em duas grandes guerras.
Após a Segunda Guerra Mundial, lançaram-se as pedras fundamentais desse arcabouço jurídico: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e os dois Pactos Internacionais sobre Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966.
A esses somam-se outros sete tratados universais de direitos humanos, sobre temas como discriminação racial, discriminação contra mulheres, combate à tortura e direitos da criança. Acrescentam-se, ainda, tratados regionais nas Américas, na Europa, na África e em outras regiões.
Não basta, porém, recitarmos declarações e tratados. Não há garantia de direitos sem acesso à justiça. Um direito só é efetivamente protegido quando pode ser exigido perante um tribunal imparcial e independente, conforme reconhecido em nossa Constituição Federal.
O cidadão brasileiro pode recorrer não apenas aos tribunais internos, mas também às cortes internacionais. Uma vez que o indivíduo esgota os recursos internos da jurisdição do estado, pode encontrar, no sistema interamericano, proteção adicional e complementar.
O sistema interamericano propicia ampliação da rede protetiva de direitos dos cidadãos de nosso continente. Com base nos tratados em vigor, o indivíduo torna-se capaz de exigir seus direitos em face do estado, no plano internacional. Os tribunais internacionais de direitos humanos foram parte indissociável dessa evolução.
Dessa constatação decorre a importância da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A jurisprudência protetora da Corte Interamericana, nas palavras do saudoso professor Cançado Trindade, “constitui um patrimônio jurídico de todos os países e povos da nossa região” – patrimônio que faz dos direitos humanos nossa linguagem comum.
No século XXI, o vocabulário dos direitos humanos é idioma corrente tanto entre países como dentro deles. Assim como o direito internacional foi fortemente influenciado pelo constitucionalismo, hoje, o direito nacional é influenciado pelo direito das gentes.
No Brasil, os tratados de direitos humanos ratificados pelo estado têm nível hierárquico superior às leis ordinárias. Se aprovados por maioria qualificada, equivalem a emendas constitucionais.
Foi este o caso, por exemplo, da Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, ratificada pelo Brasil em maio do ano passado.
Senhor presidente,
Por meio de instrumentos diversos, temos aprofundado a implementação dos tratados de direitos humanos ratificados pelo Brasil. No âmbito judicial, tem ganhado projeção o controle de convencionalidade, por meio do qual nossos tribunais avaliam a compatibilidade das normas internas com as convenções internacionais.
No âmbito do Poder Executivo, são várias as iniciativas que promovem o exercício efetivo dos direitos fundamentais no Brasil, sobretudo para os grupos mais vulneráveis. No tocante à Corte Interamericana, o Itamaraty atua para reforçar a participação brasileira em conjunto com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, a Advocacia-Geral da União e outros órgãos, como os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público.
Reitero meu agradecimento à Corte, ao STJ, às autoridades e aos convidados presentes, perante os quais renovo o compromisso do Brasil com a proteção dos direitos humanos e com o sistema interamericano.
Declaro oficialmente aberto o 150º Período Ordinário de Sessões da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil, ao qual desejo pleno êxito.
Muito obrigado.