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Opinião: Diplomacia em defesa da soberania (O Estado de S. Paulo, 17/09/2025)
Diplomacia é o ofício do diálogo e da negociação, ofício que também requer firmeza na defesa do interesse nacional, ao lado da discrição e paciência em momentos de crise.
Diante de uma tentativa inaceitável de ingerência dos Estados Unidos em seus assuntos internos e de um ataque direto à independência do Poder Judiciário brasileiro, no contexto do recém-concluído julgamento dos responsáveis por um golpe militar fracassado, o Brasil e a diplomacia brasileira engajaram-se na defesa da soberania do País com a firmeza que a agressão requeria.
Em defesa da democracia brasileira, que dá exemplo reconhecido de maturidade ao mundo no combate à desinformação e ao extremismo político, enfrentamos interesses externos poderosos, que se manifestaram em defesa dos réus golpistas por meio de retórica desrespeitosa e de tarifas como instrumento de chantagem. Essa atitude condenável dos Estados Unidos, em conluio com brasileiros que conspiram abertamente contra o Brasil há meses, sob o olhar complacente de setores que até então se apresentavam como patrióticos, demandou uma reação enérgica.
O governo brasileiro não escolheu deixar de negociar com Washington, apenas tem reagido a provocações e tem deixado claro que a independência do Poder Judiciário é inegociável. A intervenção do Executivo brasileiro num processo judicial em curso foi exigida publicamente pelo presidente Trump em carta de 9 de julho, dirigida ao presidente Lula, mas antecipada pelas redes sociais, tendo sido simbolicamente devolvida pelo Itamaraty no mesmo dia. Exigências descabidas e ataques à democracia e à soberania não se negociam.
Em sistemático trabalho de bastidores, desde então, o Itamaraty e a Embaixada em Washington têm atuado. Como desdobramento, encontrei-me com o secretário Marco Rubio em 30 de julho. Esses movimentos jamais deixaram de mencionar como ponto de partida indispensável para o Brasil, o estrito respeito ao direito que temos de conduzir nosso destino de forma soberana e de acordo com o ordenamento jurídico e a normalidade democrática vigentes no País.
O foco desse esforço, em contexto adverso, é o de restabelecer os canais bilaterais de diálogo em torno dos interesses econômicos afetados por descabidas medidas unilaterais. Esse trabalho de reconstrução requer tempo e ação da diplomacia profissional.
Anteriormente ao início da crise, eu mesmo havia mantido reuniões virtuais com o Representante Comercial da Casa Branca (USTR), e o vice-presidente Geraldo Alckmin havia tratado com o próprio USTR e com o secretário de Comércio sobre a questão das tarifas, objeto de uma carta com propostas negociadoras do Brasil, de 16 de maio, que até o momento não foi respondida.
Esse trabalho de meses tem esbarrado, desde julho, na insistência de Washington em imiscuir-se em assuntos que cabem somente ao nosso País decidir. Como os próprios empresários brasileiros ouviram recentemente de Christopher Landau, número dois do Departamento de Estado, conforme relatos de participantes da reunião à imprensa, as tarifas têm motivação política. Eles ouviram também de Landau que era inútil tentar dialogar em Washington. Mais claro, impossível: no momento, não se mostram abertos a negociar.
A instrução do presidente Lula é clara e não se alterou desde o princípio: estamos prontos a negociar tarifas, mas nunca a nossa própria soberania. Quando os Estados Unidos indicarem disposição de dialogar, sem exigências descabidas, o governo brasileiro estará na mesa de negociação. Até lá, continuará a trabalhar pela retomada de um diálogo respeitoso e maduro. Na linha de frente, a Embaixada em Washington tem se dedicado com afinco e competência a abrir canais e a buscar soluções.
Críticas pontuais à ausência do governo brasileiro na audiência pública sobre a investigação da Seção 301 da qual participou o setor privado no início do mês, em Washington, desconhecem dois fatos essenciais. Primeiramente, a resposta por escrito aos questionamentos do USTR foi elaborada pelo governo federal, sob coordenação do Itamaraty e com a participação de diversos outros ministérios, em estreita colaboração com o setor privado. Em segundo lugar, o Brasil contesta a legitimidade e a legalidade dessas investigações, sob jurisdição dos Estados Unidos, à luz das normas da Organização Mundial do Comércio (OMC), razão pela qual manteve a prática tradicionalmente adotada por diversos outros países de não participar da fase de audiências públicas, nas quais o caráter unilateral e arbitrário da 301 fica ainda mais exacerbado.
A diplomacia brasileira não perde de vista nenhuma das múltiplas dimensões da crise em curso e tem como prioridades tanto o respeito à soberania brasileira quanto a importância dos laços econômicos com os Estados Unidos, construídos ao longo de 201 anos de amizade. Esse equilíbrio continuará a ser buscado porque dele dependem tanto nossa independência como Nação quanto os empregos e a renda de dezenas de milhares de brasileiras e brasileiros.